Ordem



Tem que se começar por algum lado, e resistir à tentação de brincar demais com os novelos, sob risco de se ficar enredado. Curioso que a vida às vezes nos surpreende, dando respostas inesperadas a perguntas que não chegamos a verbalizar. E pega-se nessas pontas, e vai-se puxando.

Dangerous Lines



“Os olhos cansados, ausentes, fixavam-se no infinito. Além, muito além, da linha visível do horizonte. Era também uma linha que flutuava naquele espírito, desassossegadamente, repelindo o sono. Era a linha que não sabia se queria cruzar.”

Há um limite para tudo, todos temos os nossos próprios limites. Limitamo-nos ou definimo-nos? Essas fronteiras que fixamos, seja por que razão fôr, são mais relevantes pelo que nos impedem de fazer ou, pelo contrário, pelo que nos fazem ser? São talvez limitativas, se são linhas que impomos inflexíveis. Mas quando são escolhas, serão então mais definidoras? Linhas que apenas nos desenham?

E onde arrumamos os princípios? Diria que são uma dessas fronteiras essenciais. E podem ser tão limitativos quanto definidores. São talvez, em mim, das fronteiras menos flexíveis, mais guardadas e defendidas. São, possivelmente, as linhas que mais batalhei para definir e que, por isso mesmo, mais me definem. E são também as linhas que mais me custa cruzar, ou redefinir.

Se são hoje as mesmas as fronteiras de mim? Não... nem por sombras. Subtilmente em geral, às vezes num repente de uma clarividência chocante, essas linhas movem-se, ajustam-se, podem esbater-se suavemente ou, pelo contrário, adensar-se em sulcos profundos.

“Ao saber-se hesitante na escolha, perguntava-se repetidamente porquê. Via as razões de ser, do seu ser, na escolha de não passar para o lado de lá. Cheirava a perigo. Mas o perigo também atrai. E via o que não queria perder do outro lado. Porquê?... Via nessa interrogação assim, também, que as razões do seu medo eram as razões da sua vontade. E via negar-se um querer, para não se perder. Porquê?... Porquê?...”

Nos porquês que se levantam sobre essas fronteiras, esquecemo-nos muitas vezes de uma coisa importante. É que esses porquês são, em si, andar perigosamente, num equilíbrio periclitante, sobre a linha da própria fronteira.

Será?...



Grande Vinicius de Moraes... Cada coisa que escreveu, com mais alegria ou tristeza, com mais humor ou mais seriedade, é sempre uma perfeita maravilha, e melhora com voz. Por acaso esta versão consta do CD que comprei acidentalmente e com que o descobri. Uma descoberta fatídica, mas ainda assim, uma grande descoberta.

Mas agora, àparte o humor, e numa perspectiva feminina, leio e oiço cada frase de uma forma diferente. E fico a pensar... será?... Abaixo o texto original, que ele não segue exactamente na versão declamada do vídeo.

"Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor."

Mais do Tempo



E pronto, é isso. Ainda não sei se é Príncipe, mas é, definitivamente, uma espécie de sapo diferente. E assim são, sem sombra de dúvidas, tempos diferentes, e o tempo a correr de forma diferente.

Isso continua a ser a minha angústia, a minha dúvida, porque as vidas que levamos nos obrigam a uma certa distância. Por causa da minha “vertente mãe”, com disponibilidade mais reduzida e horários mais limitados em semanas alternadas. E por ele, os compromissos profissionais, viagens pré-marcadas, etc. Azar, é que têm calhado muitas dessas coisas nos dias da minha “vertente mulher”.

Ou seja, a gestão dos nossos dois tempos traduziu-se em poucas horas partilhadas presencialmente, e quase todas concentradas na mesma semana. Ele aponta que houve coincidências azaradas. Promete-me que não costuma ter a vida assim tão ocupada, e reiteira que se vai “organizar melhor”. Tenta compensar com SMS’s e telefonemas, espalhados ao longo do dia, e ainda não falhou um bom dia. Almoçamos sempre que possível e até já virou a vida do avesso por uns minutos só para me dar um abraço. Há que dar-lhe crédito, ainda por cima porque eu não cobro.

Mas isto para mim é tortuoso. É assim um limbo. Mas afinal eu tenho namorado, ou não tenho? Partilha? Partilho? Como é isso de ter um namorado e estar sozinha?... É quase um namoro à distância.

É difícil, e demasiado perigoso, sobretudo numa fase tão inicial em que se quer tempo e espaço ocupados pelo outro, progressivamente, mas a ganhar balanço e não com interrupções abruptas que nos param a meio o mergulhar da descoberta e da entrega. É que nos espaços vazios de entretanto, crescem outras coisas. Dizia-me alguém que tudo seria melhor se o incluísse mais na minha vida. É verdade, mas isso pressupõe apresentá-lo ao meu filho, algo que acho ainda muito cedo para equacionar. E depois, isso é um caminho que também é preciso que ele queira fazer. E na realidade, não consigo perceber isso com SMS’s, telefonemas e Messenger. Há coisas que só serão claras com o passar do tempo e, sobretudo, com o passar do tempo juntos.

O futuro é sempre uma incógnita. A vida está cheia de surpresas, e eu que o diga, que tenho tido uma catadupa delas nos últimos tempos. Mas é complicado viver quase permanentemente na dúvida, e viver quase sempre num futuro projectado que se torna presente esporadicamente, e que voa demasiado depressa.

Os Poetas


Solitários pilares dos céus pesados,
Poetas nus em sangue, ó destroçados
Anunciadores do mundo
Que a presença das coisas devastou.
Gesto de forma em forma vagabundo
Que nunca num destino se acalmou


Sophia de Mello Breyner Andresen

Wake-Up Calls


"Daqui fala o tempo, este tempo que corre em 24 horas por dia e em sete dias por semana. Daqui fala o tempo que corre por fora, e por onde corres cada dia. Daqui fala o tempo que não se compadece com a tua lista de tarefas. Daqui fala o tempo em que és de cada vez uma das facetas que alternas.

Desengana-te se pensas que estico, que paro, ou que corro em duas pistas em simultâneo. Não penses que o tempo que te corre por dentro em momentos escapa do tempo que sou em segundos no relógio da vida. E não te iludas pensando que me agarras e me domas."

Acordo neste sobressalto. E agora?... Realmente como é que eu faço isto? Como é que integro mais um tempo de dentro, mais um tempo de presença, mais umas tarefas na lista, mais uma vontade, mais uma faceta de mim em alternância?

E depois liga a voz que me diz com calma que não oiça o tempo carrasco. Que me diz que não é uma “wake-up call”. Que me diz que acorde antes tranquila para deixar correr o tempo por aí, como ele quiser, que não importa. Que me diz que me deixe levar, pelos dias, pelas horas, até ser hora, e que por aí nos vamos encontrando, em novos tempos que vamos criando, e moldando os dias para que vá sendo também o nosso tempo entretanto.

Acordo a pensar que está a acontecer, independentemente do jogo do tempo, do que conto e do que vem de dentro. A vontade tem de comandar, e nesta nova faceta contarão os segundos de cada esperada presença. Até lá as tarefas realizam-se, a vida acontece, as outras facetas vivem o seu tempo e, devagarinho, deixo-me apenas “ser”. E tento aprender a integrar-me num todo, também com o tempo. É mais fácil bebendo da tranquila fé que me chega do outro lado da linha.

Metamorfose


Disserto aqui sobre o que fazer ao “(des)” do meu nick, que urge fazer desaparecer. Não só porque estou hoje onde não estava há um ano atrás, mas também, como me alerta um amigo, porque não poderei estar onde quero daqui a outro ano enquanto ali estiver o desafio da negatividade. No entanto, não quero simplesmente retirar o “(des)”, pois não gostava de ter de o voltar a instalar, e não sei o que me reserva a vida. O encantamento comporta também essa turtuosa ameaça de poder ser passageiro.

Passaram-me diversas alternativas pela cabeça, discuti algumas (obrigada mana, pela paciência!), e até disparatei com alguém ao ponto de chegar a pensar em combustíveis e inflamáveis, pelo que passaria a ser qualquer coisa como “Princesa Sem Chumbo 73”.

Princesa fica, que quero mesmo ser Princesa, e sou Princesa de muitas formas, e quero ser tratada como tal um dia pelo Príncipe que hei de encontrar (se não encontrei ainda...). Não quero usar o meu nome próprio, por isso também não quero usar outro nome próprio, que me sentiria enganadora. Assim, “Esmeralda”, a minha pedra preciosa favorita, ou “Clara”, em alusão a clareza, claridade e luz, não servem. Diz que tem de ser alguma coisa doce, que me reflicta de alguma forma, e lá percorremos as despensas e livros de receitas à procura de inspiração. Surge a baunilha, côr da pele em gelado, surge o praliné, muito doce e dourado, surge o merengue, branco, doce e leve, e quase me tento por “Princesa Merengada”.

Divagando também por outros caminhos, e em alusão a uma “private joke”, também me tentei com “Princesa Vesúvio”. Depois desisti, que ía ter muito que explicar... O que quero é ser Princesa que encante e que se encante, sempre e para sempre, mesmo que seja aos bocadinhos de cada vez. E acabo por quase resolver que passo simplesmente a “Princesa dos Encantos”. Mudava uma só letrinha e desapareciam os parêntises, mas fazia toda a diferença... Só que gostava, se possível, que tivesse a ver com destilar. Então, surge “Moscatel”, um doce destilado, dourado e enebriante, que ainda por cima é de Setúbal (e porque é que isso é relevante, agora não interessa nada). Quase, quase desisto, balanço com a hipótese dos encantos, mas depois decido-me e sou a partir de hoje, também como um acto de fé, a “Princesa Moscatel”.

PS: Depois descobri que é um "licoroso" e não exactamente um "destilado", mas isso agora também já não interessa nada!

É os olhos



Eu já aqui disse que gosto de gatos? E que há gatos que jogam bem? Pois... De vez em quando acerto em palavras e metáforas que nem imagino como vão fazer sentido tempos depois. Chamei-lhe gato, e andei a fazer de pantera, enquanto alguém me perguntava se ele me atraía e eu dizia “tem qualquer coisa, não sei bem o quê – talvez o olhar”. E é. Já percebi que é. São os olhos. De gato. Aquela côr meio indefinida entre avelã e verde azeitona, e o brilho, e... e... a intensidade? Custa-me, o que é raro, mas lá chego à palavra certa: magnetismo.

E depois... Eu já aqui disse que gosto de dançar? Eu já aqui disse que gosto de danças de par? Pois... E na dança me perco. É que o gato também dança, e em ritmos quentes. E eu já aqui disse como gosto de abraços? Aaah... pois é... Caibo tão bem dentro daquele abraço.

Mas mais que tudo, é os olhos. Como neles me vejo tão límpida e o que vejo brilhar neles. No segundo do reencontro, no momento da despedida. Na procura de mim e no fim de um beijo ou de um abraço. No frente a frente intencional de uma conversa e em silêncio, pressentidos e surpreendidos como que por magia. Na doçura de um sorriso terno e na quase malícia do desejo. Ao acordar para um olhar assim, sou eu que me sinto gata, que só quer aninhar-se naquele abraço e ali ficar. Sem tempo. Aqueles olhos prendem-me... Mas não gosto de estar presa, sei que acabo a querer fugir. E quase me sinto uma gata assustada, mas quero encontrar nos mesmos olhos o fim do medo.

Às vezes...



Mais do que as palavras que se ouvem, conta a intenção que as dita. Nem sempre é fácil descortiná-la, mas às vezes trespassa-nos com uma imensa claridade. Podemos preferir negar-lhe a visão, seja porque nos magoa, seja porque não é o que queríamos ver ou não é o que pensamos que íamos ver. Mas às vezes... também é capaz de nos estampar um sorriso e elevar na onda dos sentimentos próprios de uma surpresa feliz.

Mais do que um “gosto de ti”, que qualquer um pode dizer ou escrever sem verdade, falam palavras que se traduzem em “vejo-te e sinto-te, entendo-te”. Mais do que um ramo de rosas comprado à pressa na esquina, falam gestos que nos mostram que alguém nos leva em pensamentos pelos seus dias. Mais do que uma qualquer desculpa por alguma falha, vale a preocupação de que entendamos que não há intenção de falhar, e um pedido de desculpas preocupado que nos surpreende, porque até achamos que não houve falha nenhuma. Mais do que um “tenho saudades”, fala a prova de alguém que muda o impossível, e vai chegar ao fim do dia exausto, para ganhar o tempo de nos ver e poder dar um abraço. Com um sorriso tão genuino e um olhar tão ternurento, que chega a doer reconhecer que não se esperava, que se desenhava essa pessoa como algo muito menor, à imagem e semelhança dos pequenos seres que popularam o passado.

Sinto-me muito menor que ele nestas tremendas generosidades. Confortavelmente instalada atrás dos muros que ainda imponho, no egoísmo do meu castelo só para mim, e ele a bater suavemente à porta, mas determinado e a todas as horas do dia, feliz com a possibilidade de poder provar que é digno de entrar, ciente das defesas e das reservas, mas confiante de que as ultrapassa. Já entrou, mas ainda não sabe bem o quanto, que ainda tenho medo de lhe dizer que tem a chave. Mas vou tendo vontade. Sobretudo quando me diz que, aconteça o que acontecer, sabe que não se vai arrepender. E não é ingenuidade, que já não tem idade para isso. É... confiança, ou esperança, ou fé. Que parece ter que chegue para os dois. Às vezes... que coisa... até dá vontade de acreditar também.

Porque sou mesmo retorcida



Escrevia-me a minha mãe adoptada há uns tempos atrás: "Bem.... é sempre assim! Snif, snif... é como ir às compras contigo. Pedes opinião e eu dou e tu fazes o oposto! És uma rapariga de fortes convicções! Está dito!"

E eu respondi: "Coitadinha... :)... Tenho tanta peninha... Deve ser por isso que ninguém quer ir às compras comigo... Mas é que eu preciso desse desafio de opinião, para testar até que ponto estou realmente convicta, percebe?? É um bocado perverso, eu sei, mas eu sou assim!"

E sou mesmo... O blog também tem muitas vezes funcionado assim...

O amor não existe



A propósito do Facebook, alguém me disse que, supostamente, os tais 6 elos de ligação da famosa teoria do “Six Degrees of Separation” equivalem à “distância” entre um Europeu e algum esquimó. Pensei então que, se calhar, era no Polo Norte que me esperava o Amor, sentadinho num igloo qualquer, já a desintegrar-se de tão enregelado.

Até há pouco tempo, pensei que fosse suficientemente louquinha para, se soubesse que o amor que queria viver estava no Alasca, apesar de detestar o frio e mesmo de nariz gelado, ir ao encontro do destino nesse igloo. Mas hoje sei que não. Hoje percebi que não sou assim tão louca – percebi, fria e tristemente, que já não acredito no amor. Acho que a minha insatisfação crónica, e o meu “azar” crónico com os homens, são produto um do outro, resultam de procurar o que não existe, e assim se traduziram em experiências que me tornaram céptica. Não estou disposta a correr a distância, ou o risco, para procurar uma coisa que agora acho que é uma quimera. De uma forma irónica, tornei-me quase no mesmo dos que sempre condenei, e hoje só sou capaz de olhar para um possível relacionamento com a frieza de quem aceita incontestável o facto de que o amor não existe mesmo – o que existe é tesão, a que chamamos paixão, mas que também dura muito pouco – dizem que 7 meses em média. E é incontestável que todos passam, tal como nós passamos pelos outros, e até o “amor apaixonado”, que dizem que se pode seguir à paixão e será, talvez, o mais próximo do idealizado “grande amor”, dura em média 3 anos. Não existe “para sempre” em nenhuma história, e muito menos o “felizes para sempre”. E há certas coisas que não se justificam se não forem no pressuposto da eternidade.

Essa promessa eu não posso fazer a ninguém, nem aceito que ma façam, simplesmente porque não acredito. Por ora, é apenas isso que ainda me distingue do que não queria ser – mesmo chocada por me ouvir e chocando quem me ouve, sou honesta, claríssima, transparente, não prometo nem quero promessas, não embelezo nada dando nomes falsos às coisas, e só vou a jogo nessas condições. E mesmo assim, só se for por aqui, porque não vou ao Alasca, ou à Austrália, por isso – é que não se justifica mesmo.

E o certo é que, munida desta nova convicção, se torna tudo muito mais fácil, muito mais simples e descomplexado. E acho que é só porque cheguei a esta conclusão que estou a dar hipótese a que alguém entre na minha vida. Depois do choque de parte a parte, a realidade é que uma situação clara, sem ilusórias expectativas, acaba por ser muito mais confortável para que se expresse numa relação a dois aquilo que nos é mesmo intrínseco. Talvez seja antes este o caminho, talvez permita alicerçar as coisas até com maior solidez. Mas seja como for, e dure o que durar, é autêntico desde o princípio. Pode até acabar com lágrimas de desgosto e saudade, mas não acabará com culpas nem com recriminações, e deixará memórias felizes de momentos bons vividos intensamente e descomplexadamente. Se é amor? Certamente que agora não. Será um dia esse tal “amor apaixonado”? Quem sabe? E por quanto tempo? Uma incógnita. Mas não me importa. O que é agora, é bom. E assim se mantenha (mesmo que se só esses tais 7 meses).

Jogo de Sedução



Chegou de mansinho, de surpresa e em surdina. Não tinha nada de especial a não ser uns olhos penetrantes, luminosos e um movimento de aproximação felino. Ía e vinha, e a cada distância lá estava o olhar, ou a palavra, sempre certeiro, desafiador, inegável. Depois a aproximação sempre inesperada, de uma direcção diferente da de onde tinha vindo a última abordagem. Na presença, dissimuladamente, um toque ao de leve, uma palavra sussurada. Um sorriso de caçador que já marcou a presa, que sabe o que quer e que sabe que consegue. A rondar, a estudar, mais próximo a cada aproximação, a exibir o porte e a fixar os olhos na exigência de um olhar de volta. E conversa, muita e boa conversa.

Mas não sabia ele que o jogo não é sempre esse. Que o caçador vira presa no instante em que quem era presa percebe que tem o poder de negar com inteligência o que lhe querem caçar. Vira a mesa nesse instante e aqueles olhos agora não brilham de certeza de conquista. Brilham de desejo, e de súplica, por mais, por muito mais do que aquilo que a suposta presa vai dando. E a presa caça o caçador só quando lhe apetecer – e é só mais um bocadinho. Entretanto, também se diverte um bocado. Vai e vem num bailado mais felino do que o do gato, porque essa presa tem alma de pantera, já foi caçada noutra vida, e não quer ser presa outra vez. Agora sabe pôr as unhas de fora, afiar o olhar e mover-se com muito mais subtileza, enquanto o gato se esforça desesperadamente por merecer ser caçado. Pobre gatinho...

Para panteras assim, “it’s not winning or loosing - it’s how you play the game…”. Mas alguns gatos jogam bem.

Testes



Como tenho uma qualquer veia científica, provavelmente herdada do meu avô paterno que era investigador (engenheiro de origem), decidi pensar numa série de testes para alminha que resolveu engraçar-se por mim.

Confesso que, ao pensar nisto a princípio, dei por mim a sorrir maliciosamente e a dizer-me “ele esta nunca vai passar!”... Depois achei que é, e será sempre, demasiado cedo na minha vida para me transformar numa daquelas horríveis professoras velhas, chatas e azedas que tinha no liceu, e que faziam testes para lixar o pessoal. Enfim... a bem da justiça e das oportunidades, e essa treta toda, pus umas coisas mais rebuscadas de lado.

O danado tem-se safado. Por exemplo, já aguentou estoicamente quase 1 hora e meia de messenger em conversa séria, até dá boas respostas, e encaixou todas as minhas fugas às insinuações, ou melhor, declarações mais ousadas. Dessa vez, só nos últimos 10 minutos é que assumiu uma clara mudança de assunto, e pronto, até teve a sua graça. Noutra ocasião, também já resistiu à conversa da astrologia e saiu-se muito bem (esta adoro, é um bocadinho perversa – porque ficou sem saber até ao fim se eu era ou não uma maluquinha esotérica, que não sou nem por sombras, mas nem por isso se demoveu...). E em conversa mais aquecida, nunca passa o risco, fica lá sempre muito, muito perto, cada vez mais perto, mas não passa. E também reagiu muito bem a um travão que pus nesse registo, e a uma certa gestão de expectativas que fiz em relação ao nosso encontro. Inspirou-me confiança.

De repente fiquei a pensar se não fazemos sempre isto mais ou menos inconscientemente. Estes pequenos “testes”, geralmente perguntas aparentemente inofensivas, pequenas curiosidades, ou afirmações potencialmente chocantes, fazem-me lembrar um cross examining numa sala de tribunal. O único senão é que ninguém jura nada sobre coisa nenhuma, e não há polígrafo para confirmar a autenticidade das respostas. É uma questão de intuição e montagem, aos poucos, do puzzle do outro com aquilo que se vai sabendo, sendo que só ao fim de algum tempo é que se percebe o que se está a construir, e se há ou não peças que não encaixam em lado nenhum, e onde estão as peças em falta. Este puzzle tem-se montado num instante e já dá para perceber muita coisa, mas ainda há demasiadas peças soltas.

Não sei que puzzle é que ele construiu de mim e espanta-me, confesso, este entusiasmo tão galopante. Já percebi que ele apanhou muita coisa, assustadoramente mais do que pensei ter dado, mas a última foi chamar-me “cocktail explosivo”, num sentido muito positivo, e na sequência de uma conversa sobre razão vs emoção... Nem o facto de eu ser o montinho de paradoxos que aqui me conhecem parece que o afecta, antes pelo contrário. Imagino que também me deve ter submetido aos seus próprios testes, e a julgar pela “animação”, passei a todos... With flying colours, parece.

Mas o grande teste só mesmo ao vivo e a côres. Espero que sem tremores... Esse vai ser o primeiro polígrafo. Se passar, o veredicto do jurí pode levar menos tempo a sair.

Engatar ou cortejar?



As mulheres passam a vida a queixar-se que os homens, hoje em dia, são uns atadinhos, que não tomam iniciativas, que não sabem o que querem ou que têm medo de se assumir na conquista “activa” de uma mulher. Partilho dessa opinião, e também me tenho queixado do mesmo. Por outro lado, queixamo-nos dos tais homens-melga, que também não gostamos de insistências idiotas, sobretudo quando não estamos mesmo interessadas e eles não há maneira de perceberem.

E agora cai-me no colo um homem que sabe claramente o que quer, que assume frontalmente uma postura de conquista, e me faz um cerco cerrado. Ele é Face Book, ele é Messenger - e longas conversas, números de telefone trocados – e usados, e um convite para jantar com direito a dança a seguir, “até nascer o sol”.

E o que é que eu acho disto?... Acho piada. Gostei dele, conversamos imenso no dia em que nos conhecemos, através de uma amizade comum. Temos afinidades diversas, é certo, somos ambos pais divorciados e por isso entendemos bem essa dimensão especial das nossas vidas, e ele não se “assustou” com a minha vida complicada. É um homem maduro, inteligente, gosto da conversa dele e do sentido de humor. Mas...

Isto é rápido. Muito rápido! Jantar a dois assim sem mais nem menos assusta-me um bocado. Resolvi aceitar o convite, mas felizmente, por um acaso do destino, afinal não seremos só dois. E fiquei aliviada mas a pensar porque é que me havia de assustar com uma postura que é frontal, honesta, afinal aquilo que advogo que todos devemos ser uns com os outros. Desde que não haja leviandade na abordagem, o que é cedo para determinar, é assim que acho que devia ser. E também desde que não se torne demasiado “pavão”, que não há paciência para shows de vaidade nesta idade... mas o certo é que ainda não sei se a ideia dele é "engatar" ou "cortejar" - e são coisas muito diferentes.

Até agora nada me faz crêr que ele não seja boa pessoa (até porque as “referências” são muito positivas). Mas o certo é que me custa acreditar em pureza de motivos. É que neste novo caminho, ando sem ilusões de contos de fadas e princesas. Ando a escrever linhas novas sem poesia, e já não espero milagres. A questão é se me terei tornado demasiado céptica, ou antes absolutamente lúcida.

O sabor da dança



Numa cara de pele de chocolate preto, brilham uns olhos escuros que não se sabe onde vão buscar a luz que emanam. Brilha um maravilhoso sorriso branco, perfeito, rasgado como só os mais puros podem suportar. O corpo brilha da pele esticada sobre músculos rijos, em todos os contornos que parecem desenhados no embalo do som de uma kizomba. O corpo move-se de uma forma única, com uma segurança, uma altivez, que não é arrogância, é orgulho. Dança com leveza, num balanço incomparável porque é simplesmente a música a pulsar dentro do corpo sem resistência, a inundar a alma.

Estende-lhe a mão e convida-a para dançar. Ela hesita porque não conhece aquele ritmo e aqueles passos, não tem o balanço e a curvatura daqueles corpos escuros que observa na pista de dança, corpos opostos ao seu corpo, que é estreito e muito branco.

- Não sei dançar, desculpa.
- Não tem problema. Ninguém nasce ensinado. É muito simples. Vamos lá!

E lá foi. Lá foi ela. Ele contou os tempos do passo mais simples e disse-lhe que ouvisse a música e se deixasse levar. Ela ouviu, e sentiu, e deixou-se ir. Ao fim de duas danças já não contava passos. A música fluía também pelo seu corpo, numa cumplicidade crescente com o estranho sorridente. A atracção da noite foi aquele par de total contraste de branco e preto. Afinal também balança e se arredonda um corpo branco e esguio. Basta que deixe entrar e mandar a música, e é muito mais fácil com a ajuda de um corpo oposto que nasceu para aquele embalo. Experiência de chocolate puro, negro profundo, a envolver docemente um corpo de gelado de baunilha.

Inscrito no desafio da

Andando



Tenho para aqui um monte de linhas soltas a popular uma página desorganizada. Uma série de ideias, de pensamentos, coisas que me andam na cabeça a rodar e que ainda não consegui destilar. Apetece-me escrever, mas não sei por onde começar.

Partir e voltar tem duas chegadas e dois destinos, mas divide o tempo em três – antes da partida, na duração da viagem, e no regresso à base. Do primeiro tempo está tudo aqui, mais que escrito e destilado. Do segundo tempo, tenho as fotografias e as memórias, envoltas numa bruma estranha ao som de kizomba, e que não se encaixa na linearidade que habitualmente damos ao tempo. Parece que não fui eu que estive lá, parece quase que não foi real. E o terceiro tempo, que corre agora, ando ainda a aprender a contar, e tenho dificuldade de o apreender antes de se evaporar.Tanto o tempo em que estive lá como estes três dias desde que regressei me sabem a passado longínquo. Estranhamente, enquanto lá estive, parecia-me que o tempo não passava, e agora que voltei, acho que foge de mim como um louco, ou me empurra desvairadamente para um lugar estranho.

Ocorre-me que são novos caminhos, que não seguem os trilhos conhecidos e expectáveis dos mapas que já sabia de cor. Desembarquei do avião uma outra, por duas vezes, e a cada aterragem deparei-me com essas novas realidades. Sei que o mal destas linhas soltas aqui espalhadas, a razão porque não consigo articulá-las, é porque misturam esses três tempos, esses três eus em que me plasmei. Tenho de apagar umas quantas linhas que já não pertecem ao aqui e agora de mim e da minha vida. Quero separar umas outras para marcar a memória, e quero fazer as restantes crescer, com o passar dos dias, passando de linhas e parágrafos a textos consequentes, à medida que se define o meu novo contorno, num traço mais nítido, a cada passo em frente.

Voltei



Estou de volta, mas sinto-me de partida. Vou andando por aí e algumas linhas mais consequentes hei de escrever em breve. Levantei muita poeira nesta ida, e a aterragem da volta não foi suave. Está cá tudo na mesma, claro, nem esperava outra coisa. Mas sei que este respiro foi bom, muito bom, mesmo no inesperado que trouxe, ou talvez ainda mais por esse inesperado. E sinto-me cheia de força. Trouxe coisas novas na bagagem, algumas brutalmente esclarecedoras, mas deixei para trás umas quantas outras. Valeu a pena, valeu cada minuto e cada raio de sol, cada caminhada na areia e cada descoberta. E foi um privilégio o vislumbre de almas novas com quem me cruzei, que de uma forma tão simples, mas tão pura, me fizeram entender tanta coisa de mim e da vida. E de por onde quero ir.