À espera

"Se o amor quiser voltar
Que terei pra lhe contar?
A tristeza das noites perdidas
Do tempo vivido em silêncio.
Qualquer olhar lhe vai dizer
Que o adeus me faz morrer
E eu morri tantas vezes na vida.
Mas se ele insistir
Mas se ele voltar
Aqui estou sempre a esperar."


Esperar na estrada já é um passo. Quer-se chegar lá longe, atrás da colina, a um sítio que não se vê. Sabe-se. Não se pode ir sozinho por essa estrada que se estende aos nossos pés. Espera-se.

E entretanto, contempla-se o horizonte. O mesmo sol que brilha do outro lado, no fim da estrada. Imagina-se o destino. Sonha-se o destino, sonhamo-nos lá. Mas também é bonito aqui à volta.

Há tempo.

NOTA: O poema é de Vinicius de Moraes

Magia da Dança

Pelo dia de hoje, Dia Mundial da Dança, comecei a manhã a lembrar-me da primeira paixão que tive na vida - o ballet. Pois é... Fui também uma princesinha de tules, de maillots e sapatilhas côr-de-rosa. Apaixonada pela dança do ballet clássico, a que me dediquei 6 anos, e de que desisti porque se começava a tornar demasiado absorvente para o gosto dos meus pais - até tinha jeito para aquilo e a minha professora puxava por mim e traçava-me planos que não eram os deles. Ainda dancei mais uns anos, outras danças, coisas mais ligeiras, mas os estudos tinham de estar primeiro. E ainda hoje adoro dançar. E também gosto de ver os grandes ballets, tantos os clássicos como alguns contemporâneos.

Para mim, a dança é a expressão sublime da alma a falar pelo corpo. Cada movimento de dança é uma afirmação, com o apoio da música. Adoro largar-me na música. E tenho saudades dos meus tules e das minhas sapatilhas de pontas a que cosia as fitas de seda, e de que tratava com carinho (que eram caras, muito caras!, como a minha mãe fazia questão de me lembrar). Calçar aquelas sapatilhas e atar as fitas de seda à volta dos tornozelos, era uma mágica (por isso, para mim, eram mágicas, muito mágicas!).

Tenho saudades do desafio diário de trabalhar para conseguir a perfeição de um passo, de um movimento do corpo perfeito, não só a nível mecânico mas também a nível de expressão emocional. Do desafio de entrar numa coreografia aos poucos, até conseguir ligar todos os movimentos num fluir de emoções sincronizado ao compasso da música, e tudo fazer sentido. Da satisfação de conseguir ultrapassar-me a cada dia.

E dancei em público algumas vezes, a primeira vez no antigo Tivoli, imagine-se... Os nervos... O medo de falhar... E mais uma vez, superar, superar-me. O ballet ensinou-me muita coisa importante para a vida. E ao mesmo tempo, simplificava-ma, simplificava-me. Quem me dera conseguir fazer hoje o mesmo com a forma como vivo a minha vida, reencontrar essa disciplina, essa vontade, e essa satisfação.

Chegou a ser um sonho de que me acordaram. Podia ter dedicado a vida à dança. Seria provavelmente muito mais pobre no banco, mas seria também provavelmente muito mais rica em mim. Quem sabe, mesmo feliz. Foi a minha primeira paixão na vida. E hoje lembro-me de mim naqueles anos de miúda apaixonada, com carinho, e ternura, e orgulho pelo que essa menina, depois adolescente, conquistou. Tenho pena de ter acabado o sonho, claro. Mas agora sem mágoa ou ressentimento. Resta a paixão de ver, de entender os movimentos, a expressão, de procurar nos outros a dançar a sensação libertadora que sei que é entregar o corpo à música, deixar a alma falar pelos movimentos de uma coreografia que conta uma história. Foi o consolo que encontrei.

Pode ser que venha a ser também assim um dia com as outras paixões da minha vida que se foram. Hei-de encontrar um consolo qualquer para essas também.

PS: Se gostam de dança, procurem por aí, que há 199 municípios a inaugurar hoje uma exposição sobre o tema: "Uma Carta Coreográfica".

A minha sanidade...



... é o meu filho.

O meu pequenote a correr para mim, mal pus os pés em casa. “Mãããããããe!!”. E aquele abraço. Que saudades me deixam estes dias de ausência em que fica com o pai. Que bom tê-lo de volta, logo hoje, neste dia tão difícil. Que bom aperto me conseguem dar aqueles braços pequeninos, mas já cheios de uma força imensa. Como se espelha em mim aquele sorriso aberto. “Tive muitas saudades da mãe!”. E eu dele. E é naquele abraço que eu me significo hoje. É ali que eu “sou”, que importo, que faz algum sentido o meu existir. Que bom calor aquele aperto me deu, que só tinha vontade de chorar no ombro do meu próprio filho. Hoje abraçou-me mais ele a mim do que eu a ele. E senti-me tão pequenina a caber naquele abraço e a travar as lágrimas para ele não ver.

Vivo No Sonho

E volto às minhas próprias palavras para tentar andar para a frente, apenas para esbarrar com a impossibilidade de me libertar. Desculpem-me, é maior que eu. A lógica não seca o amor. Escrevi há dias na resposta a um comentário: "Antes a luta contra todos os muros e barreiras, e a dor da impossibilidade do caminho. Também custa, claro. Mas pelo menos pode-se lutar e pode-se gritar de revolta contra algo tangível. Eu, neste momento, não sei nada. Nem por onde quero ir, nem se posso, nem se luto, nem se esqueço, nem se aguento, nem se morro de amor, nem se me matou já a dor."

E de repente, percebi que não estou a viver uma história de amor, ou desamor. Ele e o que sinto, e o que vivo em volta dele, são apenas construções mentais. Não são reais. Não têm existência, porque não há substância. São sonhos. O que existe é apenas meu: o amor que sinto e alimento com essas construções mentais, que por isso não é nada. E não vale a pena morrer por algo que não é. E assim, devia conseguir desconstruir na mente o suporte que alimenta o sentimento. Mas não consigo.

O amor só pode "ser" quando se alimenta de amor. Não quando se alimenta de futuros que não existem, ou de ilusões - mesmo que muitíssimo bem articuladas na lógica da mente, ou mesmo que muito vívidos os sonhos, real e físico o cheiro de um ausente que me invade pelo nariz. Será realmente amor aquilo que sinto? Tem de ser menos, muito menos. Talvez seja apenas uma semente, cuja angústia é não ter onde beber para "ser" o que podia germinar. E a minha luta é encontrar razões para esquecer a semente enterrada na terra, e deixar de espreitar todos os dias pelo rebento verde a subir acima do nível do chão. E deixar de a regar com aquilo que nunca poderá fazê-la germinar. Só a chuva que não controlo, que é dele, e que teima em não cair ali, pode, eventualmente, fazer a semente germinar. E se não chover, a semente há de apodrecer, secar enterrada na terra fértil. Um desperdício, sim. Mas a terra continua fértil, e não pode deixar de chover um dia. E a semente que receber essa chuva há-de germinar para "ser". E então eu não a deixo secar.

Queria poder escrever apenas adeus. E dizer-lhe: adeus meu amor ou minha dor, adeus ilusão. Não és nada, não existes, a não ser nas minhas lágrimas. Lágrimas que vão da minha alma aos meus olhos. Mas dos olhos teimam em não escorrer. Lágrimas que não quero, não consigo chorar. Para não secar, não gritar a despedida. Porque posso construir todas as lógicas de desconstrução, posso escrever todas as palavras de adeus, mas não te posso tirar de mim, não consigo deixar-te ir, não consigo não sonhar, não consigo não te cheirar. Não consigo chorar nem deixar de te chamar meu amor. Sou fraca, ou muito burra, e muito triste. Não posso gritar contigo, que me largues, que te vás. Porque não estás aqui, mas estás em mim, de onde não te consigo arrancar. E não te esqueço, nem aguento, morro mesmo de amor, mata-me um dia essa dor. E só assim morrerás também - comigo.

Mas não quero morrer. Por isso, fecho a porta devagarinho, deixo-me deslizar pelos lençóis, fecho os olhos com vontade de te encontrar em mim, de te cheirar de novo, a cada noite antes de adormecer e nos sonhos que acalento. E só te consigo dizer: até amanhã meu amor. E cada despertar desses sonhos, que custa na tua ausência, dói precisamente no sítio onde estás – dói em mim. És de mim e não me posso libertar, porque morria se te tentasse matar. E assim, sonho.


PS: Encontrei o que melhor descreve o que são estes sonhos para mim aqui, num blog de que sou completamente viciada, onde releio muitos textos, e este especialmente. A "estranheza" aí referida é tal e qual, misturada com a doçura. Foi também uma "estranheza", de outro género, que me matou assim, e de que hei de poder falar um dia.

Sofrer de Amor - Uma Coisa Que Escrevi Um Dia

"Minha querida,

Invejei-te a sorte de amares, mesmo depois de tanto que passaste. Invejei-te a sorte de ainda acreditares no Amor - lembras-te?

Desconfiei que o que estavas a viver não era futuro, nem puro, e senti-me, como te disse, ofendida por ti, porque achei que ele não te merecia, não te respeitava, porque queria o melhor dos dois mundos e com isso te fazia sofrer. E eu não gosto de te ver sofrer. Não gosto que tenhas de chorar.

Adiaste o inevitável, como falamos, porque apesar de tudo havia Amor e porque sempre acreditaste que ele te amava. E até eu comecei a duvidar da minha crítica e comecei a pensar que realmente era assim. Mas sempre soubeste o que ele te negava, já ías dizendo que não havia futuro. E ali ficavas, na esperança que ele crescesse, na convicção de que aquele Amor era tão grande que, eventualmente, um dia, ele acordava e te queria inteira, e se dava inteiro, e lutava por ti, por uma vida contigo, assumida e completa.

E entretanto, entretanto, não querias perder o que ele te dava, mesmo sendo pouco, mesmo sendo incompleto. E adiaste a decisão – sabias que ía acabar, mas “agora não”. Só mais um bocadinho, só mais 5 minutos, como aquela sensação de acordar bem de manhã, e da cama quentinha nos saber tão bem, aquele meio-sonho, meio-acordar, e de querermos ficar ali naquele momento bom “só mais um bocadinho”... “Snooze” no despertador.

Mas tu és uma Mulher espantosamente grande, muitíssimo inteligente, tão crescida e sã, que naturalmente acabaste por te sentir de menos ao continuar a aceitar dar um Amor tão grande e puro a um homem que se te deu pela metade. Dói muito, claro. Mas tiveste a coragem de lhe pôr um fim. Sei tão bem o que sentes... Disseste-me ontem as mesmas palavras que eu me disse há muitos anos atrás, mesmo que a situação conducente à conclusão não seja nem de longe semelhante. Disseste-me “tenho de me salvar”.

Perguntaste-me se estava lá para ti e eu respondi “sempre, sempre, sempre”. E estou, e estarei, minha querida. Doeu-me ver as tuas lágrimas, ver o teu desgosto espelhado na cara, sentir os teus soluços de dor no meu abraço.

Como te escrevi antes, sei que tens uma gaveta difícil para arrumar, um amor que ainda transborda para escoar, e lágrimas que terás de chorar. Mas lembra-te sempre que “nunca ninguém se perde. Tudo é verdade e caminho". O que viveste, o que sentiste, o que tiveste, foi e será sempre extraordinário. Será sempre parte de ti, foi válido e imenso. Apenas tinha um fim programado e dois caminhos para lá chegar. Tu soubeste, ao contrário de muita gente que passa por situações semelhantes, escolher o caminho do final que é melhor para ti, e não deixares fazer-te mais mais mal. Chorar agora, muito, como ontem, para não sofrer de Amor ad eternum, suspendendo o resto de uma vida e fazendo de ti, e do teu Amor que sentiste e sentes, menos do que são.

Sei que sabes, mas repito: o meu ombro está à disposição... Umas anedotas se quiseres antes rir um bocado... Um chá, uns chocolates, ou um ouvido atento e sempre, sempre, o meu coração aberto. A ti dou-te aquele abraço, grande e muito apertado. Quantas mais vezes precisares e quiseres.

E sei que te levantarás disto ainda maior, ainda mais forte. Sabes que és capaz de Amar com uma imensa generosidade, e pelo que és de mulher fantástica, hás-de encontrar o homem que te mereça. E não desistas de acreditar no Amor, por favor, porque és a minha última esperança... Enquanto acreditares, vou-te invejar por isso e, de certa forma, vou tendo esperança de um dia acreditar também, nem que seja por osmose...

Estás no meu coração, no meu pensamento, no meu abraço. És uma luz na minha vida e na de todos os que te rodeiam, que espalha à tua volta alegria, carinho, amizade pura, generosidade imensa, um amor ao próximo absolutamente espontâneo e verdadeiro como o teu lindo sorriso. E tudo farei para que não se apague essa luz, tudo farei para que sofras o menos possível.

Chama-me sempre que precisares.

Gosto muito de ti."

E depois de reler isto, senti-me tão, mas TÃO estúpida... Porque embora as situações sejam totalmente diferentes, há aqui (modéstia à parte!) uma sabedoria absolutamente básica que me devia ter servido para aplicar a mim própria... Também tenho andado a carregar no "snooze" do despertador. A não querer ver o óbvio. A não querer realmente escolher o caminho que é melhor, apesar de ser tão doloroso de escolher. Também tenho de me salvar. E ser amiga de mim própria, relendo estas linhas que escrevi a outra pessoa como se as tivessem escrito para mim.

Dá Perfeitamente

O meu filho é teimoso. Muito teimoso. E perfeccionista. Muito perfeccionista.

Mas... no outro dia queria, porque queria, usar uma peça de lego dum jogo na construção que fez com outro. Como são de formatos diferentes, as peças não encaixam na perfeição. E eu explico-lhe que as peças não são do mesmo jogo, são diferentes, em tamanho e na forma de encaixar, por isso não dá para misturar, não se podia usar aquela peça ali. E ele insiste, equilibrando a peça da melhor maneira que conseguiu, a morder a língua de lado, e a tirar as mãozitas muito devagarinho para que não caísse. Não caiu. E diz-me com enorme tranquilidade: "Vê mãe? Dá perfeitamente!".

Ou seja, foi capaz do compromisso, de aceitar que não é um encaixe perfeito, mas serve porque o equilíbrio parco é compensado pela satisfação de ter a peça que queria incluída na sua construção. Mais que isso - dá "perfeitamente". Tem 3 anos. Nós, com mais de 30, queremos apenas o encaixe perfeito, sem compromisso. E não aceitamos ignorar qualquer pequeno desajuste. E afinal somos todos peças de lego, apenas com o poder adicional de escolher em que construção entramos, a que outras peças nos juntamos, com que peças nos construímos. Dá que pensar, não?

Só Palavras

Juro que vejo alguma coisa brilhar nos olhos dele quando os nossos se encontram. Juro que vejo nele uma profundidade de inteligência e sensibilidade pouco usuais. Juro que sinto um elo de destino e de predestinação. E juro que as despedidas têm sempre qualquer coisa de especial. Não, não me peçam para explicar, que não encontro as palavras. Sempre que sei que o vou ver, não consigo comer, fico numa agitação, doi-me o estômago, borboletas na barriga. Quando o vejo dá-me um tremor por dentro que me gela. Fogem-me as palavras que imaginei que ía dizer-lhe. Por isso tenho pavor dos silêncios que antecipo para a "próxima", e que não sei como vou encher. Absorvo tudo o que diz e comento na minha cabeça sem coragem de abrir a boca. Não consigo soltar uma gargalhada, cristalizo um sorriso indefinido. Fujo dos olhos dele, escondo os meus, sempre sentindo onde queima cada olhar que poisa em mim e nele. Vivi com ele uma coisa especial e única, mas sinto-o um estranho que me conhece demais. Sinto-me vulnerável, frágil, exposta. Mostro-me forte, displicente e distante. Ainda que mal nos toquemos, fico com o cheiro dele preso no nariz. Se nos tocamos, se dançamos, explode o desejo e, por uns momentos, não sei por onde ando a pairar. Depois despenho-me. Anseio pela despedida que não quero, para respirar fundo, já passou, sobrevivi. E depois consumo-me numa noite de insónia, de tristeza, de ausência, de revolta e angústia que me vira o estômago do avesso. Vou ficar com uma úlcera em breve. Acordo a maldizer a minha sorte, o meu destino. Zango-me com ele, mando-o embora dos meus pensamentos. Racionalizo, congelo. Anuncio que acabou, que não penso mais nele, que não quero mais nada. E logo a seguir estou a vê-lo a materializar-se em todo o lado e a pensar quando será que volto a encontrá-lo, e o que irei ver naqueles olhos, e se ouvirei finalmente a palavra, e se ele me estende a mão. E depois sei a data e começa tudo de novo...

O que é isto, realmente? Sabe a amor, tem o travo da paixão. Não faz sentido, não tem lógica. Mais uma prova... Leva-me onde? De data em data, de encontro em encontro, de olhar em olhar, de vôo em vôo. De esperança em esperança, de desgosto em desgosto, de fuga em fuga. Tem-me presa num limbo estúpido e atira comigo ao chão. Enlouquece-me, enfurece-me, desalenta-me. Mas alimenta-me. O amor é a maior loucura e a maior crueldade que podemos fazer ao nosso coração. Faz-nos tão loucos que queremos sofrer porque não o queremos perder. Isto era para tentar encontrar o caminho. Que comboio ou avião apanhar. Não chego lá, não decifro. Ou já embarquei. Outro dia se verá.

Estou aqui

É vê-lo, e venho sempre aqui parar.
Amanhã tenho de andar e não sei para que lado vou.
Depois contarei por qual dos caminhos a dúvida ou ele me levou.
Espero. Escuto. Por ele. O meu coração. Luto, ou continuo o luto?
Quero andar. Para a frente ou para trás? É a minha vez.
Mas preciso da palavra, sonora e clara, de uma vez.

Levem-me as Ondas do Mar

Ontem misturei desalento à ventania da minha raiva. Nada na minha vida parece que quer realmente andar para a frente e libertar-me. São outras histórias que não pertencem aqui, pertencem ao outro blog que é mais meu canto escuro, caverna dos detalhes e pormenores, nomes e datas.

Aqui sou quase ninguém. São só textos. Uns melhores, uns piores. Para a maioria dos que aqui voltam, apenas palavras que, de alguma forma, farão algum sentido, darão caminhos para explorar, ou permitem identificações e abraços à distância.

Oxalá ajudem alguém a compreender o que não alcanço, mas de que parece que finjo perfeitamente enorme sabedoria.

Hoje terei uma prova de fogo. Não queria. Não queria mesmo, não queria já.

Não pedi para encontrar Amor, antes pelo contrário - há uns meses atrás não me queria apaixonar. E zás... levo com uma paixão de caixão à cova, ando aí a voar, e acabo largada num trambolhão. Para quê, então?

É demais para a minha alma esfarrapada. Tenho tantas mazelas para tratar. A minha vida é de loucos. O mundo parece-me cada vez mais uma realidade insana. Eu estou a ensadecer. Todos os meus dias são provas de fogo. Estou farta destas Olimpíadas. Também não pedi para ser atleta.

Hoje precisava de ver o mar, sentir o mar. Mas não tenho tempo. Se pudesse, ía afogar-me no mar. Embalar-me no vai-vem das ondas. Respirar ao ritmo do rebentamento. Inspirar o sal da espuma no ar, para purificar a alma, para me sossegar. Para encontrar Paz, ou me perder.

Wish me luck...

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PS de dia seguinte: Não pude ontem, mas fui hoje. Troquei o almoço por uma sandwich. Fiz 30 minutos de caminho, metade para cada lado, a maior parte na marginal. Para os 15 minutos de contemplação do mar que me tinha prometido. O mar estava calmo. Azul de prata. O céu meio encoberto mas um sol quente. Até cheirava a mar. Um pássaro pousou bem perto, chilreou alegre o tempo todo. E isto é que é daquelas coisas que eu sei que valeu a pena. A alma não é pequena, e maior ficou.

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De Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva espuma
No moreno das praias.
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o espaço
Do ar entre as nuvens escassas.
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.

Bagagem de Trintões

À medida que me vou entranhando na blogosfera, vou descobrindo, boquiaberta, uma enorme quantidade de gente entrada nos trintas, a viver problemas relacionais muitíssimo semelhantes, a sofrer dores comuns, a queixar-se dos mesmos desalentos. Olhando para o meu próprio grupo de amigos, na realidade já mais a roçar os quarentas e para lá, confirma-se isso mesmo. Sobretudo a partir dos 35, barreira em que me encontro, e que marca a passagem para essa galeria dos "trintões", o caso é gritante.

Basicamente, vejo 4 tipos de trintões, e embora isto seja um pouco redutor, na verdade as variações que se encontram são de alminhas a transitar entre estes 4 estádios:
  • Os solteiros "Peter Pan", à procura de qualquer coisa "mais", e a coleccionar relações inconsequentes e fugazes, e a fugir do que procuram, com medo de crescer, de se comprometerem. Não são felizes, mas fazem por parecê-lo.

  • Os solteiros sofridos, a desejar encontrar a “alma gémea”, mas geralmente sem a procurarem realmente, fechados em lutos de relações importantes falhadas, desilusões de amor, muitas vezes a recuperar de divórcios. Não são felizes, e mostram-no.

  • Os comprometidos em crise, mais ou menos assumidos, à procura de “sentido” para as suas vidas e para as suas relações, ou já em fase de divórcio, ora a desejarem ser solteiros "Peter Pan" ora a sentirem-se solteiros sofridos, sozinhos e desiludidos. Não são felizes, mas tentam escondê-lo.

  • Os comprometidos felizes, sendo raríssimos os que estão juntos há mais do que 1 ano, que deve ser quanto dura o entusiasmo, enquanto não se instala a rotina, ainda se faz um esforço de compromisso - até começarem as crises, ou até um deles se armar em "Peter Pan" e deixar o outro como solteiro sofrido. Pensam que são felizes...

Todos à procura do mesmo - daquela pessoa especial, daquela relação plena, de serem realmente felizes. De se arrumarem na vida. Todos a queixarem-se do mesmo, e todos a fugirem do mesmo. A fugirem uns dos outros, amores desencontrados, destinos entre-cortados, linhas cruzadas. Todos a carregarem lastros, fantasmas e assombrações. Todos com medo. De repente há uns que têm coragem e parece que assim ainda fazem o outro ter mais medo. Parece que quando algum miserável tem o infortúnio de se apaixonar mesmo, é sempre ou pela pessoa errada, ou no momento errado. Todos querem uma coisa séria, mas todos fogem na antevisão da probabilidade de falhar. Sob desculpas diversas, desde a clássica de não querer estragar uma amizade, passando pela mais absurda do "não és tu - sou eu", e acabando no perverso simples silêncio frio, ausência total de comunicação, de explicações, de razões, fuga total. Todos falam línguas diferentes, e procuram o mesmo em sítios diferentes, ou simplesmente não vêm nada.

E o que nos leva realmente uns dos outros? Há uns tempos, uma amiga já bem entrada nos quarentas, dizia que era a "bagagem". Que a partir de certa idade, já se carrega tanto que, não só não temos espaço para mais, como já deixámos de acreditar que vale a pena correr o risco de "fazer espaço". É bem capaz de ter razão. Como é que era aquela coisa da "valise en carton"? Era suposto ser bom ter bagagem, não era?!

Parece que a maioria das pessoas já não toleram a ingerência de outro ser nas suas vidas - não querem perder o que já conquistaram, seja lá o que isso fôr. Já não querem nem podem dar-se, porque têm medo de sofrer desilusões e porque não conseguem combater os seus fantasmas. Já não acreditam no outro, porque já viram muita coisa. Já não se querem adaptar a um outro, porque acham que isso é vergonhoso. Vêm uma relação como uma batalha e não como um caminho de crescimento.

E digam-me, se é assim, haverá vida para lá dos 35? Quem aqui chega ainda à procura, já com umas malas nas mãos, encontrará algum dia? Gostava de encontrar na blogosfera uma, uminha, história de amor feliz depois dos 35. Mas gostava ainda mais de a viver e de a poder contar. Que raio de mundo é este para que acordei agora?!

Premiado!

Este pequeno blog quase recém-nascido recebeu um prémio! Quem lho atribuiu foi a mf, a quem já agradeci mas volto a agradecer. É uma honra! Acontece que as regras dizem que devo reencaminhar este prémio a 10 blogues, o que tenho dificuldade em fazer, dado ser ainda uma novata nestas coisas da blogosfera. Além disso, ela própria nomeou alguns da minha escolha, e já está premiada, e outros blogs não aceitam prémios... A mf disse para enviar para os que tenho e "guardar" os restantes para outra altura. Assim, cá vai a minha lista de condecorados.


As regras a publicar são:

1º - Reencaminhar este prémio para 10 blogs; 2º - Exibir a imagem do prémio; 3º - Postar o link do blog que premiou; 4º - Avisar os premiados; 5º - Publicar as regras

Como só nomeio 5, não vou pôr o selinho ali ao lado por enquanto. Mas que soube bem este mimo, ai isso soube...

Desanuviar

Bom, a mf desafiou e este não obriga a seleccionar outros blogs ou bloguistas, por isso cá vai, que sempre me distraio e roubo uns minutos à empresa (que hoje também passei o dia afogada em números e não aguento mais!!!).

1)- Nome? O verdadeiro significado, entre outros, diz que é pureza e rigor.
2)- Porque lhe deram esse nome? Boa pergunta...
3)- Você faz pedidos às estrelas? Não. Mas faço aos Anjos.
4)-Quando foi a última vez que chorou? Choro a toda a hora, mesmo que sem lágrimas visíveis.
5)- Gosta da sua letra? Sim.
6)- Gosta de pão com o quê? Queijo! Pão pão, queijo queijo!
7)- Quantos filhos tem? Um.
8)- Se fosse outra pessoa seria seu amigo? Se conseguisse aproximar-me, sim.
9)- Saltaria de bungee-jump? Não – mas vou fazer um salto de paraquedas em breve...
10)- Desamarra os sapatos antes de tirá-los? Depende da pressa...
11)- Acreditas que és uma pessoa forte? Sim, ou depois do que passei na vida até aqui, já estaria morta e não apenas amolgada e desencantada.
12)- Gelado favorito? Framboesa do Santini (o de morango Baskin Robbins é substituto aceitável, mas não leva o prémio).
3)- Vermelho ou preto? Para vestir, preto. Para o ambiente, muito pouco de preto, e sempre uns salpicos de vermelho (mas não muito que acho opressivo).
14)- O que menos gostas em ti? Deixar que o medo me cale quando gostava de falar – ou até gritar.
15)- O que mais gostas em ti? Continuar viva e com vontade de continuar a crescer, mesmo que às cabeçadas e aos tombos.
16)- De quem sente saudades? Muitas, tantas, do meu avô materno.
17)- Descreva que roupa e calçado está a usar agora. Xiiiiii....... Fato preto (de calças) e um top dificílimo de descrever (é de seda transparente, em fundo preto e um monte de tonalidades entre o lilaz e o rosa claro, num padrão mesmo indescritível, as mangas são transparentes e o corpo é forrado a preto, é cintado por uma costura elástica em vários pespontos e já nem sei mais o que dizer que parece uma coisa estranhíssima mas é mesmo muito giro! É da BCBG - tenham dó de mim...). Botas altas pretas (hoje o salto só tem aí uns 5 cm – costumam ser muito mais altos).
18)- Qual foi a última coisa que comeu hoje? Kiwi.
19)- O que está escutando agora? A barulheira do open space onde trabalho.
20)- A última pessoa com quem falou ao telefone? O meu chefe.
21)- Bebida favorita? Chá (preto, verde ou vermelho, mas nada de “infusões” tipo camomilas e tílias e esses disparates...).
22)- Comida? Italiana, qualquer coisa, mas em especial as massas (podia comer massa com massa...)
23)- Último filme que viu no cinema e com quem? “Ele não está assim tão interessado”, com uma amiga (eu castigo-me, pois...)
24)- Dia favorito do ano? O primeiro dia das férias de verão em que acordo já onde vou passar as férias.
25)- Inverno ou Verão? Entre os dois, o Verão. Mas adoro o início do Outono.
26)- Beijos ou abraços? Abraços, se a sério, apertados e envolventes. Agora, um bom beijo é... Bem, na verdade um bom beijo precisa sempre de um abraço...
27)- Sobremesa favorita? Sou muito gulosa... Podia fazer uma lista interminável... (mf – por acaso, bolo de bolacha é um deles, e a minha mãe ainda me faz sempre essa “surpresa” no dia dos meus anos...)
28)- Que livro está a ler? “Cem anos de solidão”
29)- O que tem na parede do seu quarto? Nada na parede da cabeceira – excepto a própria cabeceira. Nas 2 que sobram (a quarta tem um roupeiro), composições de fotografias do meu filho e um pequeno espelho antigo, que herdei.
30)- Filmes favoritos? “África Minha” (o “primeiro favorito”, e até hoje o que acho que casa na perfeição imagem, música e história). A lista de Schindler (acho que foi o segundo). Depois disso muitos, mas destaco “Uma Mente Brilhante” e “Shakespear in Love”
31)- Onde foi o lugar mais longe que já foi? Tive que ir confirmar no mapa... Foi Chicago.
32)- Uma música? Tantas, tantas... Depende sempre do estado de espírito. Assim das recentes que andam pela minha cabeça agora, “Lucky”, de Jason Mraz com Colbie Caillat.
33)- Uma frase? “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”. Do grande poeta que eu adoro... Pessoa, claro. Que me tem vindo a dar respostas quando eu menos espero. Esta, respondeu-me a tanta coisa, que mesmo tendo sido um murro no estômago, sei que nunca vou esquecer...

Vendaval

É uma tormenta que me assola, de tal ordem que nem escrevo há dias. Chego à conclusão que não sei escrever sobre raiva, sobre zanga. De outros sofrimentos é mais fácil por qualquer razão estranha. Estou zangada, sim. Tenho raiva, sim. Não sei escrever porque não sei dizer. Não gosto de gritos, de murros na mesa, de portas a bater. Não gosto de lágrimas de desespero, de lamentos audíveis, da voz a tremer. Aprendi a enterrar estas coisas para não admitir derrota. Afinal sou orgulhosa. Que coisa tão feia sou afinal. Que coisa abjecta que não quero sentir e não quero ser. O que fazer com esta fúria, com estas ganas de gritar? O que fazer com esta ventania de coisas que me desorganiza, que me desequilibra, que me dá um frio que não consigo aquecer?

Finalmente hoje gritei. Comigo, no espelho, com o murro no peito e minha própria porta a bater, na corrente de ar que me gela e despenteia. A maior zanga é comigo mesma. A raiva é com a minha culpa. Fiz das lágrimas estas linhas, silenciosas e mesmo assim a tremer. Apetece-me abandonar-me num choro, num lamento profundo e audível, mas não o consigo fazer. Apetece-me voar com a ventania e aterrar do outro lado de um tornado, num mundo em que nada faça sentido e onde, ainda assim, não me sinta perdida, por ser tão sem sentido como o resto dessa realidade insana. Rodopio com o vento, num emaranhado de mim, de roupagens rasgadas a expôr o que tento esconder. Sou trapos, hoje sou farrapos, e não sei coser.

Estou à deriva no vento da ira.

Para variar

Uma música relativamente recente mas que nunca mais me saiu da cabeça. E hoje apetece-me tanto ouvi-la...


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E da vida enquanto vivermos não há modo de fugir

E agora que já vomitei tudo o que tinha para vomitar, (sim, porque escrever, às vezes é isso mesmo mas vindo da alma), este chafurdar no sofrimento acaba aqui por uns tempos. Agora, preciso de apanhar ar, e espero não ter de esbarrar nele nos próximos tempos. Ainda não me apetece a prova de fogo...

Destilei. Se bebesse aguardente, agora bebia um trago. Assim, vou beber da vida.

Cheers!


PS: Uma curiosidade - foram os gregos que registaram o processo de obtenção da aguardente (“Al Kuhu”, “ácqua ardens” – a água que pega fogo), mas já os egípcios tinham experimentado processos similares. O produto é visto pelos Alqimistas da época como tendo propriedades místico-medicinais, chamando-lhe “água da vida” (“eau de vie”, termo usado na Europa, em especial em França - claro, e pelos experts ainda hoje). Era receitada como elixir da longevidade... Portanto, vou ali beber uma aguardente.

Ver o Amor


Quase toda a gente já tentou definir o Amor. Quase toda a gente tem para si meia dúzia de palavras do que considera ser o fundamental. Quase toda a gente já o definiu de maneiras diferentes, em alturas diferentes da vida.

Quase ninguém o define da mesma forma. Provavelmente porque quase ninguém o sente da mesma forma. E por isso, quase ninguém o dá da mesma forma. No entanto, quase todos querem receber de volta exactamente aquilo que dão.

Haverá, assim, tantas formas de amar quantas as pessoas no mundo capazes de o fazer. E todas as formas são legítimas, se forem efectivamente Amor, na sua expressão pura, no entendimento, na alma, de quem ama. Mas não são sempre compreensíveis para os outros, até porque sendo conceitos diferentes para cada um, são expressões diferentes de cada um. São como línguas diferentes, às vezes mais próximas e por isso como que dialectos vizinhos que se “apanham” com facilidade, outras vezes tão estrangeiras que não podemos, realmente, entender.

Deste modo, por vezes damos o nosso Amor sem que o outro sinta que o amamos. Não o vê, não o entende, não pode recebê-lo. E por isso, por vezes um outro ama-nos sem que nos sintamos amados. Não vêmos lá o que é para nós Amor, por isso não o sentimos, e não o recebemos. Se amamos esse outro, na nossa legítima forma própria, não nos sentimos correspondidos. E sofremos.

Pergunto-me se uns versos de Manoel Bandeira que li em tempos em estado de choque, porque me pareceram de uma crueza e de uma iverosimilidade totais, afinal não acertam mais do que queremos acreditar. “As almas são incomunicáveis./ Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo./ Porque os corpos se entendem, mas as almas não.”.

É de uma enorme crueldade, mas se duas almas não amam da mesma maneira, nunca conseguirão corresponder-se, nunca poderão comunicar, nunca poderão entender-se. E vão sentir-se desamadas, até rejeitadas, por uma alma que também ama sem se ver.

E a dúvida, agora, é saber se cada desamor que sofremos é realmente falta de amor, ou se é apenas não o sabermos ver. Mas, no fim, que importa se falta ou se não vêmos? O resultado é o mesmo – não nos chega. E sofremos.

Não querendo aceitar as palavras deste poeta, resta a esperança de encontrar, um dia, uma alma comunicante para amar. Que tenha por nós Amor que possamos ver e receber. E que lhe chegue o que temos para dar.

Sinais contraditórios


Às vezes vivemos um conflito turtuoso entre o que sentimos e o que pensamos. Não há receita para resolver isto. Mas acho que devemos descobrir de “onde” vem realmente esse conflito – quer a vontade do sentimento, quer o sentido da razão. E devemos procurar formas de nos protegermos, mesmo que para isso tenhamos de fazer o que nos dói mais. Mas é tremendo não saber aquilo que realmente o nosso “eu” quer. Porque o nosso “eu” quer coisas distintas, quer mas não quer, quer assim e quer assado, gera ele próprio o conflito.

E pior quando os outros alimentam o conflito, e nos dizem também “quero mas não quero”. Expressões óbvias de desejo, de ternura, de vontade, seguidas de fugas, à criação de uma esfera de intimidade não física, de outros momentos, ou um travão accionado não se percebe de onde, que nos afasta de repente. Isto causa desgosto, deixa ressentimentos, curto-circuita a nossa alma, e grita-nos que nos protejamos.

Sempre acreditei que era destino, que estava escrito. Só que num daqueles romances de três quilos em que os protagonistas se desencontram em mais de metade do livro, mas que acabam a viver felizes para sempre – quem sabe a subir e descer o mesmo rio, num mundo à parte, no fim do tempo. Pois é – conto de fadas, de Princesa Encantada...

É verdade: queria ser “Princesa”, queria ser especial. E sim, aceitar que não sou “Princesa” ou especial, que não é a mágica do Amor, de certa forma, ameaça a minha integridade. Por isso é que acredito que tenho o direito de não aceitar este caminho. Tenho de me dar o mérito de saber ser eu a não escolher a estrada, mesmo que custe tanto, para me preservar e não abdicar do que é fundamental, essência, caroço de mim. Um dia serei Princesa Encantada. Por agora, continuo desencantada, mas Princesa, ainda assim, Princesa.

Não posso “desapaixonar-me” por artes mágicas – a mágica só funciona num sentido. Mas não posso continuar a tentar advinhar respostas, a decifrar sinais. Não posso mudar o tempo dele, não posso resolver-lhe os conflitos. E se é apenas químico-física, estou fora. Não é por aí que quero ir, nem com ele nem com ninguém, porque não acredito que possa ser sustento de nada sólido e duradouro. Seja o que fôr e como fôr, não é dele o mesmo que é de mim. Assim, não vale a pena arriscar. E alguém me pergunta: “ e se afinal estiveres a ler os sinais errados?”. E lá fico com pano para mangas para mais uma insónia, provavelmente o próximo post.

Fico a pensar se serei suficientemente forte para tirar do pensamento e do sentimento o que já resolvi tirar da vida, se sou suficientemente forte para não olhar para trás. Para fazer o corte limpo, estancar a hemorragia, desinfectar a ferida e fechá-la. Já decidi que ele não é o caminho, mas ainda estou a vê-lo, ao caminho, num raio duma tentação difícil, sobretudo porque ele lá pôs tanto sinal, que eu vejo contraditório. Tento ignorar os sinais e tento encontrar em mim mesma a direcção a seguir. Mas fico pendurada na incerteza da resposta a dar à pergunta desse alguém. Talvez ainda uma vã esperança de que alguma coisa fará os sinais fazerem sentido de repente, e que de alguma forma ele ainda me me pode ir buscar à encruzilhada.

Mas pergunto-me também - quererei ir com ele se assim fôr? Até que ponto conta mais o que se intenciona do que o que se percebe? Até que ponto podemos racionalizar o que sentimos, em face da lógica do outro, que mesmo que explicada, não é a nossa?

E estou cansada, estou farta de voltar atrás, sempre na promessa velada da clarificação a encher-me de certezas inúteis, e depois encontrar a mesma incerteza absoluta de sempre, a ficar cada vez mais baralhada, mais perdida, mais sofrida. Não vale mesmo.

Há janelas


Tenho alma, sou mais que um corpo, valho muito mais do que uma ilusão de amor.

Sei ser "feliz qb", não sozinha, porque preciso do meu filho e dos poucos mas bons amigos que tenho. Mas falta-me amar um homem e ser amada por ele na mesma proporção, com total reciprocidade.

Não acredito poder ser totalmente feliz sem essa companhia. É uma necessidade absoluta, que pode ser uma fraqueza, pode ser absurda, mas é minha. Não quero ainda desistir de encontrar esse alguém com quem possa construir um novo projecto de vida a dois, aliás, a três – porque tenho um filho - ou até a quatro, como recentemente realizei, surpresa, ao ponderar que não quero fechar a porta à hipótese de ter mais um filho. É isto que quero para mim, para a minha vida.

Estou triste, profundamente, porque sei que me entreguei desmesuradamente a quem, racionalmente, friamente, não pôs o mesmo no outro prato da balança. Mas é assim por qualquer coisa mais forte que eu, uma coisa tão forte que rebentou comigo por dentro.

É difícil lidar com o facto de que ele não me quer com a mesma intensidade, no mesmo registo, ou sequer num registo compatível. É difícil não perceber exactamente qual é o registo dele, porque nada é claro, nada é consequente nas suas atitudes, há um travão qualquer que eu não entendo. É difícil não encontrar sentido a isto.

Desalenta-me sentir uma culpa sem culpa. Sinto culpa porque sinto que me fiz mal a mim própria, entregando-me desta forma na alma, e fugindo dele na vida. Sinto culpa pelo mal que me faço a mim própria agora, não me libertando desta coisa absurda que me impele para ele, em sonhos, em pensamentos, em escritos, numa entrega, como dizia, desmesurada.

Mas sinto também que me devo a reserva do direito de não me deixar ir para algo que é menor do que o que quero, é menor do que o que mereço. É disso que fujo e agora entendo. Por isso, reservo-me o direito de sofrer a minha paixão em silêncio, ao longe, até se desvanecer ou até ele a merecer, e a procurar, claramente e sem rodeios, assumindo os riscos comigo.

Detesto meias-palavras, meios-tons, insinuações e inuendos contraditórios. O Amor não pode ser cinzento, não quero um mundo cinzento e não me deixo ficar cinzenta. E não tenho lágrimas, procuro janelas de côr.

Anjo Caído


Desci ao inferno e voltei. Qual Anjo caído, perdendo as asas, agonizei. Mas o fogo do inferno, apesar de infernal, é fogo. E o fogo, apesar de brutal, é purificador eterno.

As penas das asas chamuscadas cairão, e outras em seu lugar nascerão. E estas asas sabem que só vão voar quando o momento certo chegar. E este Anjo caído e retornado sabe que não pode viver atormentado.

Guarda na alma a semente de uma coisa bonita de essência, e entrega ao tempo e aos elementos da vida que não lhe pertencem, a germinação de uma qualquer existência.

E as penas crescem devagarinho, e a alma eleva-se de mansinho.

Voará um dia. Mas ao inferno não cai mais.

Quero asas


Deu-me para ouvir Lenny Kravitz... Não precisava de ir tão longe para ver a Via Láctea ou Marte. Bastava-me ir ali a Bazaruto, ou ao Mussulo, Hawai, Caraíbas, uma ilha tropical qualquer. Só precisava de ser longe, muito longe, e voar alto, muito alto. Ter o mar como pano de fundo, e o som das ondas a embalar-me, um calor de corpo e alma, dentro do abraço que quero tanto, para disfrutar de um pôr-do-sol assim, e perder-me nuns certos olhos depois do sol descer a linha do horizonte.


Tenho uma coisa pelo pôr-do-sol... E hoje o que sinto cá dentro é que quero mesmo ir à procura deste pôr-do-sol, e desse abraço, e desse olhar. Conheço o abraço, conheço os olhos, deixei fugir, fugi de mim. Mas agora quero voar, sem paraquedas, sem medo de caír. Ele está ali mesmo, afinal à espera, simplesmente, que eu deixe as minhas asas abrirem-se, e me deixe ir, com ele, a voar ao sabor do vento, entregar-me aos elementos, sustentada na leveza do que sinto e com a força do abraço dele, sentido.

E hoje quero a força de acreditar que tenho asas e posso voar.

“Muito-Tanto”

Num desses dias em que o meu filhote estava com o pai, estava com umas saudadesinhas dele. Falamos ao telefone e ele estava bem disposto, mas claramente com saudades. Voltou a ligar-me 2 vezes depois da primeira conversa, “só para dizer mais uma coisa”, de cada vez. E no meio dos vários telefonemas disse-me “tenho uma coisa muito bonita para dizer à mãe: gosto muuuuito-tanto da mãe!”... Encheu-me o coração.

Estes dias agora está com o pai e sinto-lhe a ausência, a distância. Tivemos um Domingo tão bom. Sinto que estamos a crescer os dois numa cumplicidade ternurenta e muito enriquecedora. E isso, só por isso, faz-me feliz. Aproveitei cada minutinho do tempo que tive com ele. Fizemos coisas giras, como ir para uma livraria onde fui caçar um livro que procurava, e apesar de ter tido de sair a meio para ir procurar uma casa de banho, às tantas, na segunda investida, sentei-o num sofá a guardar os 2 livros que já tinha escolhido, enquanto procurava o terceiro. E ele ali ficou todo contente, a fingir que lia as minhas histórias e a responder às várias pessoas que se metiam com ele com um sorriso no rosto. Compramos um livro para ele também, que acabei a ler com ele sentado no balcão e altamente participativo na leitura da história, e toda a gente a olhar para nós com olhares sorridentes que me fizeram rebentar de orgulho – sou uma boa mãe! – e de ternura pelo miúdo – que bolas! ele é mesmo especial!. Joguei à bola com ele, rebolamos na relva, passeamos e conversamos, vi desenhos animados no sofá com ele no colo, e não deixei de fazer coisas minhas, e ele soube respeitar o meu espaço e partilhar também das minhas coisas.

Mas agora cá me fiquei a remoer, um bocadinho nervosa com o fantasma da solidão destes meus dias de mulher, um bocadinho impaciente, sei lá.

Queria qualquer coisa. Queria um frenesim qualquer e algumas respostas aos “e depois?” que vou, como o meu filho, desfiando no tempo da minha cabeça. Queria umas horas de companhia e riso num jantar com amigos. Queria dançar esquecida, perdida, na música. Queria ver uns certos olhos. Queria sentir a minha alma e outra alma. Queria espreitar o futuro. Queria... “muito-tanto”. Acho que, para além do gosto pelos livros, o meu filho herdou de mim o gosto pelos superlativos...

Trilhos de Fé


E digam-me lá: eu nasci numa fervorosa família católica porquê??? Os caminhos de Buda, nas palavras do Dalai Lama, parecem-me muito mais claros e, se calhar, tinha chegado lá mais depressa e com menos sofrimento. E não era a "ovelha negra" da família...

Não consegui evitar lembrar-me das minhas próprias palavras há uns posts atrás: "E deste longo processo ficaram-me revelações espantosas. Aprendi, por exemplo, a enorme responsabilidade que temos para com os outros. Porque se eu sofro em mim, e na minha vida, tão profundamente, o impacto dos outros, também deverei fazer o mesmo na vida dos outros da minha vida. E não quero ser um fantasma na vida de ninguém, não quero assombrar os passos dos outros, não quero marcar coisas feias e sofridas nos outros. E caminha-se muito melhor quando percebemos que temos o poder de ser maiores e melhores, e com isso fazer os outros maiores e melhores. Dos outros do meu passado quero ser apenas morta. E enterrada. E também cá ando a enterrar os meus mortos e expulsar os meus fantasmas."

Coisas do Incrível

Às vezes uma Princesa beija um sapo e... imagine-se!... é um sapo.

E uma Princesa que é Princesa não admite tal derrota. Vai e beija outra vez, claro. E... é um sapo.

Alguém roubou uns capítulos aos contos de fadas que contaram à Princesa. Ninguém explicou que a magia não funciona sempre, e que há sapos que são sapos, querem é beijos, e não há encantamento, e não há beijo de Princesa, que acorde um Príncipe que não está lá.

Enganar as criancinhas... Não se faz. Que elas crescem a acreditar e morrem a beijar... sapos.

Preguiça


Tenho de começar a pôr umas imagens neste blog também, pois é. Hoje prometo que começo. Obrigada ao Pulha Garcia (do blog O Bom Sacana) que partilhou um link para um sítio giro (que é http://icanread.tumblr.com/).

À letra

Pois é na poesia que vou encontrando a expressão mais certa dos meus sentires. De ontem à noite, esta.

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim

Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos

"Desalento". De Vinícius.

Move-nos a Paixão – Escolha de um Carro e de um Homem

Preciso de trocar de carro e ando a explorar hipóteses. Ocorreu-me que é muito parecido com a escolha de um homem. Se não vejamos:

1 – Estabelece-se a necessidade e pensa-se em duas ou três coisas fundamentais. Exemplo para os carros: que seja pequeno e fácil de estacionar, que gaste pouco, que seja fiável. Para os homens: que tenha sentido de humor, que seja inteligente, que seja fiável.

2 - Dá-se uma olhadela ao mercado e identificam-se os que, às primeira vista, respondem aos tais requisitos fundamentais. Esta não tem diferenças nenhumas entre carros e homens.

3 – Verifica-se se estão ao nosso alcance. Para os carros pedem-se propostas. Para os homens é mais complicado, um pouco mais empírico, mas consegue-se medir a reacção.

4 – Procura-se saber mais sobre os que podemos alcançar e avaliar qual o melhor investimento, qual o melhor retorno. Para os carros, vai-se ao Google, pedem-se catálogos, pergunta-se a opinião aos amigos. Para os homens, conversa-se um bocado, identificam-se as ex-namoradas, tenta-se pescar informação dos amigos e pede-se opinião às amigas. Aferem-se consumos, custos prováveis de manutenção, vida útil, desvalorização, etc. (para os dois casos...).

5 – Vai-se eliminando alguns até ter umas 2 hipóteses viáveis. Vai-se olhando, estudando, comparando, aproximando-nos aos poucos daqueles que mais nos atraem... Esta não tem segredos, nem para carros, nem para homens. Só variam as razões (tipo, para os carros, não gosto dos interiores, os bancos são desconfortáveis, ou então, o carro é mesmo giro!; e para os homens, por exemplo, fala demasiado alto quando se entusiasma, diz umas piadas parvas, ou pelo contrário, ele é mesmo uma boa companhia).

6 – Faz-se um test drive. Para os carros é de graça e fundamental para escolher – o essencial é mesmo experimentar a condução, sentir o desempenho, depois é preciso apresentar à família para ver se gostam e, por exemplo, quando há crianças, se as cadeirinhas cabem, basicamente, se é “child friendly”. Para os homens... Oh, que chatice!... Com os homens não dá. Quer dizer, dá mas tem custos...

No fim, escolhe-se aquele por que nos apaixonamos. Carros e homens...

Eu escolhi o Mini Cooper. “Chilli red”, com tecto e retrovisores em preto e o pack “Pepper”...O miúdo amou, o carro é um espectáculo de conduzir, está ao alcance, mas foi chumbado em quase todos os pré-requisitos que, de repente, deixaram de importar... Vá-se lá entender estas coisas – é paixão...

Do homem, também não se entende, também é paixão, parecia estar vendido e comprado, mas teve o condão de me deixar completamente baralhada. O test drive ficou a meio, não sei se foi falta de GPS ou tem um desvio qualquer na direcção, porque deixou-me perdida no meio da estrada, e foi caríssimo – ainda estou a pagar por algo que acho que fica no stand...

Canção em Modo Menor - Viniciús de Moraes

Porque cada manhã me traz
O mesmo sol sem resplendor
E o dia é só um dia a mais
E a noite é sempre a mesma dor
Porque o céu perdeu a cor
E agora em cinzas se desfaz
Porque eu já não posso mais
Sofrer a mágoa que sofri
Porque tudo que eu quero é paz
E a paz só pode vir de ti
Porque meu sonho se perdeu
E eu sempre fui um sonhador
Porque perdidos são meus ais
E foste para nunca mais
Oh, meu amor
Porque minha canção morreu
No apelo mais desolador
Porque a solidão sou eu
Ah, volta aos braços meus, amor

Distracções

Este caminho tem sido duro mas hoje estou já distante do sítio escuro onde estava há 1 ano, ou mesmo meio ano, atrás. Sei que se nota esta mudança em mim, mesmo exteriormente, e tenho recebido imensos comentários nesse sentido. Rejuvenesci e revelei-me.

Já comprei uma data de coisas da minha listinha para a estação que se aproxima - e que espero ansiosamente, porque estava farta de maus tempos, frios, chuvas e temporais...

Estou a escolher umas poucas coisas mais corporate (porque tenho de ter o que vestir para trabalhar...), mas mesmo nessas tenho procurado tudo muito mais descontraído e procuro sempre coisas “diferentes”. Larguei o cinzentismo dos fatos clássicos – e cinzentos, e mesmo os fatos que escolho agora têm um qualquer salero, além de que os misturo com peças improváveis e acessórios mais arrojados. No resto, só procuro coisas sexy, coloridas, leves e descontraídas, e muito, muito femininas!

Exemplo foram uns novos óculos de sol... Lindos, mas carésimos, e não sei se exagerei um bocado - são à frente!...

E vou por aí nessa linha meio "alternativa", mas chique. Divirto-me à brava a falar comigo mesma à medida que vou tirando coisas dos cabides e prateleiras, e realizo a diferença daquilo que agora me atrai. Às vezes pelas cores, que de repente me apetece vestir, às vezes pelo estilo em si. E o mais espantoso é que experimento e sinto-me bem nesta “nova pele”. A minha metamorfose é mesmo total – e óbvia. E adoro o meu filhote de manhã, a passar a mão pela minha roupa ou por um colar, com o seu aguçado sentido crítico (não sei de quem herdou...), a exclamar coisas como "a mãe tem uma camisola côr-de-rosa!", ou "esse colar da mãe é tão giro!" ou a dizer-me... "a mãe está tããão bonita!..." Não há nada mais doce.

E assim me vou distraindo doutras coisas, que não me apetece escrever profundidades, não me apetece remoer nada, não tenho dormido em condições e tenho uma enorme dor de cabeça. E hoje não me chateiem, ok?...

Uma noite de desasossego

Uma dessas noites passadas... Às 4 da madrugada estava acordada, às voltas na cama, a querer forçar o sono que tinha a fechar-me os olhos, a tentar voltar para o embalo do sonho, a destilar memórias (boas). Mas quase às 5 da madrugada ainda estava acordada com a cama num desalinho, a ouvir os primeiros pássaros a cantar - e não achei lindo, não, fiquei foi bem irritada.

Teria sido do livro que estava a ler? Gosto do autor, Luís Sepúlveda, de quem li há muitos anos 3 livros que me apetece reler, o que é raríssimo. Este, comprado há uns meses, é uma colecção de pequenos contos, alguns de apenas 2 ou 3 páginas. Mas houve um que me tocou tanto, que nessa noite reli. Começa com umas citações fantásticas de uma obra que tem um título, no mínimo, curioso, e que me fez soltar uma gargalhada a primeira vez que lhe pus os olhos em cima: "Enciclopédia Popular do Fracasso Sentimental Latino-Americano"! E o conto tem um parágrafo que reli nem sei quantas vezes, que me assusta, que me atormenta um pouco, na consciência da inevitabilidade de certas coisas que nos transcedem, da impossibilidade de controlo da química da nossa própria alma...

Ou talvez tenha sido do choro do meu filho ao telefone, que ficou com os meus pais. "A mãe já está a caminho?...". Não queria lá ficar a dormir, queria dormir "na casa da mãe", e choramingava desconsoladamente... Várias vezes durante a noite tive aquela sensação de que estava a dormir ali ao meu lado e que se inquietava, como acontece tantas vezes, e eu naquele quase despertar atento, expectante do sossego ou do choro, para decidir se posso continuar a dormir ou se tenho de me levantar. E depois a lembrar-me que ele não estava ali, com uma pedrinha na alma...

Sensações estranhas de desasossego, de ausências, e de predestinação. Como a calma antes da tempestade, mas a electricidade no ar a eriçar-nos os pelos do corpo, alguma coisa a inquietar-nos o coração, uma quase euforia de expectativa sem razão, mas uma pontinha de um medo primordial, de sobrevivência.

Não sei o que seria isto.

Uma grande amiga minha chorou outra vez. Fiquei triste por ela. Não gosto de lágrimas, muito menos nos olhos das pessoas de quem gosto. Para ela, do tal livro do Sepúlveda, citação da fabulosa “Enciclopédia Popular do Fracasso Latino-Americano”:

Mozo, sírvame en la copa rota
Quiero sangrar gota a gota
El veneno de su amor


E, para mim, o tal parágrafo de assombro: “Quis rir, mas às vezes os dítames do cérebro confundem-se, cruzam-se, provocam curto-circuito, alguma coisa falha na alquimia da vida, alguma coisa que me agitou num espasmo antes de desatar a chorar.”

Coisas de mãe, mesmo – não aconselhado para quem ainda pondera ter filhos

Mesmo para mim, só tem uma ligeira graça agora, que já passou algum tempo...

4 da manhã: "Mãããe... quero vomitaaar".

Corrida com o alguidar e... nada.

8:40, depois de ter sido uma luta para comer qualquer coisinha ao pequeno almoço, depois de termos saído de casa e quase chegado ao carro - apenas para voltar para trás porque queria vomitar "na sanita" (exigências macabras são especialidade dos miúdos de 3 anos!!!), acabando por não vomitar, depois de mais 15 minutos no sofá aparentemente melhor, ao ponto de estar tudo pronto para saír outra vez: "Mãããe... quero vomitaaar".

E desta vez... Oh, bless him...

Felizmente os meus pais poderam ficar com ele para eu ir trabalhar. E ainda me mandou embora, depois de instalado no sofá, com o alguidar de um lado e os mimos do avô do outro, porque tinha "uma coisa muito importante para dizer ao avô".

Oh, bless him...

Lá fui eu trabalhar, e lá fiquei todo o dia com aquele apertozinho no coração, da angústia de não "ver" como estava o meu filho a cada minuto, e com aquele maldito sentimento de culpa de não estar lá para ele nestes momentos. Isto custa. Mãe-mulher-trabalhadora por conta de outrém... Além de tudo o resto que sou e/ou quero ser... A gente mete-se em cada uma...

Divagação – O Tempo

As crianças não sabem medir o tempo. “Amanhã” é apenas um futuro qualquer, e “ontem”, quando lá chegam, é qualquer coisa lá atrás, sem data. O meu filho já começa a perceber melhor a cadência dos dias, dos fins de semana, e até já tem alguma noção do que são “minutos”. Às vezes, quando está à espera de alguma coisa, pergunta-me se ainda vai levar “muitos minutos”. E por vezes vejo claramente que essa incerteza de não ter um relógio, ou um calendário, o angustia. Então pergunta-me o que vamos fazer, o que vai acontecer, ao longo desses minutos ou dias da espera. Eu vou respondendo e ele ele vai perguntando “e depois?”, até chegar ao momento em que lhe digo que vai acontecer aquilo por que anseia.

Há uns tempos, comprei-lhe a máscara para o Carnaval. Deu para querer ser um tigre (apesar do tema do colégio ser a Astronomia...), mas o mais parecido que consegui foi uma máscara de leopardo. Lá vendi a ideia e ele todo entusiasmado queria logo vestir a máscara. Tive que lhe explicar que era só para 6ª feira e ele a insistir que ía usar “amanhã”. E eu a explicar que não – que “amanhã” era 5ª feira, e só no dia seguinte é que era 6ª feira. E ele, coitadinho, com um ar um bocado perdido a olhar para mim, muito sério, remata num tom de “matter of fact”: “Amanhã é quinta feira”...

Olhar para o calendário e contar dias, funciona bem para coisas práticas, ajuda-nos a gerir as angústias da espera, ou a enfrentar com maior facilidade tarefas que temos pela frente, dá-nos metas concretas. Mas quantas vezes “perdemos noção do tempo”? Quantas vezes olhamos para uma semana, um mês, um ano, e nos chocamos ora com a “rapidez” com que passou, ora com a “lentidão” que lhe sentimos? Todas as semanas têm os mesmos 7 dias, todas as horas os mesmos 60 minutos, todos os minutos os mesmos 60 segundos. E no entanto, há momentos de segundos que parecem durar uma eternidade, e horas ou dias que parece que simplesmente desapareceram no pó que levantaram, de tão rápido que correram por nós.

O tempo cronológico, ou físico, não é o que vivemos. Nos últimos meses, para mim, o tempo passou a correr. O “momento” que marca essa alteração de ritmo no meu tempo está-me ainda tão próximo, tão presente.

Pergunto-me porquê, porque é que fiquei outra vez presa lá atrás. E sei porquê. Porque ainda não tive o “amanhã” desse dia, porque revivo aquele tempo a toda a hora numa expectativa do “e depois?”, como o meu filho. E por mais que vá acrescentando perguntas de “e depois?”, não tenho resposta, não tenho ideia do que está a seguir, ou de onde está o que queria a seguir, aquilo de que estou à espera e que queria saber “quantos minutos” faltam para chegar. Não fechei o tempo. E não só.

Por mais lógicas e razões que vá destilando, por mais que vá verbalizando e tentando interiorizar que o tempo físico fechou em si mesmo o que queria encontrar, no fundo, no fundo, continua lá qualquer coisa dentro a gritar que não é verdade, não é possível, que ainda há tempo. E que há Destino. E alguns desenvolvimentos vão acontecendo, de tempos a tempos, para me manter ali. E então lá vou eu passear pelas minhas memórias, pelo meu tempo ido, a recordar os meus mortos e os meus fantasmas, se calhar de maneira a que não tenha de acordar para hoje, de maneira a que consiga permanecer ali, naquele momento em que tudo ainda é possível, em que ainda não se sabe o que traz o amanhã. Que não sei se já passou.

Como tudo mais, o tempo é uma questão de perspectiva... E de teimosia.

Desabafo de mãe

Das coisas mais difíceis que tive de encarar ao longo do meu processo de catarse, foi a constatação de que os meus dois maridos me levaram 15 anos de vida, quase metade da minha existência, quase a totalidade da minha vida adulta. De formas diferentes, ambos me fizeram perder de mim. O erro do meu segundo casamento começou com o primeiro. Foi uma fuga para a frente. Quiz fugir para o mais longe de tudo o que era o primeiro, e achei que podia construir com a razão o que me tinha sido negado construir com amor.

O meu filho podia ser a luz da minha vida, mas não é sempre. Porque às vezes pensava “não lhe chego”, achava que não sabia ser mãe para ele, a mãe que queria ser. Amo o meu filho, muito, muito, mas temo o mal que lhe posso fazer. Foi sempre nele que pensei de cada vez que adiei a decisão do divórcio, e foi sempre nele que pensei primeiro quando tomei decisões e preparei o futuro. Mas fica sempre aquela amargura de não saber, não poder saber, se essas foram as “melhores” decisões, os tempos “certos”. E foi por ser só para ele que me anulei em tudo mais até ter acordado de repente para mim e para a vida num grito de Ipiranga.

Um dia perguntou-me se eu ía morrer. Passados uns tempos, voltou com a mesma conversa. Não sei de onde veio aquilo e confesso que me perturbou. Da primeira vez tentei desvalorizar a coisa, desta segunda disse-lhe que não ía morrer (“a little white lie”, porque os miúdos nesta idade não sabem o que é o tempo), e disse-lhe que estava sempre com ele no coração, mesmo quando estou longe. Ele ficou a olhar-me nos olhos, aninhado em mim, como que à procura do sentido daquilo, ou talvez a confirmar a sinceridade das minhas palavras, não sei.

Fiquei a pensar até que ponto ele pressente que eu não estou “feliz”, e até que ponto ele vê os dias em que os fantasmas e assombrações horríveis, que me consomem, e me atormentam, me têm morta a respirar. Eu queria realmente ser “feliz”, mas ainda nem sempre vislumbro o caminho e ainda não me vejo totalmente nítida no espelho. Às vezes acho que a felicidade é apenas uma miragem, outras vezes acredito que lá chegarei. Mas, de facto, tenho medo do risco. Não posso sofrer mais, não tenho mais lágrimas, não tenho mais espaço, não tenho mais nenhum bocadinho de mim inteiro para estilhaçar. E temo passar pela vida, deixar que ela me passe, para me ir um dia num desvanecimento que não vai deixar ninguém a invocar a minha memória num sorriso de ternura, com lágrimas de saudade.

Se me desvanecer um desses dias, queria só que alguém que me tenha um pouco de um amor qualquer, lembrasse ao meu filho que o amei antes de ele ser, que o amei sempre mesmo na tristeza e na profunda solidão da minha alma, mesmo no meio do sentimento de incompetência e da angústia da prisão que o senti também, e que tenho pena, tanta pena, de não ter sabido caminhar mais com ele pela mão. Que quero o melhor do mundo para ele, que sei que ele é lindo e que gostava que ele nunca deixasse de sonhar. E que se lembre do meu sorriso dos dias bons sempre que precisar de um conforto no coração.

Dias de Mãe vs. Dias de Mulher

Durante meses continuei a sentir-me angustiada, deprimida e triste. O meu filho sofreu com isto. Dava-me abraços e carinhos e perguntava-me encorajadoramente: "A mãe está contente?!"... Claro que lhe dizia que sim, que gosto muito dele e dos abraços e miminhos que me dá. Também o abracei com o coração apertado e tentei dar-lhe os meus melhores sorrisos.

Ele é a coisa mais importante da minha vida, tudo tem girado à volta dele - até demais. E não me arrependo porque quero o melhor para ele e quero que seja feliz. E porque é a minha responsabilidade de mãe. Também sei que não me posso esquecer de mim, e que tenho de estar bem e feliz para ele o sentir e poder transmitir-lhe o amor e carinho que ele precisa, para ter a paciência e a disponibilidade de rir e brincar com ele.Tenho conseguido ir ganhando aos poucos autonomia e liberdade para respirar. Só que às vezes também me angustio a pensar se farei o melhor para ele. Pondero se não terei ficado se calhar um pouco egoísta de mais... Este equilíbrio é muito difícil, porque embora não veja o meu filho como uma “parte” de mim, um prolongamento, uma perpetuação, sinto o peso de carregar com ele, já não fisicamente, mas de uma forma mais profunda. Ele depende, de facto, de mim. Eu não quero negar-lhe nada que lhe faça falta para crescer e se tornar num ser humano completo e feliz, mas não posso dar de mim mais do que uma parte, porque não me posso esvaziar nele.

Por isso, tentei organizar a minha vida de forma a conseguir um melhor equilíbrio. Na verdade, e por comparação com a vida de muitas mães solteiras por esse mundo fora, até tenho muita sorte de ter tantos apoios e ter hoje bastante tempo, espaço, liberdade, os silêncios de que sempre precisei tanto e de que sentia tanta falta. Devia ser o suficiente para poder passar os dias que tenho com o meu filho com mais alegria, energia, e boa vontade. Mas, por outro lado, o pior é que, ao fim de algum tempo, começo a sentir os tempos e os espaços desses "dias de mulher" como vazios que não consigo preencher. E não uma liberdade mas uma jaula de angústia, que depois não me deixa bem para os meus "dias de mãe".

Às vezes não sei o que fazer para encher a minha vida. Quando esgoto programas, jantares, saídas, cinemas, e depois coisas como a Internet, o ginásio e o supermercado, apetece-me qualquer coisa mais e não sei onde ir ou o que fazer, e não me apetece admitir a solidão desses momentos saindo à rua sozinha. Lá fico a entreter-me com coisas parvas, a devorar livros, mas a sentir-me um animal enjaulado. É absurdo, eu sei.

Por outro lado, quando o meu filho não está comigo, estou constantemente a pensar nele, se estará bem, se terá saudades. Por vezes falamos ao telefone e são uns momentos sempre inesquecíveis. Por vezes, chego a acordar de noite com a sensação de que ele está ali, a chorar, e depois realizo que ele não está lá.

E saír disto? Continuo perdida e sem a mínima noção de como integrar tantas partes diferentes da minha vida e de mim. As gavetas... Ser mãe, ser boa mãe, e ainda assim ser mulher, é mais uma, pois...

Mas lá tenho conseguido, aos poucos, ir arrumando estas coisas. Assim tipo reestruturação de departamento. E agora corre bem melhor, com menos angústias e mais confiança, e lá vou vendo no meu filho sinais de que, apesar das dúvidas, não estou a fazer assim tão mau trabalho como isso.