Quero o último amor

Dei por mim a pensar que pode muito bem acontecer que os anos vão passando e nunca encontre “o” homem da minha vida. Ou que simplesmente, mesmo que vá encontrando umas promessas de amor, a vida não permita concretizar essas promessas em algo sólido e duradouro, “para a vida”. Assim sendo, terei de encarar a possibilidade de ser solteira até à morte. Mas não pretendo desistir de procurar.

Por enquanto tenho o meu filho a depender de mim, e assim será durante ainda muitos anos. Isso deixa pouco espaço a outras coisas, e é um desafio extra para qualquer relacionamento que venha a tentar. Agora, ocupa-me a vida, e não me deixa sentir totalmente só. Um dia seguirá a sua vida, porque os filhos não nos pertencem, e sabe-se lá por onde andará quando eu chegar à velhice e não me puder bastar. Também tenho e terei amigos, pretendo continuar a manter-me ocupada e activa, idependentemente da passagem dos anos, embora com as devidas adaptações que a idade certamente irá impondo. Mas não procuro o amor por medo da solidão, procuro-o por missão.

Sei que muitas mulheres vivem hoje em dia solteiras, por opção, e muitas são felizes. Para mim, no entanto, é uma opção de vida que nunca me ocorreu, não é “opção”, é apenas desígnio da vida que me foi calhando. Sinto realmente falta desse amor que procuro. Sei que seria mais feliz se tivesse um companheiro de vida, com quem dividir os vários momentos e fases da vida, com quem crescer, vincar rugas e celebrar cabelos brancos, e com quem cimentar o amor, numa partilha de planos e prazos até ao fim dos meus dias, mesmo que acabem na saudade.

Acho que serei a eterna romântica, sempre à procura. Preocupa-me um bocadinho saber que posso nunca encontrar. Mas sei que nem que tenha 70 anos, estarei num qualquer chá dançante à espera que um charmoso octagenário de flôr na lapela se aproxime e pergunte “A menina dança?”. Estou a ver-me perfeitamente, num momento desses, por mais cataratas que tenha, a olhar para ele com a mesma expectativa e a mesma vontade de que seja ele, finalmente, o “tal”. É que mesmo que seja aos 70, ou aos 80, encontrar o amor será para mim cumprir essa missão de vida.

Há um poema que me é muito especial e já o referi aqui. Para mim, é como quero viver qualquer amor que tenha a sorte de ainda encontrar nesta vida. Sobretudo, quando morrer, que “Eu possa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, posto que é chama,/ Mas que seja infinito enquanto dure".

Mas também por isso não quero encontrar muitos nem poucos amores, quero encontrar o último, que é aquele que conta – é o que me aquecerá o coração num último sorriso, o que me sossegará o espírito no último fechar de olhos, e o que permanecerá na eternidade de depois da morte. Quer ali esteja de mão na mão no momento do adormecer, quer por o saber do outro lado, à minha espera para a eternidade. Esse amor assim, que vai connosco na morte, é o único que realmente contraria este poema. O último amor é o único que conseguirá ser imortal "e" infinito, porque a sua chama nunca se apagará, mesmo que se apague a chama das nossas vidas. E é na crença de que ele existe, e de que um dia o encontro, que me vou apoiando para deixar passar o tempo do entretanto como apenas um compasso de espera.

O que escrevo

Há uma pessoa que acha que, mais dia menos dia, irei “escrever um livro, e depois outro, e outro...". Gosto muito de escrever, cresci com esse exercício, mas um livro não acredito que conseguisse escrever. Como li recentemente, existem já mais livros do que aqueles que podemos ler no espaço de uma vida (sim, porque nós, meros humanos, não somos como o Prof. Marcelo...). É nossa responsabilidade escolher bem os que vamos efectivamente ler, mas maior ainda se os vamos escrever.

Não nego que é um sonho de muitos anos, mas disse a essa pessoa na altura que nem saberia como começar, nem sobre o que escrever. A escrita para mim, tal como a poesia, tem sido mais um caminho para chegar ao fundo da alma, ou o trazer de sentimentos que não entendo para a razão (possível) da linguagem... Sobretudo a poesia é uma coisa muito solitária, muitas vezes triste, de que talvez goste tanto precisamente por ser menos articulada, por ser palavras soltas da essência desses caminhos que procuro, que se podem usar para ir construindo os nossos próprios poemas vivos ou outra prosa que possamos viver. Para nos podermos ir encontrando, refinando, construindo a crescer.

Por isso, considero a minha escrita egoísta, e tenho dificuldade em escrever sobre outras coisas que não eu própria, os meus sentimentos, os meus medos, a minha vivência e os meus fantasmas. Se me lançasse assim a escrever um livro, o mais natural seria fazer um misto entre a realidade de mim e da minha vida, e a ficção dos vários “ses” que articulei. A personagem principal seria eu, o “eu-princesa”, mas com um pouco mais de sorte e, claro, um final feliz.

E isto ía interessar a quem? Em que é que isto iria enriquecer a humanidade? Portanto, minha querida “Mãe”, não creio que este sonho algum dia se realize. Os blogs têm sido quanto baste, e não vale a pena continuar a enviar-me informação sobre cursos de “escrita criativa”... Pronto, sim, entretanto aceitei o desafio e aventurei-me a escrever outras coisas, num registo diferente, mas em sistema auto-didacta. Há um desses desafios em curso, de que falarei brevemente, já aqui publiquei um pequeno conto, e resolvi que também vou publicar um outro mais elaborado que estou a escrever (mas que também não é nenhum romance que desse um livro). Irei publicar aos poucos, não faço ideia com que regularidade. E mesmo que digam muito mal (e estão sempre à vontade aqui para a total sinceridade), vou publicá-lo até ao final (que ainda não tem, mas lá hei de chegar). Não tem é título. Isto chega “Mãe”?...

Em todo o caso, prometo que, se um dia chegar a escrever um “livro”, levará uma bela dedicatória à minha “Mãe adoptada” (mas mais que mãe biológica, porque minha mãe do coração). Muito naturalmente, será um poema.

Lógica Masculina II

Excerto de uma conversa com um amigo no Messenger. Desculpem, mas é em “Inglês de MSN”... Sem os smiles e as sad faces, etc. Mas com os LOLs... É que este vale a pena. Queixava-me eu de ser difícil esquecer alguém, do que fazer, etc...

(...)
ELE: hmmm lol...
EU: Not funny, though
ELE: yes it is...
ELE: you sound so romantic... lol.
ELE: it's kinda cute, that's all.

EU: Glad you get to laugh about it
EU: Not funny falling in love like this!!!!
EU: It's good to be in love and feel romantic when you can see the same on the other side

ELE: I know sweetie... didn't mean it like that. I'm sorry... I understand. Just like to see u this way... + plus give u some good tips… if u allow me.
EU: Yes! I'm all for tips!!! Especially coming from a guy.
EU: And I know...
EU: I guess I am a bit hedgy

ELE: it's the usual feeling for someone in love.
EU: Ok, stop throwing it to my face now.
ELE: you said it!! not me....
EU: How does one get rid of this?...
ELE: it's very hard... the only way, to be completely honest, would be - and here goes...
ELE: if you meet someone even more interesting.
EU: OMG...
EU: I wrote before I could read the second sentence, but it still applies...

ELE: lol
EU: Don't want to go through the same sh** to get rid of the current one!
EU: Doesn't make any sense!!!

ELE: just... if you don't wanna get hurt, the only way is to care less or....
ELE: stop caring.
ELE: which doesn't seem possible
ELE: because usually, as people say, it's not your choice.
EU: That is very true
ELE: well... I guess there was a guy opinion missing
ELE: someone with some experience that could feel in the gaps
EU: you mean “fill” in the gaps
EU: ahahahah

ELE: fill exacly - lol!
ELE: talking about feelings, makes me screw up...
EU: It's GOT to be a guy's thing! LOL
ELE: lol...

Ok… A lógica masculina diz portanto que, para esquecer um amor falhado, o segredo é encontrar alguém mais interessante... E reparem que não é “apaixonarmo-nos por outra pessoa”! É mesmo, apenas e simplesmente, “encontrar alguém mais interessante”. Grande ajuda e confirmação do tal paralelo infinito!

Provavelmente isto explica a quantidade de mulheres que geralmente passa pela vida de um homem tipo “teste” – basta ser mais interessante e experimenta-se, a ver se passa o que se sente pela do tal amor falhado. De facto, para os homens em geral, e isto agora aferido também de outras conversas e observações, apesar de dizerem que não se querem envolver com outra mulher depois de um desgosto qualquer, a tendência é a substituição imediata, embora não pelo mesmo nível de "seriedade". Assim umas coisas apenas... "interessantes". Para as mulheres em geral, pelo contrário, depois de um desgosto a tendência é evitar mesmo outros desaires, e ouve-se muito "de homens agora quero distância". Parece-me, honestamente, que a lógica masculina é perigosa e faz pouco ou nenhum sentido, porque não vai resolver nada.

Mas os homens não gostam de perder muito tempo em considerações sobre sentimentos, muito menos falar sobre eles, e resolvem o assunto no tal paralelo, preenchendo o vazio do emocional com o frenesim do físico. Tal como esta conversa também confirma: falar de sentimentos fá-los “screw up”, e trocar palavras como “fill” por “feel”. Tramado o subconsciente e as palavras que solta... (Agora era um smile...)

Fiquei tão baralhada como antes, mas pelo menos ainda dei umas gargalhadas.

NOTA: Isto é uma divagação e uma GENERALIZAÇÃO, pelo que é naturalmente redutora. Não pretendo ofender ninguém que se sinta excepção à regra. E sei que há excepções (mas muito poucas...).

Sangue do meu sangue


O meu filho está doente, desde ontem à noite. Foi uma noite difícil, para os dois.

O que mais me custa nestas situações não é a noite em branco, ou o cansaço que fica, ou a trabalheira que dá. É a angústia de o ver mal e não poder tirar-lhe as dores, a angústia de não saber se é grave, e a angústia de ter de o deixar entregue a outros para poder ir trabalhar de manhã.

É nestas alturas que me sinto mais próxima da minha essência animal, um animal com uma cria ferida. A “razão” funciona pouco, é tudo muito instintivo. Simplesmente “sei” quando está doente, "vejo-lhe" a febre, “advinho” quando vai vomitar, “sinto” o significado de cada choro em que distingo diferenças que mais ninguém ouve.

E depois a força que vem não se sabe de onde. Não sei como consigo não dormir toda a noite com ele no colo ou deitada ao lado dele numa cama com um colchão de 1,35m. Apenas fechando os olhos por uns minutos de cada vez. E ainda assim, consigo despertar de imediato e estar a funcionar a 100% ao primeiro gemido. Como nestes dias consigo mesmo subir e descer escadas com os seus 17 quilos ao colo. E rumar ao trabalho depois disto. E sobreviver.

Mas continuo angustiada, sofro esta distância, desconfio sempre que quem fica com ele não trata dele tão bem quanto eu faria – embora não tenha razão nenhuma para pensar dessa forma, que sei que o deixo bem entregue. Mas sei que o meu colo é diferente para ele e parte-me o coração ouvir aquela vozinha desconsolada ao telefone, a perguntar-me se “a mãe já vem a caminho?”... E culpas... mas claro, racionalmente sei que não posso perder o emprego e, sobretudo nos tempos que correm, não posso dar o flanco com absentismo.

Mas enquanto não oiço notícias de que está bem, não descanso, não paro de pensar nele, tudo o resto perde o sentido. E continuo a sentir as dores dele à distância. É tão estranho e tão forte este sentimento. É quando percebo mesmo que ele é sangue do meu sangue. Que já não está dentro de mim, e continua parte de mim. E que não há nada como um abraço de mãe, que a ele, só eu posso dar.

A cada um, o seu caminho

Ao longo dos anos vamos mudando, nem para melhor nem para pior, apenas para algo diferente. Num casal o que tenho visto, e senti eu própria, é que a certo momento as pessoas já são tão diferentes do que eram que já não se encontram, já não se identificam, não têm a mesma ligação, a convivência torna-se difícil se não mesmo impossível e, no fundo, mais importante que tudo, não são felizes. Alguns têm a sorte de ir mudando ao longo do tempo em sintonia, mas é raro, e esse é verdadeiramente o maior desafio de qualquer relação. Nem sempre se conseguem sintonizar vontades, ambições, simples gostos ou evolução natural da maneira de ver e estar na vida. As prioridades de cada um podem tornar-se mesmo incompatíveis, os ressentimentos vão crescendo, instala-se o desinteresse pelo outro, cresce a distância.

Quando acontece esse afastamento, há quem ignore e aceite não ser feliz mas manter a relação, por diversos motivos, desde razões práticas, às preocupações com os filhos. Mas há quem não o consiga fazer e quem veja que isso também é uma forma de fazer os filhos sofrer. Porque se os pais não estão bem e mascaram as coisas numa escalada de indiferença e incompatibilidade, a instabilidade, o desamor e as tensões, às vezes em discussões audíveis, outras de formas mais subtis, revelam-se facilmente às crianças, que intúem estas coisas, e sofrem com isso. Na minha opinião, ninguém devia viver assim, a perpetuar um relacionamento oco que impede ambos de serem felizes. E impede porque desse modo não se admite que o caminho já não é com aquela pessoa, já não é por ali, e assim não se procuram outros caminhos.

Deve-se tentar salvaguardar a amizade e o respeito que tenha havido, sobretudo se há filhos comuns, e eu tentei isso com o meu segundo marido, embora ele não o tenha merecido. Nunca compreendeu que eu não lhe queria mal, muito pelo contrário, logo a começar pelo facto de ser o pai do meu filho. Disse-lhe isso já quando as coisas tinham azedado muito, disse-lhe que tive muita pena que as coisas não tivessem resultado de melhor maneira, mas que nos tinham pelo menos deixado o L. e que era nele que tínhamos de nos concentrar, ele que é, de uma forma muito especial, algo que nos une eternamente.

Mas o orgulho ferido de quem é "deixado" não deixa ver mais nada para além da revolta da rejeição, mesmo que não tenham também já amor, e nisso ele não é diferente de nenhum dos homens do meu passado. Inevitavelmente, culpa-se a outra parte, não se aceita que o outro admita conseguir melhor que eles – não percebendo que não se parte à procura de “alguém” melhor, mas de uma relação, de uma vida, melhor para o “eu” que somos nesse momento. Em resposta a isso, invariavelmente tentam dificultar o processo de separação, ou no caso, de divórcio. É o lavar de roupa suja, os jogos e mesquinhezes em que, infelizmente, usam de tudo, desde questões materiais aos filhos. Não percebem que ao transformarem-se, (ou revelarem-se?), dessa forma vil, só dão mais argumento a quem quer partir e ainda se arriscam a estilhaçar qualquer réstia de amizade ou carinho que tenha sobrevivido ao desgaste do desamor. E mesmo hoje, já meses passados sobre a separação e sobre o divórcio oficial, é triste que o meu ex-marido ainda tenha a necessidade de continuar em guerra comigo.

Ele tinha que “culpar” alguma coisa ou alguém, escolheu culpar-me a mim. É fácil. Por isso, tento “desculpá-lo” a ele. Mas é difícil. Entristece-me que se porte assim, que se revele assim, e sei que, no fundo, um dia terá de admitir que a culpa não é minha, nem dele. É da vida, do destino, do que lhe quisermos chamar. Cabe a cada um de nós tomar as rédeas e andar para frente, re-erguer a cabeça e tentar sermos nós próprios, reencontrar o nosso espaço e o nosso eu, e fazê-lo com integridade e humildade. É o caminho que tenho andado a fazer. E sei que o homem com quem casei um dia não estava preso no passado, era um homem de força, de imensa força, sempre a andar para a frente, a lutar pela vida com garra, e era um homem íntegro e de bom coração. Entristece-me que se tenha perdido de si mesmo e desejo-lhe, sinceramente, que se reencontre. Para bem dele, do nosso filho, e da minha paz de espírito, que estou farta de carregar pela vida os ressentimentos e amargos dos outros. Bastam-me os meus.

Não compreendo porque é que é tão difícil aceitar que, apesar de cada um ter de seguir o seu caminho, não precisamos de o fazer em guerra.

É que o meu Chefe é Peixes...

Desculpem lá o desabafo de ontem, mas foi de desespero… O meu chefe é um homem encantador, é fantástico em muitos aspectos, super cool, mas o rei do “last minute”, e do “I was thinking that maybe we should do this differently” (com olhar vago e sonhador, em cima de deadlines...). Muda de ideias umas 20 vezes ao dia, logo, 20 metades de trabalho acabam no lixo. É preciso quase empurá-lo para um canto para o obrigar a decidir coisas, que se vão amontoando na minha mesa e na dos outros. Mas depois quando decide, é tudo "para ontem se faz favor", e aquilo que não é humanamente possível fazer “ontem”, tem que se resolver no improviso. E não – ele não é sequer português...

Eu gosto de planos, lembram-se? Organização e métodos. Uma pessoa disse-me, eu no meio de um verdadeiro ataque de nervos, em tom de desculpa, mas com um fatalismo absoluto, “é que ele é Peixes…”.

Fiquei pasmada pelo tom da afirmação, e como não sou perita nessas coisas das astrologias, não tinha a mínima ideia do que é que aquilo queria dizer. Fui ver no Google, claro, e encontrei isto:

Either way, Pisceans are not by nature great leaders. Forgetful, spacey, and emotional they are drawn more to conceptual work than details. They can also seem unbearably inconsistent at times -- flip flopping between the conventional and unconventional. Beneath their surface lies uncertainty and an unwillingness to make decisions. Despite their lack in leadership ability, they are usually well-liked in the office. Their employees are generally loyal and sympathetic to this understanding and humanistic, if absent-minded, boss. (…) be sure to avoid pressuring them. Solve your own problems and come to them with ways of making their imaginative ideas fly."

Making their imaginative ideas fly”??? Eu cá sei o que é que voava se pudesse! Fiquei esclarecida... Somos, portanto, verdadeiramente incompatíveis, e se ele não for corrido daqui rapidamente, preciso de mudar de emprego antes que ele dê comigo em doida varrida, de internamento compulsivo (ou voluntário, por esta altura do campeonato!). E preciso de uns Xanaxes até lá, e uns desabafos de vez em quando...

Notes to Self

A minha lista vai crescendo... Eu até detesto palavrões, mas há coisas que merecem mesmo!!!


Para não esquecer:
  • Quando apetecer mandar alguém à M*E*R*D*A, é para mandar mesmo, e juntar uns quantos palavrões, de preferência todos os disponíveis, seja em que língua fôr.
  • Nota extra: aprender mais uns que o repertório é aparentemente limitado.
  • O resultado da não expressão é ficar a remoer e acabar com azia.
  • Se for o chefe, a casa de banho é mesmo ali ao virar da esquina, e de elevador vai-se lá fora num instante, dá para exprimir e ainda fumar um cigarro para acalmar os nervos...


A colar os cacos


Já acordei. Doeu, sim, doeu. Mas colei uns adesivos, uns remendos nos cacos, que com o tempo sei que hão de cicatrizar. Estou viva. Sabia que caía de pé. Caio sempre, embora nunca tenha percebido como o faço. Os adesivos e ligaduras ninguém vê. Além de gostar de estar viva, gosto de pisar terra firme. É verdade, vou tendo os meus "tristinhos". São lembranças que voltam, aos poucos, e que mando embora, agora sem raiva, apenas com uma tristeza de despedida. Como se fosse a última vez que saboreio a recordação de cada coisa que me vem à cabeça. Se calhar é mesmo a última vez. E espero que sim, que assim seja. Porque ainda doi lembrar, e ainda doi sentir, e ainda doi saber que é lembrança de despedida.

Está um dia horrível, estou absolutamente farta de chuva e frio. Francamente, apetece-me emigrar. Não é normal voltar a calçar botas no fim de Maio! E o sol e o bom tempo são sempre a desculpa de maior peso para a defesa deste nosso país. Sem isso, não sei bem o que sobra. Hoje é daqueles dias em que, ultrapassados ou ignorados os problemas legais de guardas e tutelas, pegava no meu filho, uma mala para o caminho, e apanhava o primeiro avião rumo a um destino, pelo menos, mais solarengo.

Mas sou daqui, estou aqui presa, e estarei durante muito tempo. Esse sonho é só para um dia daqui a muitos anos, provavelmente com mais bagagem e sem o meu filho que já andará a fazer as suas próprias viagens.

De qualquer forma, apesar de uma certa melancolia, esses tais "tristinhos", e apesar do mau tempo, sei que entro nesta nova semana com um passo mais seguro, do alto dos saltos das minhas botas (como gostava de poder escrever "sandálias"...). Diz que o tempo vai melhorar já amanhã. Espero bem que sim. De qualquer forma, andarei por aí esta semana, numa roda viva o mais possível, a soprar em mim uma brisa leve de tempo ido, acabado. E sei, porque sei, porque quero, porque faço por isso, porque luto, porque não desisto, que em breve cantarei: “I’m off to see the wizard, the wonderful wizard of Ozz!”…

(Im)perfeito


“O VASO DA VELHA CHINESA

Uma velha chinesa tinha dois grandes vasos, cada um suspenso na extremidade de uma vara que ela carregava nas costas. Um dos vasos estava rachado e o outro era perfeito.

Todos os dias ela ia ao rio buscar água, e ao fim da longa caminhada do rio até casa o vaso perfeito chegava sempre cheio de água, enquanto o rachado chegava meio vazio.

Durante muito tempo a coisa foi andando assim, com a senhora chegando a casa somente com um vaso e meio de água. Naturalmente o vaso perfeito tinha muito orgulho do seu próprio resultado e o pobre vaso rachado tinha vergonha do seu defeito, de conseguir fazer só a metade daquilo que deveria fazer.

Ao fim de dois anos, reflectindo sobre a sua própria amarga derrota de ser 'rachado', durante o caminho para o rio o vaso rachado disse à velhinha: 'Tenho vergonha de mim mesmo, porque esta rachadura que tenho faz-me perder metade da água durante o caminho até sua casa ...'

A velhinha sorriu: 'Reparaste que lindas flores há no teu lado do caminho, somente no teu lado do caminho? Eu sempre soube do teu defeito e portanto plantei sementes de flores na beira da estrada do teu lado. E todos os dias, enquanto voltávamos do rio, tu regava-las. Foi assim que durante dois anos pude apanhar belas flores para enfeitar a mesa e alegrar o meu jantar. Se tu fosses como o outro, eu não teria tido aquelas maravilhas na minha casa!'”


Para mim, a perfeição não existe, e cada imperfeição, cada defeito de uma pessoa, é mais do que a torna única. Todos temos os nossos defeitos próprios.

É preciso aceitar essas imperfeições, esses defeitos, corrigir os que podemos corrigir, ou minimizar os efeitos colaterais negativos, se pudermos. Precisamos de os reconhecer para podermos esforçarmo-nos por ser melhores. Para podermos apreciar o valor de certas conquistas. Para podermos ter a humildade de aceitar os defeitos dos outros.

Mas sobretudo, sobretudo, precisamos deles para descobrir que podemos fazer crescer flores de formas improváveis, e que, na nossa própria e única forma de ser e de estar, até as nossas imperfeições podem fazer alguém feliz, pondo essas flores improváveis na sua mesa de jantar.

Mas é preciso encontrar esse alguém que saiba plantar as sementes do lado certo da estrada. E andar também com umas sementes no bolso para plantar onde os outros podem regar.


NOTA: A história foi recebida por email. Bem-hajas...

De mim para mim

Sei que hoje acordei num mundo diferente. Sei que sou hoje diferente. Instintivamente, sai uma camisa preta do armário. Não, não, digo-me. Não de luto. Já foi demais. Uma coisa leve, uma coisa nova, por estrear. Não é Primavera? Pois, mas vem chuva. Detesto chuva. É Maio, por amor de Deus! Pronto, insisto, tem de ser leve, um casaco por cima. O espelho. Ali estou eu. Eu. Só eu. Minutos a correr, tanta coisa insignificante para fazer. Noto que a frase que mais repito nas primeiras horas do dia é “vamos a despachar”. A vida a correr. Beijos, abraços, bom fim de semana, porte-se bem com o pai, gosto muito da mãe. Sorriso triste, também gosto muito do L.. Saudades, aperto no peito. Trânsito e chegada. Como é que era? Pois... Um passo depois do outro. Levantar a cabeça e endireitar as costas. Sorrir. Não se passa nada. Sou eu. Como sempre, a de todos os dias, a quem ninguém vê que a vida custa, pesa. Vêm a camisa nova, de côr clara, diferente, que elogiam. Vêm o eu-mulher de força calma, que parece bem, que sorri. Por fora. Dentro está outra coisa. Dentro não se vê. E eu hoje estou lá dentro. Hoje há pouca conversa. Enterro-me no computador. Vou espreitando outras coisas que tenho pouca vontade de trabalhar. Escrevo umas linhas. Ajuda. As teclas ganham velocidade, o pensamento voa. Não oiço nada à minha volta. Dentro. Silêncio. Luto não. Já foi demais, lembro-me. Enterrado, missa de sétimo dia. Faço o quê agora? O vazio é para quê? Cabe o quê? Afasto pensamentos, afasto lembranças. Afasto-me dos passos de lógica de todos os dias. Não vou por aí. Lembras-te? Paraste. Chega! Calma, calma... Shiiiuuu. Já passou. Já passou... Amanhã, já passou.

Batimento

Bateu, bateu por ti. Com tristeza e alegria, ora num sossegado sopro de vida ora numa enorme ventania. Sofreu, sofreu por ti, em angústias e dúvidas dilacerantes, em lágrimas de saudade desesperantes. Abriu-se, abriu por ti, na dádiva imensa de mim, nos sorrisos e nos olhares em que me aqueci. Bateu forte, fortemente, a cada enlace, abraço e beijo ardente. Sofreu muito, sofreu tanto, na distância, frieza e desencanto. Cantou alto, altíssimo, na certeza de te conquistar e ver amor no teu olhar.

Agora bate lento, ao ritmo de outra dança, a esvaziar-se de ti e da esperança. Morre aos poucos, cada bocadinho que vai, dizendo adeus a cada enlace, cada abraço, cada beijo ardente, cada angústia, cada dúvida, cada lágrima quente, cada ventania e cada sopro de vida que lhe deste... e lhe tiraste.

Respirei por ti, respirei de ti, tive-te impregnado na pele e no sopro, impresso na alma e no corpo. Tive-te nos sonhos, em cada anoitecer e em cada acordar, o desejo a arder e o pensamento a voar.

Fui-te buscar e não quiseste vir. Ficas portanto, que eu tenho de partir. O vento vai amainar e o meu coração vai parar. De te amar.

O poder dos sorrisos

Pelas 7 da manhã foi o sorriso sonolento do meu filho. Soltei um de volta, claro... Depois o senhor de uma mercearia tradicional que passamos no caminho para o carro, a meter-se com o miúdo que ía em modo “George Lucas”... Sorriu para mim como quem diz “boys will be boys”, e eu sorri de volta. Depois foi uma senhora que assitiu à despedida à porta da escola, com o L. a recomendar-me “porte-se bem no trabalho, mãe, está bem?”. Pois, lá segui com um sorriso...

A seguir, foi o o Sr. I., Segurança da portaria do escritório, e a D. L., a nossa empregada de limpeza mais entradota, que me cumprimenta todos os dias com as mesmas frases: “Bom dia, menina ‘Princesa’. O seu menino está bem?”. Sorri-lhe de volta com as mesmas respostas de sempre, “Bom dia D. L.. Está bem sim, obrigada. E a D. L? Passou bem?”. Tenho de dar sempre um minutinho para os lamentos do costume, mas diz-me sempre tudo com um sorriso e um resignado encolher de ombros, ao que eu respondo qualquer coisa apropriada e um “Então um bom dia” com outro sorriso que tento que seja de ânimo (e carinho, que ela parece uma avozinha e adoro que me trate por “menina”!). Depois colegas, de várias nacionalidades, a caminho do meu poiso. “Bom dia ‘Princesa’” – “Bom dia N.”, “’Morning Grils!” – “Good morning sweetie”, “Good morning H.”, Hey guys!”. E todos respondem com sorrisos e bom-dias, etc.

Gosto de espalhar os meus sorrisos e sabe-me bem receber de volta. Um sorriso tem um poder imenso, porque é quase impossível não mimetizar. E quando nos deixamos sorrir, e quando desencadeamos um sorriso, de certeza que sofremos algum processo químico ou alquímico, porque nos faz sentir tão bem. Se há dias em que temos de purgar coisas com lágrimas, outros há em que temos de nos encher de sorrisos, muitos sorrisos, nossos e dos outros. Hoje espalho-os e apanho todos, com gratidão.

É o dia


Hoje a Princesa não escreve. Hoje a Princesa chora e procura conforto nas coisa bonitas da vida.
Hoje a Princesa compra flores e aninha-se na sua concha, no silêncio do fundo do mar.
Hoje a Princesa volta a ser uma Bela Adormecida e talvez um dia possa acordar.

Atrás da porta

Há muitos anos atrás eu era uma alma solta no mundo, sociável e de muito fácil conquista, porque não fechava a porta a ninguém. E conquistadora também, que gostava de bater a outras portas que se me abriram com imensa facilidade. Um dos adjectivos que usavam para me definir era “desarmante”. Com o tempo, com os roubos e assaltos, rapidamente fui pondo trancas à porta, alarmes e armadilhas, correntes e cadeados. De tanto trancar a porta, tranquei-me, isolei-me, afastei muita gente que até queria entrar, ou foi expulsa num repente.

Mas essa não é a minha verdadeira natureza. De origem, eu era uma porta aberta. Por isso ver-me ali trancada foi um susto e um sofrimento. De porta trancada não entra ninguém, mas também não saímos para entrar em outras portas. Mas acostumamo-nos a não querer os outros por perto, por dentro.

De vez em quando, há alguém que sabe bater à porta, que não se assusta com os avisos de que o cão morde e de que o alarme está ligado directamente à central. E acho que é precisamente a coragem que isso revela, a vontade mesmo a sério de entrar, que torna essas pessoas tão especiais para mim tão rapidamente. E nessa altura, a minha verdadeira essência apodera-se de mim, tolda-me o juízo, curto-cicuita o alarme, adormece o cão que morde, abre as fechaduras e correntes, e tenho tendência a escancarar a porta depressa demais. Só que exponho-me ao perigo da invasão do meu território tão diligentemente preservado, à devassa do espaço que cultivei só para mim e que já não sei partilhar. E, claro, num instante de dúvida, de desconfiança, por menor que seja o gesto ou quase inaudível a palavra, desperta em mim o medo de sobrevivência e é cerrar fileiras com as tropas para expulsar o intruso, o mais rápido que consigo. Acorda o cão, morde mesmo com ferocidade, trancas, fechaduras e cadeados na porta. E atrás dela, ficam os restos de mim, numa segura solidão, mas com o pesar do arrependimento, o sufoco da minha própria prisão.

Esforço-me genuinamente por encontrar um meio termo que me permita entreabrir a porta, sem me expôr demais, mas sem me fechar por completo à hipótese de valer a pena deixar entrar. E acertar no “ângulo de abertura” é uma dificuldade tremenda porque também depende de quem quer entrar.

Há quem bata vigorosamente à porta na exigência da imediata admissão. Há quem bata já entrando. E há quem entre sem pedir licensa. Não gosto – é a tal devassa, a invasão, que acaba por me pôr em guerra. Depois há quem queremos convidar a entrar, mas que fica ali na soleira da porta, “obrigada, mas tenho de ir andando”, a pensar “que susto!” à vista de tanta defesa para ultrapassar. Ou quanto muito no hall, com um olho na besta e outro na porta (não vá a primeira acordar e a segunda fechar-se), com a cerimónia do “não quero incomodar”. Mas incomoda. Também não gosto. Talvez por isso raramente entreabra a porta sem que ninguém bata, sem que alguém me demonstre essa coragem, e pachorra, e determinação em entrar. Já passei por aí, já chorei lágrimas por isso, não quero lá voltar, não me quero "pôr a jeito" como ensino ao meu filho.

Tal como a minha história de antes, ele entrou sem bater e sem pedir licensa, e eu escancarei-lhe a porta num impulso que acho que ele nem percebeu. Quando me assustei com a devassa, fechei-lhe a porta, com tal estrondo que ele me fechou a dele a seguir. O pior é que não consegui que as tropas o expulsassem por completo, a sombra dele permaneceu e, quando deixei de lutar contra isso, e lhe abri a minha porta outra vez, ele já não quis entrar. O susto foi demasiado, as dificuldades muito óbvias, e impôs-se a distância que levei muito tempo a entender. Que continuo sem perceber se ele quer realmente ultrapassar.

De mim, neste momento, sei que a porta está encostada, levemente aberta, sem trancas nem cadeados. O cão dorme, e também anda mais manso. O alarme está no silêncio – mas continua ligado à central... Aqui estou à espera que ele bata à porta de mansinho, “posso entrar?...”, e entre cerimoniosamente devagar. Estou à espera disso e capaz de abrir. E até quase tenho vontade de me encher de coragem e fazer o convite – “bates-me à porta?”. E acrescento-lhe que as tropas estão tranquilamente aquarteladas...

Mas não sou capaz de dar esse privilégio de mim a quem não mo mereça. Se calhar sou egoísta, retorcida, ou simplesmente um bocadinho louca. Provavelmente projecto hoje a imagem, não dessa alma solta e de porta aberta, conquistadora e de fácil conquista, que já fui, mas de uma pessoa distante, fechada, complicada, e pouca gente verá motivo para enfrentar tanta dificuldade. E sei que assim, nem os sapos terão pachorra para me aturar. Mas a minha verdadeira natureza já não é a de origem, a outra enraizou-se, e não sei se ainda vou a tempo de me recuperar porque há cicatrizes que nunca vão desaparecer, que vão lá estar sempre a lembrar-me, a alertar-me, a fechar-me a porta.

Encontro - Um Pequeno Conto


Era uma noite escura, com um céu carregado de núvens densas e vagarosas, a encobrir as estrelas que não tinham força para fazer derramar a sua luz sobre a estrada. Chovia aquela chuva miudinha, insidiosa, que nem chega a ser fria, nem água pura, que invade até o oxigénio do ar e contamina tudo com uma humidade peganhenta.

De vez em quando, um clarão de luz, como se fosse uma ideia luminosa carregada de uma raiva eléctrica, atravessava o céu e podia mais que as núvens, derramando uma fracção de luz mentirosa, enganadora, inconstante, que apenas deixava vislumbrar o caminho por um breve instante.

Logo no segundo seguinte havia sombra e tudo eram sombras, cores pardas e sons abafados, pelas núvens, e pelo chuvisco, e pela noite. Uns segundos, e o rugido da fúria a tomar conta do lugar, primeiro mais lento e distante, ecoando ao longe, depois mais presente e furioso e dilacerante. E depois mais distante.

No caminho ecoavam passos pequeninos. Eram passos difíceis e inseguros, que o caminho era de terra feita lama, do mesmo breu da noite, invisível de tão indistinto o caminho e o céu e tudo à volta. Os pés afundavam-se apesar do pouco peso do corpo, e quanto mais o cansaço, e quanto mais a humidade, mais os pés se afundavam. A alma pesava-lhe também de tão nublada. As recordações, as dúvidas dilacerantes, as incertezas de outros passos, as lágrimas já choradas, a sua história enfim, era mais peso que o corpo esbelto, quase magro demais, frágil e cansado, e ainda assim a opôr-se à intempéride para avançar. Ele estava no fim do caminho e ela pertencia àquele destino.

Cada avanço era mais penoso que o anterior e não se vislumbrava o destino, nem se avistava a sombra que ela esperava ver de mão estendida à sua procura, vinda em seu auxílio. “Onde andarás?” – perguntava-se ela. O desânimo consumia a força que a seguir consumia a vontade. E a cada passo, mais um bocadinho de lama do caminho se colava e se impregnava naqueles pés delicados mas feitos de barro, do barro da estrada, desesperados pelo avanço mas que na lama se afundavam. Também chovia dentro dela aquela chuva miudinha, húmida e peganhenta. Também disparavam dentro da sua cabeça rasgos de luz mentirosa que por momentos a enganavam na certeza do caminho e no vislumbre fugaz daquela sombra que não existia. E a desilusão e a mágoa e o arrependimento rugiam tão alto como os trovões.

Então levantou-se o vento. Fresco, surpeendente, vindo não se sabia de onde, de que ponto cardeal e de que altura. Soprou de mansinho e depois ganhou pujança e fez-se dono do lugar. Alvoraçou-a. Espantou as sombras da paisagem, secou-lhe a humidade da roupa e do corpo e dos longos cabelos. Deixou de chover e o ar limpava-se. Mais passos, cansados mas agora com a leveza da esperança, a tornarem-se mais seguros, a espinha dorsal a reencontrar a sua posição natural. O briho das estrelas já chegava e o caminho tornou-se mais claro, tanto que nem era preciso fixar os olhos no chão para ver e seguir em frente. A lama foi secando e tornando a progressão mais fácil, porque a lama seca se solta do que antes emparedou e faz-se em pó com apenas um toque.

De repente, os seus olhos encontraram o céu. O vento dela e de um ponto cardeal indefinido, que tinha subido também acima do lugar, dispersara as núvens. Com espanto, viu uma lua redonda, brilhante, dourada, prenhe. Pensou que de promessas e de sonhos. Ali assim, ao alcance da vista que se desocupara de perscutar cada centímetro do caminho que agora se fazia de cor, já sem pensar na sombra da mão de ajuda porque ansiava. Pensou como era mais fácil fazer o caminho assim. Inspirou o ar agora respirável e deixou-se em contemplação por momentos, estendendo a mão esguia como que a tocar o astro e a sentir a sua força.

Ao voltar a olhar para a frente viu-se na chegada. Sem saber como tinha chegado e o que era feito do seu cansaço e desespero. Olhou de novo a lua e, então, concedeu-se um sorriso. E toda ela irradiou com a força dos raios da luz que contemplava e que a enchiam. Ela era lua. Brilhante, dourada e prenhe, da força das promessas e dos sonhos realizados. Subitamente dentro do abraço da sombra que procurara e que a tinha também buscado no caminho. Cumprindo-se o destino.

“Chegamos”, dito em simultâneo num beijo. “Andemos”, dito no primeiro passo a dois do novo caminho.

A noite


A noite inunda tudo. A noite transforma tudo. A escuridão chega sempre mais longe que a claridade. As sombras no escuro são realidade. A noite apodera-se do mundo. Mergulha-nos num silêncio profundo. Esta noite inunda-me de escuro, apodera-se de mim, espanta-me o sono com sombras de mim. Esta noite tortura-me com divagações insanas, memórias doridas, espirais sem fim. A noite sem sono é um pesadelo vivido. A noite acordada sem amor é um momento descabido.

Na noite de insónia oiço mais os sons da rua. Invade-me a realidade do exterior, fria e crua. À noite, sem som, ouço-me permanentemente em eco. Mil vezes embatendo de volta em mim, que me sinto sem fuga, num beco. A noite cala o relógio, o riso, o canto. Para que se torne audível o meu pranto.

O silêncio da minha noite ensurdece-me. O amor que sinto estéril na noite enlouquece-me. A madrugada da minha noite adormece-me.

Por onde andará a minha lua?...

Coragem


E é preciso coragem para reconhecer que só precisamos de ser corajosos...

Lógicas de Mãe I

HIPÓTESE:

Os cintos dos carros nos bancos traseiros deviam apertar do lado da porta e não no centro do banco?

FACTOS:

1. As cadeirinhas dos miúdos são uns trambolhos, ainda mais com os miúdos lá sentados.
2. Os cintos conseguem sempre torcer-se todos de um dia para o outro, ou mesmo da manhã para a tarde, por alguma arte de voodoo.
3. As mães também são fashion e usam vestidos curtos com saltos altos.

EXPERIÊNCIA:

Uma mãe fashion mergulha para dentro do carro para conseguir encaixar o cinto a meio do banco, depois de ter lutado uns minutos para o desenrolar, com o rabo para o ar, um pé de fora do carro e outro dentro para conseguir lá chegar.

OBSERVAÇÕES:

Com um vestido relativamente curto, não é boa ideia, nem boa experiência (garanto eu).

Quando aquela cegada acaba, ao recuar para fora do carro, a mãe fashion repara na quantidade de perna que tem à vista à frente e sente um ligeiro fresco até muito acima da altura decente das pernas atrás. E pior quando se endireita (com certo orgulho de ter vencido a guerra do cinto), e se volta após fechar a porta, para se deparar com cinco (!!!!!) operários de uma obra, de olhos esbugalhados nela e queixo no chão...

REACÇÕES:

1. Foi inconclusiva a determinação do quê exactamente os referidos operários viram, para além de muita perna (mas desconfia-se que saibam a côr da lingerie usada pela mãe fashion).
2. A mãe fashion adquiriu uma côr indefinida, entre o verde, o azul e o branco.
3. A mãe fashion esforçou-se por fingir que não tinha percebido nada, ligeiramente trémula deu a volta ao carro, e fugiu rapidamente. Não estaciona ali tão cedo.

CONCLUSÕES:

Palavras da mãe fashion sobre a experiência: “Quero lá saber de ser fashion! Este é um vestido que não volto a usar em dias de mãe!”

Portanto, a bem das mães fashion deste país e do mundo, que NÃO GOSTAM DE FAZER FIGURAS DESTAS, espera-se que algum engenheiro ou designer iluminado perceba rapidamente que OS CINTOS DOS BANCOS DE TRÁS DEVIAM MESMO APERTAR AO CONTRÁRIO!...

PS: A imagem não faz juz à situação, mas foi o que se arranjou...

Sustos de mãe

O meu filho tem uma fabulosa imaginação e é extremamente cinematográfico nas suas projecções: descreve tudo, mete banda sonora, e diz tipo “agora a mãe era um dragão amarelo e fazia assim: tcháááááán!”. Etc e tal.

Já estou habituada e agora também à suposta flexibilidade do guião. “Suposta” porque pergunta-me se quero ser isto ou aquilo, se quero esta ou aquela cor, e depois o que escolho é sempre “não, essa não pode ser” e acaba a ser ele a definir tudo na mesma.

Hoje de manhã, fiquei aterrada ao ouvir da boca do meu filho de 3 anos e meio, um cotumiço de um metrinho de altura, palavras como “titã lendário”, dito com todas as sílabas no meio de uma parafernália de palavras altamente agressivas, e uma série de outros nomes dos quais era suposto eu escolher o que queria ser. Nem pecebi metade... Como o único normal que reconheci era Sophie, e até é um nome feminino, lá escolhi esse que, claro, não podia ser, porque “a mãe tem de ser o ‘Caliban’”...

Confesso que não presto muito atenção aos desenhos animados que ele vê no canal Panda. Lá vou ouvindo umas coisas dos “Irmãos Koala” que é totalmente inofensivo, ou das “Winx” e da “Mermaid Melody” que às vezes acho um bocado “à frente”, mas nada do outro mundo. Supostamente, não há razão para preocupações e por isso mesmo ponho aquele canal. Vejo mais com ele os DVDs que, isso sim, precisam de certo acompanhamento. Mas depois disto fiz uma pesquisa e assusta-me o resumo do que o meu filho anda a ver no CANAL PANDA, a meio do dia algumas vezes e às 9 da noite (que é a última coisa que ele vê antes de dormir!).

Estou um bocado incomodada com isto, para dizer a verdade. É que ele sabe o nome das personagens todas e quando lhe perguntei se outros bonecos não eram mais giros, e que lutas e guerras não é muito bonito, ficou zangadíssimo e disse-me resumidamente que não, que o "Huntik" é que é bom, que já é “grande” e os “rapazes lutam”!...

Ainda no outro dia só gostava do Noddy e do Ruca... E os DVDs vão ter muito mais uso a partir de agora...

Interno destacado


"The Detached

We die,
Welcoming Bluebeards to our darkening closets,
Stranglers to our outstretched necks,
Stranglers, who neither care nor
care to know that
DEATH IS INTERNAL.

We pray,
Savoring sweet the teethed lies,
Bellying the grounds before alien gods,
Gods, who neither know nor
wish to know that
HELL IS INTERNAL.

We love,
Rubbing the nakednesses with gloved hands,
Inverting our mouths in tongued kisses,
Kisses that neither touch nor
care to touch if
LOVE IS INTERNAL."

Maya Angelou


Eu destilo: numa primeira abordagem, leio que não há pior morte que a alma seca, pior inferno que o sofrimento sem sentido, nem fotografia, ou contacto de corpo, que capte ou toque o amor. A morte, o inferno e o amor são internos. Separados, desligados do exterior corpóreo, onde apenas se reflectem – em roupas carcomidas pelas traças e abandono, em enganos de preces a Deuses inexistentes, e em corpos despidos, beijos e línguas que tentam chegar onde não tocam: no interno. Nesse interno que não nos pertence, que não comandamos, não tocamos.

Depois reparo na subtileza do “if” da última estrofe e de repente esta ganha um sentido novo. E agora leio que o amar corpóreo não toca o interno “se” o amor for interno. O que é difícil de destilar...

Maya Angelou é uma das minhas poetisas favoritas. Mas geralmente deprime-me destilar os poemas dela. Só que não vivo sem poesia para encontrar caminhos. A poesia enche-me, embora às vezes de lágrimas também. Este desenterrei hoje pela sensação nova de sentir que, de alguma forma estranha, toquei involuntariamente o interno de alguém, de uma maneira positiva que me enche de satisfação. E nesse sentimento, alguma coisa, também involuntária e estranhamente, tocou o meu interno. E eu que não consigo compreender este poema plenamente, foi a ele que fui dar para reflectir isto, essa noção de “interno destacado”.

PS: Prometo que não há poesia por aqui nos próximos dias...

Curta Sabedoria – Que me desculpe o Poeta


"Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?

Guardo todas,
um dia vou construir um castelo..."

(Fernando Pessoa)


Pois sim… Mas é curto não acham?... Bonito claro, e toda a gente que aqui passa sabe que Pessoa é “o” meu poeta de eleição (embora o Vinicius venha a amadurecer melhor que muitos vinhos, e certamente bem melhor que muitos homens). Mas só um castelo de pedras, por muito auto-conhecimento, auto-estima e abenegação, não chega para a minha definição de “feliz”. Que me desculpe o Poeta, que lhe reconheço outros escritos absolutamente certeiros, como o que citei ontem, mas este não, que os meus sonhos são vôos um bocado mais altos...

Quem me conhece um bocadinho já percebeu que hoje a coisa também não corre assim tão bem, que este azedume não é muito normal em mim. O raio do tempo não passa, ainda por cima com o outro tempo acinzentado, indefinido, e as coisas mais chatas possíveis a nível profissional. Semana mázita esta, e ainda só é 4ª feira... Queria hibernar uns dias, ou como diz uma amiga minha, e hoje entendo bem, “quero voltar para a barriga da minha mãe”!!!

Pedir não custa...

Impresso em nós

Alguém saberá responder de imediato à pergunta de quem são os homens ou as mulheres da sua vida? Assim em segundos, sem tempo para pensar? A pergunta é supostamente fácil, pretende-se saber quais foram os mais importantes, não necessariamente os que se demoraram mais tempo na nossa vida, mas os que tiveram um impacto mais marcante, independentemente do tempo.

De facto, todas as pessoas que passam na nossa vida deixam marcas. Algumas mais profundas, que se imprimem definitivamente em nós. Outras mais ténues, que marcam mais momentos de vida do que o que somos e seremos. E às vezes essas segundas demoram-se mais e tendemos a atribuir-lhe um maior valor por isso, enquanto por vezes subvalorizamos os que foram breves de existência mas realmente significativos e marcantes.

No meu caso, tive poucos homens “na” minha vida, independentemente de marca e tempo. Amei todos em dado momento, mas cada um foi completamente diferente do outro, e de tão poucos, dois foram meus maridos, um deles o pai do meu filho (e por isso parte da minha vida até à morte). Foram relações duradouras, mas isso não faz deles os “homens da minha vida”.

Penso no que distingue os que amei "totalmente" dos outros, o que distingue a marca que deixaram, e depois de muita volta à cabeça e muito mergulhar em mim, conclúo que é a entrega de que fui capaz. Não é o que eles me deram, mas o que lhes dei de mim, que fez espaço para que a sua marca se imprimisse em mim. Essa entrega total, essa forma de amar, é, em última análise, um salto de fé, acreditar que o outro quer a nossa entrega e nos ama de volta, se entrega também, para que se cumpra o amor. Estranhamente, em nenhum dos meus casos deamor "total" acho que se tenha “cumprido” o amor, porque não tive esse retorno. Mas é amor, ainda assim, porque para mim amar alguém é essa dualidade imparável de generosidade e de egoísmo. É encantarmo-nos com algo de mais profundo que só nós vislumbramos no outro. É enchermo-nos do todo que é o outro, e querer dar a esse outro o todo de nós. Ser refúgio e refugiado, dar a mão e ir pela mão, respirar o mesmo ar, ser corpo de outro corpo que é nosso. E é salto de fé também porque é acreditar que o amor nos dá o poder de fazer o outro feliz e, em retorno, ser feliz. É acreditar, e com uma força avassaladora.

E aqui o tempo não conta. Porque o meu primeiro foi uma relação longa, mas o segundo, de tão curta existência na minha vida, tem já a palma da mão impressa em mim, é de mim, para sempre, mesmo que nunca se cumpra o amor com a tal reciprocidade que desejo. No primeiro, a história está fechada, no segundo ainda está em aberto, suspensa no tempo. Uma das minhas citações preferidas de Pessoa é: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

E realmente, a marca que este homem me deixou em tão pouco tempo impregnou-se em mim de uma maneira absurda mas mágica, de uma maneira triste mas doce. Arrebatou-me, levantou-me os pés do chão e subiu-me a alturas extraordinárias onde nem sei respirar. Foi pura magia na minha vida, fazendo-me voar por momentos e abandonar-me por completo nele. Apesar do abismo da estranheza, o amor que sinto por ele deu-me a razão que precisava para arrumar gavetas e enfrentar fantasmas. Deu-me razão para sonhar, e até razão para acordar e adormecer e suportar a tormenta de que não queria fugir. Deu-me razão para escrever. Tornou-se uma parte de mim que não consigo expulsar e, mais que isso, que acalento, que preservo, que me recuso a largar. É uma coisa espantosamente intensa, transformadora, e assim, na onda do poeta, destas coisas que são tão intensas e inexplicáveis, me fica a marca de alguém incomparável que não se pode esquecer. Recordarei sempre as asas que abri por ele, mais do que as lágrimas que chorei por ele. Projectarei sempre mais o que quero dar-lhe, do que o que poderia receber. E agora, o tempo dirá se é finalmente o amor cumprido que espero, que sonho. É sem dúvida um dos homens da minha vida. Falta ser o homem na minha vida.

É solidão?

A vantagem de se viver sozinho é que temos o privilégio de decidir a cada instante o que fazer, e como, sem ter de prestar contas a ninguém (a não ser nós próprios). Ninguém tem de ver as nossas lágrimas se não quisermos. Podemos pôr a música que bem nos apetecer e no volume que mais bem souber. Não há lutas pelo comando da televisão - e isto se sequer nos apetecer ligar a besta. Não há horas para as refeições, nem necessidade de comer coisas apropriadas. Pode-se decorar a casa com o que gostamos e ninguém critica ou muito menos se opõe. É o que nos apetecer - é poder dizer “a casa é minha"!

Isto sabe-me bem, tal como também poder acordar às horas que me apetecer no fim de semana, e não ter de fazer quase nada que não queira. Mas claro que, para mim, só funciona exactamente assim quando o miúdo está com o pai. E confesso que aproveito estes momentos de desforra o melhor que posso, apesar de não deixar de sentir a falta dele. Mas sei com certeza que ele volta e que esta também é a "nossa" casa quando ele está. É um equilíbrio.

A solidão até pode ser um conforto. Aliás, há pouco tempo li uma coisa interessante: "graças à solidão conheço-me, o que é fundamental para viver". Acho que é verdade. Sem um pouquinho de solidão não teria tempo para pensar, e muito menos para escrever. Para disfrutar de mim. Fazem-me falta os silêncios, as pausas, os tempos de reflexão. Mas depois preciso de ebulição, preciso de pôr para fora, preciso de gente à volta, e barulho, e animação. E claro, mimos e beijos e abraços. Confusão de brinquedos pelo chão. Refeições à séria e boas regras de educação. É mais uma das minhas muitas dualidades...

Mas a pior de todas é que, apesar de precisar e gostar de um pouquinho de solidão, preferia não me sentir só, gosto de ter a "minha" casa mas também gostava de ter uma "nossa" todos os dias. Poder chorar as minhas lágrimas em comunhão e secar as lágrimas de alguém que procure o meu conforto. Dar e ter colo. Ouvir música em conjunto, lutar em brincadeira pelo comando da televisão, partilhar refeições de coisas mesmo desapropriadas, ir decorando a casa como prova da capacidade de aceitação e enriquecimento pelas diferenças do outro, e no fim dizer com satisfação “a casa é nossa”.

Bem... lá vou eu. Isto hoje não está a correr lá muito bem.

Conselhos


Ouve-se de tudo quando se pergunta. E às vezes sem se perguntar. Alguém me desejou que “não me mate o tempo” e, claro, deixou-me a pensar. Alguém me desejou que tenha a felicidade de realizar o sonho e, claro, pôs-me a duvidar - será sonho? Alguém questionou que eu saiba mesmo o que é amor e, claro, chocou-me e deixou-me a destilar.

De Sophia de Mello Breyner, este poema que me é muito especial, é o que sinto que é a espera do amor.

Data

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo de ameaça


Porque a espera da correspondência do amor que sentimos e queremos dar é também a tortura da esperança egoísta de receber o amor que queremos que o outro sinta por nós e nos queira dar. E enquanto passa o tempo dos dias contados, estamos ameaçados pela possibilidade de que não se cumpra o amor. Mas enquanto amamos, na nossa legítima forma própria de amar, à espera que se cumpra o amor na sua plenitude, em real, na vida, o tempo sofre-se, não se mede, e parece que não existe porque não corre dentro de nós, nem faz vacilar o amor que sentimos. Faz-nos vacilar a nós, na nossa frágil composição de retalhos do que sentimos e do que pensamos, na luta desvairada da procura da verdade e da certeza, fazendo-nos plasmar em certos momentos em algo que é enganador, que não é o que somos, que são os paradoxos que o tempo nos vai fazendo ser e experimentar, e de que às vezes precisamos para não desabar.

Amor “mesmo” é para cada um uma coisa diferente, um misto do que sentimos, do que vemos e do que vivemos. E ninguém vê o amor da mesma maneira, ninguém o sente exactamente da mesma forma, e ninguém sabe realmente o que ele é enquanto não o viver cumprido na correspondência total. E mesmo assim, será diferente para cada um. No entanto, alguns arrogam-se a clarividência de o saber, apenas porque o sofreram profundamente sem o viver, e porque acham que, de tão intenso o sentiram, a verdade que têm para si é maior que a verdade dos outros.

Eu oiço tudo mas vejo por mim, na consciência da minha verdade ser só minha e poder ser diferente em cada momento do tempo, porque sou, humildemente, ser em crescimento, em procura, em andamento.

Sem Data

Não ouve “nunca”. Nem cratera. Nem jogos, nem fuga. Vale dar mais algum tempo. Quanto? Não sei. A esta pergunta, ironicamente, responderá o tempo. Mas alguma coisa mudou. Para melhor. Ainda não tenho as palavras agora. Ainda é "até amanhã meu amor" só que com uma surpreendente serenidade.

T(r)emores


Parece que sufoco das palavras que quero tirar de mim. Parece que pesam. Adormeço e acordo a compôr frases na minha cabeça. Escrevo coisas soltas por todo o lado e a toda a hora. Mais de metade deito fora. Viciei-me na escrita que me dá uma sensação de apaziguamento no imediato. Mal está escrito, tenho uma urgência demente em publicar, mas ainda assim há coisas que ao reler não consigo. E depois é tanto que não tenho remédio se não guardar uma parte.

É um vómito da minha alma. Depois às vezes a ressaca é má, doi o estômago. É melhor nas vezes em que me clarifica, ilumina, solta e orienta. E mesmo assim, continuo atormentada pela necessidade de escrever ainda mais, de escrever tudo. Tenho de chegar ao fundo deste poço e hoje estou de novo a espreitar o poço, com medo de cair lá dentro, na antecipação de mais um embate. Ele está lá no fundo, mas no horizonte deste dia. Tremo e temo. Tremem-me as palavras. Estou um bocadinho desfocada, a verdade está esfumada. Se calhar é o carrossel a rodar um bocadinho mais depressa. Não consigo acreditar no que publiquei ontem à noite e no que escrevi há pouco, que não consigo deixar escorrer para aqui, mas que não consigo deitar fora.

Do que tenho escrito, no visto aqui e no escondido, estão afirmações tão contraditórias quanto o que sinto, que me mostram claramente como me perdi, muitas vezes na ilusão de saber perfeitamente o caminho. Os "quero mas não quero", "posso mas não consigo", "sim, mas também"... E questões pertinentes levantadas por linhas aqui e noutras paragens partilhadas fazem-me repensar algumas coisas que escrevi, porque senti, ou porque decidi. Olhar para o fundo do poço numa atracção quase fatal. E medo de cair.

Confuso? É. Quanto tempo temos de dar ao sonho? Vale mais o que sentimos ou o que decidimos? Até quando devemos deixar a esperança alagar-nos? Sabemos ver quando estamos afogados nela ainda a tempo de nos salvarmos? De que vale o tempo contado no calendário face à possibilidade de realizar um sonho num futuro qualquer? O "já" é tão redutor... O "nunca" é que é final e essa é a palavra que ainda não ouvi, nem li, nem escrevi - só cheguei lá perto na poesia e doeu. É a palavra que temo demais ouvir e dizer, ler ou escrever, que me faz a voz e a mão tremer.

Hoje estou confusa, assustada, à procura de todas as partículas da minha coragem para não fugir, porque sei que não há fuga possível. Seria ilusório pensar que não ver, não ouvir, não cheirar resolveriam a minha tormenta. Mas ver, e ouvir e cheirar pode resolver, pode até apaziguar. Pode dar-me o "nunca". Mas a dúvida é qual será o impacto, como e quando e se. E medo do tamanho da cratera que pode resultar daí. Sinto-me encurralada entre dois eus de mim. E entre o que é meu e o que está fora de mim. Penalizo-me, porque fui desafiar as bestas dos outros ainda sem domar a minha. E ela acordou de novo e mordeu-me.

Não há regra sem excepção

Não tencionava publicar aqui os poemas que escrevo. Essa é a regra. E esta é a excepção:

Só na Saudade

Um olhar que me despe,
Umas mãos que me tomam.
O sol a nascer para leste
E as horas, lentas, demoram.

O beijo mais doce, quente,
O abraço mais forte de ti,
A chama de um olhar ardente,
O mais que alguma vez senti.

Um outro corpo que é meu
Apoderando-se de mim
E eu, sendo corpo que é teu.

Volta um dia, mas só assim.
Antes a cama vazia e eu.
Não voltes se não for para mim.

Como é excepção, desculpem, mas é sem comentários.

Carrossel Encantado

Um dia desencantei-me. Desencantei-me comigo e com a vida. Isso foi há muito tempo atrás. Depois encantei-me por mim. Reconquistei-me e libertei-me de muitas maneiras diferentes. Com isso a vida passou a ser mais fácil, e o carrossel rodou. Tornei-me mais mulher. Encantei-me pelo meu filho e tornei-me mais mãe. Os outros encantaram-se comigo e eu com eles, tornei-me mais amiga. No fim, até mais filha me tornei.

Depois apaixonei-me, quando pensava que nunca tal me iria acontecer. Por uns poucos momentos, encantei-me com a vida em todo, pensando que encontrara "aquele" amor. Tornei-me mais alegre, mais feliz, o carrossel em voltas mais mágicas. Mas também me tornei mais descuidada, muita velocidade. Desequilibrei-me e sofri, desencantei-me outra vez, o carrossel andava sem mim.

Mas tornei-me mais forte, reforcei o sonho, ganhei balanço, gira, gira o carrossel. Continuo Princesa, mulher, e mãe, e amiga, e filha, e ainda me encanta a vida, e ainda encanto outros, e ainda há outros que me encantam, e ainda me encanta a ideia de um dia encontrar esse amor. Mesmo sabendo que a probabilidade é ínfima, que talvez o amor que idealizo seja um ideal irreal, um sonho. Mas encanta-me sonhar, e o carrossel a rodar, rodar.

Encanta-me acreditar. Encanta-me a ideia de que uma surpresa boa pode acontecer. Encanta-me a ideia de me poder encantar. Até me encanta andar às voltas neste carrossel encantado e não saber onde vou parar, girando e girando, na esperança de no todo me re-encantar.

Mas devagarinho...

PS: Pronúncia, este escrevi ontem mas não publiquei porque entretanto escrevi o outro texto. Sai da gaveta hoje por causa de palavras tuas. ... Vou andando, mas ainda não cheguei, não é ainda o tempo de mudar o nick...

Um dia não são dias

Hoje apetecia-me ter podido chegar a casa sem pensar em practicalidades. Apetecia-me uma boa música a tocar e uma companhia para uma daquelas conversas abandonadas, com silêncios, mas com alguma risota, algumas profundidades, sem grande nexo ou preocupação de articulação de ideias. Aquelas conversas em que se vai dizendo o que nos vem à cabeça e nos vai na alma, e vamos ouvindo o mesmo registo, e de mansinho vamos dizendo e ouvindo as coisas mais verdadeiras de nós. A conivência de um momento de retempero merecido, após um longo dia cansativo e uma semana que ainda vai a meio e já pesa. Partilhar uma garrafa de um bom vinho e deixar-me levar devagarinho por tudo isso: a música, a companhia, a conversa, o vinho. Sem pensar em mais nada. Sentir-me relaxar, sentir-me confortável, e segura, e acompanhada. Acompanhada não só por uma presença, mas por esse confortável abandono partilhado. A verdadeira intimidade.

É disso que sinto mais falta.

E agora a realidade... (imaginem uma agulha a atravessar um disco de vinil)...

O que tive foi a correria do trânsito para ir buscar o miúdo, a luta do estacionamento, o carro longíssimo de casa, negociar o caminho entre as pedras da calçada centenariamente mal mantida, do alto dos meus saltos, hoje bem altos (quem me manda a mim ser fashion). O miúdo todo ranhoso e rabugento, a espernear para ir para o banho, a espernear para saír do banho. O jantar, a cozinha suja para limpar e arrumar. O miúdo a rabujar com a comida, com os medicamentos, com a hora de ir para a cama. Uma montanha de histórias para dormir, e “a mãe tem de ficar aqui a dormir comigo”, eu toda torta na cama minúscula, a ver as horas passarem até ele adormecer e a pensar no que ainda tinha de fazer. Carregar a máquina de lavar, preparar roupas e mochila do dia seguinte. Basicamente, cheguei a casa e o que tive foi mesmo um monte de practicalidades, imperativos da rotina de uma mãe e dona de casa.

E agora uns minutos para escrever e dar uma vista de olhos por aí, e o cansaço e o sono já não me deixam força para mais. É verdade que ainda tive uns momentos bons - fartei-me de rir quando o meu miúdo deu largas à imaginação a descrever as nossas supostas férias na neve lá para a época do Natal. Mas hoje não era bem isto. Um bocadinho ao lado....

Enfim, lá está... Posso sempre sonhar. E hoje se me tirassem o sonho, tiravam-me quase tudo. Levavam-me a esperança de dias melhores. Mas um dia não são dias e isto é só um desabafo.

Quando Morre o Sonho Morremos Para a Vida

Um sonho pode ser uma escapadela do nosso subsconsciente, alguma coisa que não queremos ver com os olhos da razão a forçar a sua ida à superfície. Muitas vezes assoma num código que nós próprios não entendemos. Pode ser bom, expressão de uma vontade ou de um desejo que se concretiza na nossa cabeça, assim para nos dar um gostinho daquilo que podia ser, quem sabe para nos despertar a vontade de fazer por isso. Ou pode ser mau - um pesadelo, um medo qualquer enterrado lá atrás, um bicho de estimação das nossas memórias ou da nossa célula primordial, alguma coisa de que fugimos, um fantasma, uma assombração.

Pode ser no plano do consciente, uma vontade, um querer. Mas nem sempre assumido e verbalizado, às vezes tido por impossível, mais uma vez a desenrolar-se num plano irreal, na nossa cabeça, um pouco mais lógico porque mais consciente, mas ainda assim a experiência do gosto da concretização do sonho. Construções mentais de cenários irreais, o famoso "sonhar acordado". Geralmente é bom, às vezes pode ser tão, mas tão bom... Só custa um bocadinho o acordar.

Mas pode ainda ser alguma coisa que é tão fundamental, que queremos tanto, de que precisamos tanto, em que acreditamos tanto, que se torna numa razão de ser, de nós próprios ou do que fazemos com a nossa vida, por onde nos levamos e como. E pode assim comandar a vida.

Porque é que não comanda sempre? Porque é que não conseguimos passar todos os sonhos que expressam o mais essencial sentir da nossa alma para o plano do consciente, e daí para o plano do possível?

Às vezes são os sonhos maus, os medos primordiais, na maior parte resultantes dos sonhos que perdemos antes. É fácil desanimar. É fácil deixar de acreditar. É difícil a coragem de continuar a lutar pelos sonhos, é difícil calar fantasmas, é difícil perdoar. É difícil espantar o medo e viver com o risco.

Eu confesso que tenho medos. Queria espantá-los, viver os meus sonhos. Queria acreditar, arriscar. Mas não sofrer, claro, ninguém quer sofer... Por isso tive medo de sonhar. Tive medo de amar. Tive tanto medo de viver. Mas, hoje, tenho medo é da força do acreditar que vou descobrindo, tenho medo do sonho que passei para o plano da consciência, e que lá vai ganhando raízes. Tenho, paradoxalmente, medo de perder o medo e me lançar. Porque ainda tenho medo de sofrer.

E depois, às vezes temos de largar os sonhos. É diferente de os matar. Às vezes temos de aceitar a impossibilidade do real, e isso custa muito, doi muito. Mas não nos pode impedir de sonhar outra vez ou matar os outros sonhos que temos, recusando-lhes a subida à consciência e a oportunidade de se realizarem. A oportunidade de viver.

Acredito que o ser humano tem de se sublimar, não pode ser uma mera existência, uma sobrevivência. E não há viver sem amar, sem realizar sonhos, e sem sofrer. Por isso o sonho comanda a vida, sim. Temos é que encontrar a coragem de o deixar assomar à superfície e não o deixar morrer. De não nos deixarmos morrer. Eu sobrevivi e, mais que isso, quero viver.

Razão De Ser

Depois de ontem, acabei a pensar porque escrevo o blog. Alguém me disse recentemente que agora escrevo mais para os outros do que para mim, e por isso este blog agora cresce mais depressa do que o outro que criei primeiro, de acesso restrito. É verdade, e gosto que os outros me descubram e me respondam. Mas continuo também a escrever para mim, e por mim. Escrever num blog público, embora mantenha o seu "quê" de egoísmo, de exercício solitário, passa a ter um cariz "comunitário", como escrevi um desses dias, e ocorrem-me palavras como solidariedade e diversidade, "quês" que enriquecem o exercício e o benefício. O post anterior é exemplo paradigmático disso mesmo.

Escrever ajuda-me a encontrar, na articulação das palavras, o caminho da lógica. Sempre foi assim, sempre tive uma necessidade vital de transformar o que me rodeia e o que vivo, e o que sou, em palavras, em lógicas, em coisas com sentido. Por vezes inquieta-me, porque me obriga a escavar em mim. Às vezes entristece-me, quando releio o que escrevi e sinto o peso do desalento, ou quando mesmo com o exercício da escrita não consigo entender nada. Também me revolta outras vezes, ou dá eco à revolta que aprisiono e que, de repente, está ali à minha frente, articulada. Outras vezes é um mero exercício de compreensão do mundo, da realidade dos outros que me rodeiam, das coisas que vou lendo e que vou ouvindo e vou juntando como fiz no post anterior. E finalmente, à vezes, é uma forma de firmar decisões e festejar coisas boas que me acontecem.

No meu processo de redescoberta e crescimento, que espero venha a ser também de "encantamento", passei por muitas fases, a última das quais a zanga, a ira, uma ebulição de raiva a princípio indistinta e indireccionada, depois imposta a mim mesma. De certa forma, transferiu-se, tal como o blog dos textos que agora escolho para publicar. E descubro que muitos destes textos que escrevo aqui encontram eco, um eco que me devolve mais que palavras. Um eco que até já me devolveu abraços que sei sentidos e sinceros. Um eco que alimenta o meu pensamento, me dá outras perspectivas de vivências diferentes e a clareza da distância dos pormenores, e dá origem a mais linhas. Um eco que me enche a alma. Por isso me “transferi”.

Não sei se é assim para todos os que andam na blogosfera, imagino que cada um tenha razões diferentes para criar os seus blogs, alimentá-los, partilhá-los, e também para procurar pelos blogs de mais outros, e alimentá-los e dar-lhes eco.

Um desses amigos que aqui vêm com certa regularidade acrescentar os seus pontos, deixar confortos e incentivos de ânimo com bom humor, ou simplesmente espicaçar os meus neurónios (e fá-lo com sucesso!), e que sigo na blogosfera diariamente por várias razões, entre as quais a forma mágica e única como escreve, publicou este texto. Não sei se é representativo da “maioria”, mas é representativo para mim. Identifico-me com muita coisa.

Fala-se em solidão na blogosfera, mas eu não acho que seja essencialmente isso. De facto, encontrar quem nos entende, quem se identifica, quem nos mima e apoia, faz-nos sentir menos sós (e menos doidos também..) na vivência emocional de coisas que nos fazem sofrer e que por vezes não queremos “dizer” a ninguém. Mas prefiro pensar que é sobretudo pela vontade de crescer com os outros, abrir-nos ao mundo, às tais diferenças de opinião e perspectivas frescas e distanciadas. Para mim, e acho que para muitos outros, é sobretudo vontade de pôr à vista e à prova, mesmo que na sombra do anonimato de um nick, a essência do que somos. Foi por isso que chamei ao meu blog "destilado", a tal "aguardente do que sou".

E com o retorno positivo, os outros a fazerem-nos sentir que essa essência interessa, tem valor, traz alguma coisa ao mundo, a darem-se ao trabalho de nos tentar ajudar com um contra-argumento, "food for thought", uma visão diferente, ou até uma piada, sentimo-nos muito melhor na nossa pele, porque sabemos que esse interesse de amigos anónimos, é por razões absolutamente puras, pelo caroço de nós.

Por isso, a razão de ser deste blog, e estou certa de que de alguns outros, é descobrir, ou redescobrir, e partilhar, o melhor de nós e o melhor dos outros. Uma das descobertas mais enriquecedoras desta dinâmica, para mim, é sem dúvida os seres humanos fantásticos com que me vou cruzando por aqui - que também lhes vejo o caroço. E a esses, vocês, muito obrigada. Voltem sempre, que isto faz-me muito bem...

Lógica Masculina I

1º - Ele não estava apaixonado por mim quando se envolveu comigo, mas havia atracção e desejo, recíprocos, e isso para um homem chega;

2º - Ele não me prometeu nada, não me enganou, por isso não lhe posso levar a mal que ele se tenha envolvido, devo ver isso como elogio à minha "desejabilidade";

3º - Ele nunca "falou" do assunto, tratou-me sempre com respeito, e nem todos os homens são assim, portanto tenho que admirá-lo e agradecer-lhe por isso;

4º - Quando nos cruzamos pelo caminho, e eu sendo "desejável", não lhe posso levar a mal que ele se "entusiasme" - mais uma vez, mal agradecida que é um elogio;

5º - Se depois ele mete travão antes que a coisa se complique, é porque me respeita e não se quer aproveitar de mim, e podia - e ainda mais uma vez, mal agradecida, que só mostra que ele é um homem decente e que gosta de mim o suficiente para resistir à tentação - o que é difícil;

6º - (Esta é de longe a minha preferida...) Ele não fala comigo e não explica isto, porque os homens são assim, e não há nada a fazer, sobretudo quando gostam alguma coisa de uma mulher que não amam e com quem não querem envolver-se a sério. Preferem deixar ser as mulheres a acabar com as coisas porque não têm coragem de dizer nada que as magoe!

Portanto, sou uma grande estúpida que não percebi nada, nomeadamente que amor e desejo para os homens funcionam em paralelo infinito e não em simultâneo, tenho mais é que lhe agradecer o elogio de me desejar, apaixonei-me mas ele não por mim e a vida é assim, e ainda devia dizer-lhe obrigada por não me explicares porque até gostas de mim...

Vou ali tomar uns comprimidos que estou em curto-circuito.

Dar a Mão

Ter um filho é ter uma vida a fazer-se pela nossa mão. E um dia ter de largar a mão para essa vida se fazer por si. E mais tarde, quem sabe, pôr a nossa vida nessa mão, quando já não podermos levar-nos a nós próprios.

Sempre senti como a minha principal responsabilidade de mãe ajudar o meu filho a crescer para se tornar um adulto equilibrado e forte de espírito. Tenho o dever de lhe ensinar que a vida é difícil, traz alegrias e tristezas, esconde perigos e encruzilhadas. Às vezes, pergunto-me se lhe deveria mostrar as lágrimas que retenho e as que lhe escondo, para lhe ensinar que se aprendem lições com cada lágrima e se segue em frente. Mas o maior medo que tenho é precisamente de não ser capaz de o fazer sempre – seguir em frente. E assim falhar o propósito da lição.

Assusta-me às vezes pensar que se calhar não sou o melhor exemplo para ele. Porque não quero que ele siga os meus passos, cometa os erros que cometi, sofra as dores que chorei. Quero que ele aprenda a ser melhor e maior que eu.

Estou ainda, eu própria, a aprender a viver a minha vida de uma forma diferente. Pouco tempo físico passou desde que somos só nós dois, e em períodos alternados, a dias marcados. E eu mudei tanto, cresci tanto, neste último ano, e depois de novo nestes últimos meses. Cada momento é difícil, até assustador por vezes, e o amanhã é sempre uma grande incógnita. Às vezes são momentos muito bons, e têm sido muitos, cada vez mais. Mas nunca sei se faço o que é certo para ele. Ou para mim.

A única coisa com que me consolo é que sei, em consciência, que tento fazer tudo na vida com dignidade, e tento ser mãe com o coração, e procuro mesmo não errar. Sei que faço erros, e farei, porque não posso fugir à minha condição humana. Espero que um dia ele mos perdoe e perceba que foram actos bem intencionados – apenas falhados. E que tenha um pouco de orgulho em mim quando perceber que eu tentei sempre ser fiel a mim própria e aos meus princípios. Que reconheça o amor incondicional que lhe dou, esteja onde estiver e sinta-me como sentir, mesmo que seja a tremer para não chorar no abraço dele aos 3 anos de idade. Aliás... ainda mais em momentos mágicos como esse que recordarei sempre.

Mas eu também preciso de alguém que me dê a mão. Às vezes gostava de voltar a ter uma mão pequenina a caber dentro de uma mão maior. Uma mão que me segurasse, me confortasse, me ajudasse a fazer o caminho, a dar os passos que ainda são tentativos e incertos. Que apertasse a minha mão para passar a força que me falta às vezes, a coragem que por vezes me foge. Até para eu poder segurar melhor a mão pequenina do meu filho, que ainda precisa tanto de mim. Não lhe quero falhar, quero ser uma boa mãe.

Por isso, neste "Dia da Mãe", não falo da minha, falo da que quero ser.

A História da Borboleta e da Joaninha

Era uma vez uma Joaninha que tinha medo de voar. Vivia numa árvore linda, com folhas muito verdes, subia e descia ramos e raminhos, mas nunca se atrevia a largar-se. Sentia-se muito sozinha e muito triste, por vezes duvidava que era mesmo uma Joaninha.

Havia também uma Borboleta, que vivia na mesma árvore, mas tinha conservado o seu casulo, onde voltava todas as madrugadas, e onde passava por uma mera lagarta. A Borboleta espreitava e observava a Joaninha, assistia aos seus monólogos e percebeu que ela tinha medo de voar.

A Borboleta sabia como era bom voar. E ela sabia também que a Joaninha era capaz. Então, a Borboleta começou a conversar com a Joaninha, de dentro do seu casulo. A Joaninha ficou toda contente porque assim não se sentia tão sozinha, e ficou amiga da lagarta.

Um dia, a Joaninha confessou à Borboleta, que pensava que era ainda uma lagarta, a mágoa de não ter coragem de voar. Confessou-lhe que tinha caído antes e agora tinha muito, muito medo de voltar a caír, não acreditava que as suas asas tivessem força suficiente para voar.

Então, a Borboleta confessou à Joaninha que há muito que já não era lagarta, que voava, mas que todos os dias voltava ao seu casulo porque também tinha medos e ali se sentia segura. Era linda a Borboleta mas não queria que a vissem, tinha medo de ser apanhada.

A Joaninha nem queria acreditar! Afinal a sua amiga podia voar! E que lindas asas tinha! Foi então que, com muita amizade e paciência, um dia a Borboleta convenceu a Joaninha a voar. "Tens ao menos de tentar." E lá foi a Joaninha, de asas abertas, rodopiando pelo ar.

A Joaninha ficou feliz, voava todos os dias, mas continuava a viver na árvore, vizinha da Borboleta. A Joaninha adorava a sensação de voar, e era cada vez mais exímia em fantásticas acrobacias. De tal forma, que começou a ganhar amigos que viviam noutras árvores, voavam pelos mesmos céus, ou andavam pelo mesmo chão daquela floresta. Todos gostavam de ver a linda Joaninha voar.

E um dia, nos seus vôos, expressão de liberdade conquistada, pôs-se à conversa com o seu simpático público, os seus novos amigos. E a certa altura, a Joaninha confessou que tinha tido muito medo de voar e que só tinha sido capaz de se lançar no ar com a ajuda da sua amiga Borboleta.

Os outros animais da floresta não sabiam quem era a Borboleta, porque naquela árvore toda a gente sabia que só vivia a Joaninha e uma lagarta num casulo, que nunca ninguém tinha visto. Mas a Joaninha, orgulhosa da sua amiga, disse-lhes "Não, ela não é uma lagarta. Ela é uma linda Borboleta que me ensinou a voar". E ao contar como o fizera, descreveu-lhes a cores lindas das asas da sua amiga que ela tinha visto inúmeras vezes.

Quando voltou à árvore nesse dia, a Joaninha encontrou a Borboleta muito triste e muito zangada. A Borboleta tinha ouvido dizer que todos sabiam agora que ali naquele casulo não estava uma lagarta, e todos sabiam as cores das suas asas. A Joaninha não percebia nada. Perguntava-lhe "Que mal tem que tenha dito boas coisas de ti? Porque ficas triste por outros saberem que és uma linda Borboleta e de que côr são as tuas asas?" Mas ela não queria que ninguém soubesse que ela era uma Borboleta, ou de que côr eram as suas asas. E também não queria que os outros soubessem que se escondia no casulo. A Borboleta sentia-se ferida, e exposta, em perigo.

E disse à sua amiga “Para os outros sou lagarta, e só para ti sou Borboleta”.

A Joaninha não percebeu nada da grande sabedoria da Borboleta. Não percebeu que era a sua forma de se preservar. Mas percebeu que era privilegiada e gostava muito da Borboleta, a quem devia a felicidade de poder voar, e por isso pediu desculpa e tentou remediar o mal que tinha inadvertidamente causado à sua amiga. Espalhou pela floresta que não havia Borboleta, e vigiava a árvore e o casulo para evitar que qualquer intruso curioso a pudesse ver ou atormentar.

Depois entendeu que tinha aprendido uma enorme lição. Que o que os outros nos mostram e dão de si não é nosso. Que é escolha de cada um o que mostrar e a quem mostrar, e privilégio de quem é escolhido para ver e receber. E percebeu como era realmente especial por conhecer as lindas asas da sua amiga Borboleta, que era para os outros apenas uma lagarta. Num casulo.

As Palavras Matam


Tenho uma enorme dor de cabeça. Demasiadas balas. Algumas disparei eu sobre mim própria.

Fantasmas


Apesar de Pessoa ser o meu poeta preferido, há coisas dele com que não consigo entender-me. Por causa de um post de outro blog (fantástico e que podem ver aqui), voltei a uma dessas frases. Não acredito que “quem ontem fui já hoje em mim não vive”.

Porque acredito que somos verdadeiramente multidimensionais. Em tudo o que somos e fazemos. Somos passado, hoje, projecção de futuro. Somos corpo, mente, alma e espírito. Somos os erros que cometemos, os passos que acertamos e os saltos que queremos dar. Somos alegrias e tristezas, razões e impulsos, certezas e medos.

E os bocadinhos de nós lá atrás, mais os fantasmas dos outros do nosso passado, por vezes precisam de ser resolvidos e expulsos e, enquanto não o são, condicionam o que somos hoje. Eu tenho uma assombração muito difícil para resolver, um fantasma aterrador para expulsar, que me têm condicionado pela vida fora. É o meu "eu" e um outro da minha vida, quando eu tinha vinte e poucos anos, um bocado de vida tremendo que tenho feito por esquecer. Mas recentemente assaltou-me e esse assalto quase me destruiu, de novo.

Por isso percebi que, aos 35 ainda sou, também, um bocadinho dessa miúda de 20 e tal anos, que se sentiu um lixo, um farrapo, que viveu um tormento enorme e carregou pela vida fora culpas e vergonhas. Sabia que a tinha de largar, enterrar. Mas não sabia como porque era "ela" sem controlo, de repente, até numa madrugada de paixão, em que "ela" me fez gelar, apesar de arrebatada, nos braços do homem por quem me apaixonei. Gelar de medo. Medo de caír. Medo de morrer. E não fui capaz de enfrentar aquele momento, não fui capaz de lhe explicar. Vivi, aos 35 anos, uma verdadeira falha emocional. Fugi para dentro da minha concha, num instinto de sobrevivência. E assim me devastei e arruinei uma história que era linda.

Ao longo de meses fui forçada a arrumar essa "gaveta". Como já escrevi aqui, deitei fora quase tudo, "numa catarse que fiz em escritos soltos, num exercício de aceitação e fecho do passado. Muito embora saiba que o que fica não está na gaveta mas em mim, é parte do que sou forjada na dor que senti, e continue sem saber se saberei crescer o suficiente para enterrar também isso no passado e dar-me a mim, e a um novo amor, uma oportunidade de forjar algo maior, melhor, feliz."

Por isso percebo agora porque é que sentia tão vital conseguir criar o tal espaço de intimidade não física com esse homem por quem me apaixonei, e que senti que ele me negava. Entendi que só posso entregar-me a alguém que saiba de mim mais do que sou apenas hoje. Que conheça todos os eus que fui e os que somam o que sou hoje. Que saiba, especialmente, que essa miúda dos vinte e tal anos ainda está em mim e pode gritar de repente. Só assim, percebendo porque é que "ela" ainda existe, esse alguém pode, talvez, no momento certo, dar-me o abraço que preciso para a sossegar, e a mandar de volta para o passado, até a expulsar de mim. E expulsar o fantasma.

O difícil, é deixar alguém ver isso. Confiar. Pedir esse abraço, pedir o colo, confiando que esse homem vai pegar em mim e não me vai também deixar caír. Que não me mata. Há que não perder a esperança, e eu estou, por agora, determinada a não perder a minha. Mas sei que tenho de fazer este caminho, se o amor voltar, e que não é fácil. Tenho de encontrar a coragem para confiar, perder o medo de caír. O medo de morrer.

"Saber" isto hoje, já faz de mim mais e melhor do que há uns meses atrás.