Conselhos


Ouve-se de tudo quando se pergunta. E às vezes sem se perguntar. Alguém me desejou que “não me mate o tempo” e, claro, deixou-me a pensar. Alguém me desejou que tenha a felicidade de realizar o sonho e, claro, pôs-me a duvidar - será sonho? Alguém questionou que eu saiba mesmo o que é amor e, claro, chocou-me e deixou-me a destilar.

De Sophia de Mello Breyner, este poema que me é muito especial, é o que sinto que é a espera do amor.

Data

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo de ameaça


Porque a espera da correspondência do amor que sentimos e queremos dar é também a tortura da esperança egoísta de receber o amor que queremos que o outro sinta por nós e nos queira dar. E enquanto passa o tempo dos dias contados, estamos ameaçados pela possibilidade de que não se cumpra o amor. Mas enquanto amamos, na nossa legítima forma própria de amar, à espera que se cumpra o amor na sua plenitude, em real, na vida, o tempo sofre-se, não se mede, e parece que não existe porque não corre dentro de nós, nem faz vacilar o amor que sentimos. Faz-nos vacilar a nós, na nossa frágil composição de retalhos do que sentimos e do que pensamos, na luta desvairada da procura da verdade e da certeza, fazendo-nos plasmar em certos momentos em algo que é enganador, que não é o que somos, que são os paradoxos que o tempo nos vai fazendo ser e experimentar, e de que às vezes precisamos para não desabar.

Amor “mesmo” é para cada um uma coisa diferente, um misto do que sentimos, do que vemos e do que vivemos. E ninguém vê o amor da mesma maneira, ninguém o sente exactamente da mesma forma, e ninguém sabe realmente o que ele é enquanto não o viver cumprido na correspondência total. E mesmo assim, será diferente para cada um. No entanto, alguns arrogam-se a clarividência de o saber, apenas porque o sofreram profundamente sem o viver, e porque acham que, de tão intenso o sentiram, a verdade que têm para si é maior que a verdade dos outros.

Eu oiço tudo mas vejo por mim, na consciência da minha verdade ser só minha e poder ser diferente em cada momento do tempo, porque sou, humildemente, ser em crescimento, em procura, em andamento.

10 comentários:

Anónimo disse...

Destilaste meu anjo.

CB disse...

Anónimo,
Ainda vou destilando, e continuarei a destilar enquanto os outros e a vida me forem dando coisas brutas que preciso de entender. Às vezes, quem menos se espera.

Apple disse...

Tens o condão de me deixar sem palavras perante uma tão perfeita definição do amor, ou melhor, da espera por ele. Sem teres a pretensão de definir este tempo, fizeste-o com uma clareza que me assombra, tanto quanto me define na espera que vivo, no amor que espero ou busco, não sei, porque há dias em que o procuro mas outros há, em que desejo que ele me encontre.

Obrigada, encantadora princesa!

1REZ3 disse...

Espero não ter sido eu um dos "contemplados" que questionou o teu saber e sentimento acerca o amor...

CB disse...

Apple,
Quem fica sem palavras sou eu... Um humilde obrigada serve?...

CB disse...

Treze,
Não foste não, claro! O que tu fizeste foi provocador sim, mas muito diferente de uma acusação. Tu fizeste-me questionar algumas coisas, dando-me contributos do teu pensar. Que conclui válidos. E pelo que te agradeço. :)

1REZ3 disse...

Princesa,

ora essa, não tem nada que agradecer.

Fico contente por ter provocado a tua capacidade análise. E que tudo corra pelo melhor :)

CB disse...

Obrigada, Treze. :)

1REZ3 disse...

Princesa,

era só querer e provocava-se (e perpetuava-se) já aqui um momento Monty Pythoniano :D (Esta tem direito a mostrar dentes)

CB disse...

Treze,
Ahahaha! Pois era! A falta que faz um pequenino "de"... :D