Este Blog Está Morto

Este post é só para evitar queixas de alguém que aterre aqui ao engano. É mesmo o fim. A girl's gotta do what a girl's gotta do. Adeus Princesa.


Apontamento

A vida é também feita de partidas, nossas e dos outros, cada vez mais. Há que aprender a viver com isso e tento sempre lembrar-me de que, para cada partida, tem de haver uma chegada, tal como, para alguns eleitos, cada separação apenas antecede um reencontro.

Post de Uma Morte Anunciada

Raramente, na vida, mudamos profundamente de um momento para o outro. O dar-nos conta que algo mudou em nós tende, realmente, a ser repentino e súbito, mas a mudança em si opera-se ao longo do tempo. Em geral, vamos evoluindo - de preferência para melhor, na realidade nem sempre -, numa progressão algo lenta, de forma até que, por vezes, nem nos apercebemos disso, a não ser num momento crítico qualquer em que fazemos, dizemos ou pensamos algo inusitado, ou quando alguém nos aponta a prova da mudaça. 

Este blog, onde tenho vindo a destilar o que passa por dentro de mim e da minha vida, revela bem tudo aquilo em que fui mudando ao longo do tempo, para lá dos acontecimentos que relatou ou que motivaram a escrita de certos posts. Essa mudança foi acontecendo e foi transparecendo, fez-se também de um tempo em que não escrevi aqui, revelou-se na forma como aqui voltei, depois de ter achado que este espaço tinha chegado ao fim. Mas agora é diferente: agora a minha mudança é radical e súbita, conscientemente imposta e regulada por uma nova forma de viver que arranca oficialmente em breve.

Não sei se a minha decisão de embarcar neste futuro acontece por causa de mudanças que se operaram em mim, que me permitiram ou incentivaram a fazer esta opção. Provavelmente sim, mas não é relevante saber. Certo é que a opção obriga-me a impor mudanças em mim, por força das que aceitei fazer na minha vida. Da mistura das duas coisas resulta que deixo de dar voz à Princesa, agora de facto Desencantada sem parêntesis. Agora tenho mais em que pensar e o que fazer do que preocupar-me em entender e/ou explicar a Princesa, muito menos resolver-lhe o desencanto. Temos pena - a vida não é mesmo uma história de encantar e estou a reconciliar-me com o facto de que há coisas em mim que serão sempre desajustadas, há coisas que nunca irei consertar, há uma história que me moldou e que não posso mudar; mas posso fazer a Princesa meter a viola no saco e deixar-me viver a vida sem a tristeza do desencanto, sem a ilusão do final perfeito. Sem expectativas que não sejam o simples facto de que todos os dias metemos mais uma moeda num carrossel desgovernado e não sabemos onde iremos acabar. O importante é continuar a rodar, sabendo bem que o que interessa agora é ir fazer aquilo que tenho de fazer, coisa prática, tangível e mecânica a que se chama sobreviver - e garantir um melhor futuro onde o meu filho possa crescer. 

Vão nascer dois novos blogs: um para o L, para que me possa acompanhar nas ausências, bastante gráfico, com imagens de sítios e coisas, poucas linhas seguramente (que agora alguém lhe lerá); e um outro para mim, porque não posso deixar de escrever, onde crescerão as linhas em paralelo com o primeiro, traduzindo as tais imagens em linguagem de adulto, onde de certeza irei também despejar uns desabafos. Não faço ideia de quando, não tenho ainda nomes nem ideias muito definidas, nem muito tempo disponível agora. Só sei que este blog morre definitivamente no dia 31 de Julho de 2011 e com ele enterro a Princesa, numa história que, de tão real, não teve um final feliz.


Note to self

Para as minhas releituras deste espaço no futuro, na reconstrução diarista do que foi (que gosto de fazer de vez em quando): escrever o post anterior foi das coisas mais difíceis que fiz até hoje. 


Mas também, hoje, ainda não parti pela primeira vez.

Filho,

Vou-te faltar - para nos bastar. Vou partir muitas vezes, mas volto, volto sempre, de cada vez, e um dia volto capaz de não te faltar mais, volto com o meu dever cumprido, para que não te falte tudo o resto e a mim não me falte a convicção de que fiz por ti o meu melhor - e assim fiz, também, o melhor para mim.

Sobra, sobrará sempre, uma pedrinha na alma, a culpa que irei carregar em cada ausência - e, provavelmente, até ao dia em que tu, feito filho já homem, tenhas a capacidade e a generosidade de me mostrar que não guardas de mim ressentimentos. A vida é toda ela feita de escolhas mas, mais importante que perceber que não podemos escolher tudo, é fundamental perceber que, por vezes, as escolhas no imediato podem não parece o melhor, mas são caminho necessário para o destino onde queremos chegar. Por vezes, a escolha aparente de uma coisa é, na verdade, a escolha, a aposta, noutra completamente diferente. E também há que aprender que, por mais que pesemos as escolhas, por vezes escolhemos errado. Tenho uma imensa fé em que não será esse o caso.

Espero que um dia compreendas que eu tinha de agarrar isto, por todos os motivos e mais alguns: por ti e pelo teu futuro; por mim e pelo meu futuro; por nós, num melhor futuro. E depois, acompanho-te mesmo nas ausências, seja de que forma for e, nos tempos de presença, havemos de cimentar as pontes que unem os nossos tempos, havemos de forjar abraços que se estendam à largura do mundo que vou percorrer e ao comprimento do tempo que vou estar ausente - para depois, elásticos, os mesmos abraços nos acolherem aos dois em cada regresso.

Gostava muito que soubesses que te levo sempre comigo; que és e continuarás a ser a minha primeira âncora, a raíz da minha sanidade, a minha força maior, a minha coragem quase toda. Não sei como explicar tudo isto à medida dos teus cinco anos. Sei que, nessa medida, o que te interessa é o imediato do abraço, do sorriso, da voz, da companhia de que sentirás falta por vezes. Mas fazem-te falta também outras coisas - que eu vou buscar. Vou, também, com esperança e coragem, buscar-te uma mãe mais feliz, mesmo que por via de outras coisas que não o amor, que esse não encontrei a não ser naquilo que me ensinas - e de que quero ser sempre digna.

Da que que te ama sempre de coração cheio, sempre tua,

Mãe

(Ao L, a primeira de muitas cartas que quero escrever-lhe nos próximos tempos, para ele ler daqui a muitos anos, quando seja capaz de entender estas linhas, agora impróprias para a idade)

Outras margens

Num tempo de redes, onde vivemos e que criamos, num mundo onde a nossa capacidade de "networking" se tornou parte fundamental na definição do ser social que somos, por sua vez reflectido no nível de prosperidade a que podemos almejar, por exemplo, a nível profissional,  acho que nunca antes vivemos tão sozinhos, nem nunca antes foram tão frágeis os relacionamentos humanos em geral. 

Todos gozam com os ratios entre o número de amigos no Facebook e o de amigos reais; mas pergunto-me quem saberá ainda definir, realmente, quem tem nas suas redes e que não é, de facto, amigo. E quem sabe, mesmo, definir o que é amigo? Onde estão as definições, os títulos, que damos a todos os que enredamos na nossa vida, que aceitamos nas nossas redes e de cujas redes aceitamos fazer parte? Haverá alguns com clara definição, mas a maioria navega numa espécie de limbo. Interagimos, de diversas formas, com diferentes graus e tipos de proximidade, com pessoas que por vezes não nos dizem nada, outras vezes realmente não conhecemos, e nem sempre é fácil de definir os contornos de cada um destes relacionamentos. Mas, quando se define o conceito de amigo e se aplica o mesmo, com rigor, às centenas de pessoas com quem nos enredamos, sobram sempre poucos, acho que demasiado poucos. E creio que a maioria se angustiaria ao reconhecer que, de toda a rede, apenas esses tão poucos realmente nos seguram. É mais confortante, talvez, pensar que a rede é imensa.

Sempre vi um laço pessoal como uma ponte. E lembro-me sempre do meu avô a esse respeito, das nossas discussões sobre individualismo. Não podemos existir sem pontes. Temos de as lançar, de as construír, de as manter, para as podermos atravessar e deixar chegar os outros. Mas hoje, parece que isso faz-se, quase sempre, com um intuito utilitarista, no propósito de afirmar uma qualquer competência, e preservam-se as ligações, mesmo que não nos digam nada, apenas porque podemos vir a precisar delas. Mistura-se o pessoal com o profissional, o afecto com a utilidade, o real com o virtual. O que me parece hoje é que, cada vez mais, se tende a confundir as pontes que se podem atravessar com segurança e as que são apenas setas de diagramas que mapeiam a rede em que nos movemos. Depois acontecem as tentativas de travessia desastrosas - muitas pontes são miragens. E talvez por isso seja mais difícil queimar pontes, seja difícil reconhecer as que não levam nem trazem ninguém, ou até, por vezes, as que deixam passar mais mal que bem. De certa forma, isso tornaria evidente a fragilidade e a solidão da rede, que se pensa feita de tantos outros.


A Ervilha da Princesa



Há sempre qualquer coisa que incomoda, é verdade, e às vezes é bom, porque o que seria de mim (e arrisco dizer: de todos nós), se não houvesse sempre um pouco de insatisfação, um difícil qualquer porque lutar, um perfeito qualquer para almejar e nos fazer melhorar, um inatingível qualquer por desejar? Só quero escolher a insatisfação que admito, quero escolher as minhas lutas pelos difíceis que elejo, quero escolher o que almejar e desejar.

Porque, às vezes, esses incómodos não funcionam no positivo, tipo "carrot on a stick" que me faz avançar; às vezes, são empecilhos ao avanço, pequenas angústias latentes, com o peso do desconforto de noites mal dormidas. São ervilhas debaixo dos colchões, porque sim - eu sou Princesa, delicada, e tenho mais do que uma ervilha a pertubar-me o sono - e o passo.

Apenas resolvi livrar-me de uma ervilha. É a que mais mal me tem causado e não tenho espaço para ela. Não te parece simples e lógico? Julgas isto algo assim tão inusitado? Olha que não - é muito comum. Só nem sempre assim tão claramente promulgado. Mas é como te digo: eu nunca me importo de admitir que errei. As aprendizagens com o erro foram sempre as lições mais significativas da minha vida. Portanto, se um dia tiver de te dizer que sim, que antes esta ervilha e o sono perdido à falta do que ela representa, pois seja. Também provavelmente, se isso acontecer, ter-me-ei livrado de outras ervilhas e andarei a dormir muito mais tranquila. E o incómodo da ervilha estará lá por escolha própria. Sim, sim, as minhas reais desculpas - mas para mim faz toda a diferença.

Depois da chuva


Nos ciclos de baixos é como se fosse uma chuva forte que nos impede o passo, que nos obriga a uma espera incerta e dorida. Mas depois, depois da chuva, que nunca chove para sempre, sai-se finalmente lá para fora, com o fim da torrente. E a chuva limpou o ar e a espera molhou a terra; e a terra molhada cheira a vida que desponta da semente. E uma semente é uma esperança - rebento, planta, árvore - e uma árvore é um futuro. E um futuro é vida, para viver simplesmente. No tempo dela, a vida, que corre como cresce a árvore: lenta, mas inexoravelmente.

Happy New Year (sim, sei que é Julho lá fora)

Hoje acabou mais um ciclo. Na sucessão de altos e baixos da vida, este foi um ciclo bem por baixo. Foi um longo e penoso caminho de tentativa e erro, sempre erro, por vezes sem vislumbrar que propósio serviria tanta lição aprendida a duras penas. Com uns picos em cada nova tentativa cheia de esperança, a achar que finalmente vencia, mas uma coisa breve, transitória, rapidamente transformando-se em queda abrupta. Em quase todas as áreas da minha vida. No entanto, não estou infeliz. Estou mais fria, mais céptica, quase cínica, mas mais esclarecida - o que é bom, enriquecida por essas lições que começo a ver terem utilidade - finalmente, muito mais preparada para viver melhor o alto que agora se advinha, tendo abandonado a procura das coisas de cuja falta fiz angústia, que erradamente pensei que me definiriam e que acreditei que encerravam a felicidade.

Do que vivi neste ciclo tão negativo, espantosamente, sobram coisas boas. Sei onde estão as minhas lealdades, onde estão os que me são leais. Sei o que é realmente importante para mim, seja ou não aquilo que "devia" ser. Sei com o que não posso viver e sei do que preciso para sobreviver. Sei que erros não repetirei na alta, para suavizar a próxima baixa. Hoje, encerra-se um ciclo em que tudo o que procurei e tentei falhou, mas também um ciclo onde elegi as prioridades erradas. A partir de agora, as prioridades são outras e farei da oportunidade que tenho nas mãos a base do meu futuro, com independência e dignidade. Vou investir num futuro mais tranquilo e para isso renuncio a 2 anos da minha vida pessoal. Na verdade, pesando bem as coisas, renuncio a muito pouco. Só há uma área dessa esfera que me preocupa e que pesou na decisão, bem como na flexibilização que foi necessária: o meu filho. Tudo o resto é uma paisagem mutante. Hoje está, amanhã partiu, murchou ou morreu. Aquilo que ficará sempre enquanto tiver vida sou eu própria e o único amor inquestionável que me move é o meu filho. É por mim e por ele que vivo e é nesse propósito que tenho de encontrar a minha forma de ser feliz, nem sempre no imediato, mas sempre com os olhos postos lá à frente - pelos dois. Por isso, mesmo ciente da dureza do caminho dos próximos 2 anos, sinto-me já na linha ascendente da curva e hoje sabe-me a dia de Ano Novo. Faltou só o champanhe.

Condenada

Não é de espantar o grau de cepticismo a que é possível chegar, pois há todo um caminho na progressão de cada grau. Sou céptica, há muito tempo, sobre as virtudes da raça humana e, por consequência, sobre o amor. Sou desconfiada e rapidamente desenho as possibilidades mais negras - tiro da minha base de dados pessoal exemplos da minha experiência, e das de outros que acompanhei, e aplico-os como o padrão provável ao contorno de cada outro que atravessa o meu caminho, de cada história que me enrola.

A evolução é a vontade de errar. Até certo momento, mesmo desenhando a probabilidade mais certa como um repetido desaire, na dúvida ía saber. Queria tirar tudo a limpo - não para confirmar um cenário negro, mas na esperança de estar errada, querendo mesmo estar errada, por acreditar na possibilidade da excepção à regra, porque apesar do cepticismo ainda tinha esperança de que o exemplo para trás fosse apena má sorte. Mas acumulam-se as confirmações pela negativa, os padrões tomam contornos cada vez mais nítidos, as probabilidades aproximam-se cada vez mais do absoluto, diminuindo sucessivamente a margem de erro. E assim, a partir de certo ponto, com as negras probabilidades tornadas inevitabilidades, as dúvidas tornam-se certezas. E já não se dá sequer um passo para tentar esclarecimentos - já não são precisos. Assumimos que não há erro, autoproclamamo-nos realistas, recusamos a excepção à regra, largamos a esperança. O desenho de cada outro vai construindo uma raça de gente incapaz de amar e indigna do nosso amor; portanto, o amor como o quisemos encontrar e viver, não tem espaço de existir.

Em que momento exacto passamos de cépticos a cínicos (filosoficamente falando) é difícil de precisar. Mas é uma progressão inevitável. Nada podemos contra o caminho que fomos fazendo, os mortos que por ele enterramos e as vezes em que nele morremos. Um dia tem-se a certeza, simplesmente, de que não vale a pena acreditar, lutar ou esperar, por isso nada resta se não eliminar a necessidade de algo que sabemos não poder encontrar. Quem é que pode condenar um condenado?

This is Not Goodbye

Fui ontem ao jantar de despedida de uma amiga muito querida, uma pessoa maravilhosa e que tem estado de pedra e cal, daquelas poucas que sobreviveu ao tsunami que me invadiu a praia há uns bons tempos atrás, e que parte agora para abraçar um aliciante novo projecto profissional noutro país. Desejo-lhe toda a sorte do mundo, de coração, mas vai-me fazer uma falta terrível. Vejo-a no Facebook, a anunciar o dia da mudança, e quero dizer-lhe que torço por ela, mas não carrego no "Like", nem consigo deixar um comentário só de apoio, porque estou também triste por perdê-la aqui da vista e não quero assombrar-lhe o mural neste dia. É que, por mais que tenhamos FB, skype e messenger e o diabo a quatro, tenho mesmo medo de perder esta amizade que acarinho tanto. Vai para longe - é longe. Todos os que (se) importam sempre vão - karma dos infernos. Podia dizer que me fica no coração - que fica -, como sempre fica qualquer coisa daqueles que nos crescem por dentro. Mas vai dar flores longe de mim, já não as  terei tão vívidas no meu jardim. Tenho o desafio de cultivar o que fica, o melhor que puder e souber, sem me deixar desanimar pela distância e pela saudade, com que tanto me custa lidar. Mas eu gosto dela: muito. E isso, no fim de contas, é o que interessa. Esta é uma das pessoas a quem não direi adeus; apenas um até já, até logo, até sempre. E não posso deixar de sorrir com a ironia da coisa, o outro lado de uma mesma lição, que ando eu própria a aprender e ensinar, nestes conturbados tempos de mudança que também me arrastam para outras andanças, ausências e distâncias. 


(Fingers crossed for you, guapa. But I sure as hell miss you already...)

Estranha história de amor ou Bonito conto do vigário?

As opiniões dividem-se em mim, como entre aqueles que acompanham a história. Divido-me entre os que me exortam à coragem de lutar, porque "é uma história tão bonita", e os que me advertem para ter cuidado, porque "é uma história tão estranha". E não tenho como confirmar, nem um nem outro prisma.

Não sei como se balança o querer acreditar e ter de desconfiar. É uma luta entre a esperança, entre a vontade de que seja real, uma promessa pela qual vale a pena lutar, e o instinto de sobrevivência, a  ponderação da probabilidade de ser engano, de não ser real. Pergunto-me muitas vezes: é um sonho quase feito real, ou é um conto do vigário? Lanço-me nisto, persistindo na espera, dando o desconto à distância, justificando coisas que me incomodam com as vicissitudes de uma outra vida que corre a um ritmo alucinado que, na verdade, não testemunho? Ou retraio-me, protejo-me, face ao custo da ausência e das perguntas sem resposta que levam à construção de teorias combinantes de suposições e paralelismos, por vezes recambolescos, mas quase sempre de muito mau gosto? 

Seja como for, acho que a história vai morrer. Não sobrevive à dúvida e não tem espaço para confirmações; não sobrevive à distância e não tem tempo para aproximações; não sobrevive à mágoa e não tem cheiro nem braços com as desculpas. Se era uma história bonita, terá um final triste - tenho mesmo muita pena. Se era uma história estranha, terá um final feliz - salvei-me de mais uma desilusão. O pior é que, provavelmente, nunca vou saber. E estive disposta a arriscar somar mais uma desilusão para não perder a hipótese de confirmar real o sonho. Mas não posso mais, não posso continuar a ignorar a dúvida que se avolumou, sobretudo nos últimos dias. É estranha a história, sim, e não a escrevo sozinha.

Ainda aceitava que fosse uma estranha história de amor, mas parece-me agora que é um bonito conto do vigário.

Mais fere a palavra do que a espada

Sim, ela tem razão: o que interesa o que os outros pensam, se estamos bem com a nossa consciência? Tantas vezes avancei assim na vida, na serenidade da minha consciência, ainda que incompreendida, ainda que insultada ou renegada por via dessa incompreensão. Diz que não posso deixar-me afectar, que não posso sofrer com isso. Easier said than done. O que ela não vê é que não há como ignorar a dor da ofensa, ainda para mais se totalmente injusta, quando vinda de certas pessoas. Com umas, é fácil encolher os ombros e ignorar. Dessas, realmente as ofensas não nos atingem. Mas outras não. Com outras, não há como não me exaltar, como não indignar, como não deixar de defender a minha própria honra. Não há como evitar ter de deixar tudo claro, sob pena do meu silêncio ser apresentado como reconhecimento, como a desistência do "quem cala consente", por alguém que não hesitará em fazer uso disso da pior forma possível. Se me acusam com argumentos falsos e me condenam injustamente, não posso deixar de me indignar. Eu acuso-me por vezes, por coisas em que sei que falho. Mas também em consciência sei que faço o melhor que posso e sei que não me posso arrogar a superioridade da infalibilidade. Não posso aceitar que me acusem de forma injusta e vil, numa coisa muito fundamental, e por alguém muito próximo. Aí não posso calar-me. Afecta-me sim, atinge-me, desgosta-me. Porque além da minha dignidade e do meu orgulho, eu sou uma pessoa que sente. Sinto muito.

A Mágoa não se chora

É como uma ferida, sabes? Choras a dor, gritas se for o caso, mas ela está lá até que a trates. As feridas, como as mágoas, precisam de ser desinfectadas, soturadas às vezes, cobertas de gaze e adesivos. Precisam de curativos, até que cicatrizem. E depois, quase sempre, passe muito ou pouco tempo, fecham deixando uma marca que te recordará sempre a dor que, essa sim, essa choraste e podes continuar a chorar; e em algumas sabes que não podes tocar porque, por baixo, ainda dói. A mágoa fica-nos por dentro da pele, por dentro do peito, verte-nos lágrimas da dor que causa, mas não se extirpa com elas. 

Resumo

Corre-corre, não me chega o tempo. A semana ainda nem vai a meio, mas que já promete - oh se promete. Pelo menos acabará em grande estilo... Só nestes dois dias, mais uma entrevista, agora apelidada já de "conversa", mais telefonemas, proposta detalhada prometida até final da semana - God bless. E, entretanto, conversas com estes e aqueles, a afinar as estratégias que me permitirão aceitar a proposta, desde que corresponda às expectativas, porque, concretizando-se - e não parece que vá falhar -, tem de estar tudo a postos. Remata hoje com jantar de família. Ontem, o fim dos trabalhos manuais para compôr um poster a pedido da educadora para a festa do colégio - e chego à conclusão que cartolinas, recortes e colagens ficam muito bem até ao fim da primária, mas já não é coisa para gente graúda, sobretudo se tem verniz nas unhas e/ou algum brio naquilo que produz. E depois o dia de festa no colégio, com o miúdo todo orgulhoso do diploma que recebeu (acabou o Jardim de Infância), das músicas que cantou em coro com os outros, da apresentação do karaté - e dele próprio em geral. Foi bom. Cansativo, um calor que não lembra, sobe e desce durante horas - mas foi bom. Antes ainda, uma passagem de urgência por casa da irmã caçula, para acudir a uma queimadura, o que me devolveu a casa já depois da meia noite, com séculos de voltas para estacionar, e a verdadeira moca de sono, como já não tinha há muito. Depois, uma surpresa desagradável que antecipa um penoso dia passado numa das nossas maravilhosas instituições públicas, para (graciosamente) reclamar da sua incompetência e, identificando e provando o erro, esperar que seja rapidamente resolvido. E, ainda, uma outra surpresa, mas não propriamente má, ou não completamente má (não há prognóstico antes do jogo), que me levará a uma festa na 6ª feira com um estranho epíteto na lapela (ou será na testa?): vou como "the most interesting single friend" de uma das convidadas, condição inegociável para que ela própria possa ir. É. Um pouco weird, eu sei. Mas não fica por aqui, pois o dress code é... "Disco". Pensando bem, e tentando imaginar o que raio vestir, acabo por perceber - a festa seria um fracasso se não garantissem pessoas mesmo interessantes (e tento focar-me neste epíteto para digerir a escolha a nível pessoal), porque, let's face it: who the hell survives the disco look??



On my marks

Primeiro, foi tempo de reflectir sobre a decisão, sobre as escolhas. Equacionar cenários vários e, o mais serenamente que consegui, chegar a uma conclusão. Agora, com calma, passo a passo,  vou preparando as bases para o que penso, já, inevitável. Tive a prova de que o assunto está praticamente fechado. A próxima semana é de decisões finais e acerto de pormenores. Uma coisa de cada vez, vou dando passos que fazem sentido no enquadramento da nova vida que aceitei arriscar viver. Por isso, por mais cansativos ou penosos que sejam, vou-os dando com redescoberta serenidade. A cadência intensificou-se esta semana e até coisas que não dependem de mim acontecem, como coincidências engraçadas que me facilitam a vida, ou sinais do cosmos de que, desta vez, me acompanha na viagem a sorte. Certo é que me acompanha a esperança e essa, como se sabe, tinge de boas cores o coração mais esmorecido e desperta a veia do positivismo. Mais um pouco e sonho de novo. Querem ver?...

Hoje, levei o meu filho ao jardim depois do colégio. "Qual é o programa, mãe?". Foi um gelado para assegurar uns minutos de sossego e para podermos conversar - depois soltura para brincar no parque infantil. Pensei muito em como o abordar, como lhe traduzir o essencial do que aí vem, deixando de fora angústias desnecessárias mas, ao mesmo tempo, fazendo-o entender que não vai ser sempre fácil, mas terá outras compensações. Pedi-lhe ajuda e alinhamos estratégias. Ele reagiu muito bem e larguei mais uns quilos dos ombros. Mas claro que só tomará verdadeiramente consciência do que aí vem quando o viver e eu ficarei até lá na dúvida sobre se consegui ou não passar a mensagem. Espero que as bases que hoje assentei nos permitam ultrapassar este desafio.

Começo agora a pensar que ainda não soou a partida e eu já estou na corrida: já tenho os olhos na meta e toda a minha força recolhida, contraída, concentrada, pronta a explodir e impulsionar-me, largando-me como uma seta. Certeira, espero.

Cicuta minha

Gostava de te poder dizer e explicar tudo o que me vai dentro e faz ser como sou, sem ter de te contar detalhes de toda a minha história. É assim, aos poucos, através de pequenas coisas do dia-a-dia, que se descobre a verdadeira soma de tudo do outro, sem necessariamente nomear parcelas. Não é com as grandes revelações, os segredos concretos, com as sinopses analíticas do percurso de vida. Aliás, gostava de poder deixar para trás essa vida, esse percurso, sem hipótese de envenenar o futuro. Infelizmente, o seu veneno circula-me já nas veias e dorme comigo no escuro. Sei que te devo a verdade toda que é de mim, por isso te estendo o cálice em que me provas aos poucos com um aviso: sobrevivemos se és sincero, porque a minha verdade é veneno, mas um verdadeiro amor é antídoto.

(E entende: tanto é amor provar do cálice do outro sem medo, como estender o nosso.)

Vou por aí a procurar

Mais um passo. Ou uns passos. Coisas que renovam a esperança ou, se calhar, que a fortalecem, porque a esperança está cá, tem estado, pese embora uns dias de dúvidas e a antecipação de algumas angústias. Esta é agora a minha batalha, curiosamente em várias frentes: projectar menos, pensar menos para a frente, tentar não sofrer por antecipação com o que pode nunca chegar a ser dor.   

Numa série de coisas tenho chegado a uma conclusão similar: muitos passamos metade da vida a aprender a fazer e a pensar as coisas com prudência e lógica, para passar a outra metade a desaprender as mecânicas artificiais que fomos impondo às nossas vidas - e a nós próprios. É que chega a um ponto em que simplesmente não vivemos. E se bem que é necessário manter um certo bom senso, estou a tentar dispensar o espartilho do "tem de ser". Pouca coisa não tem remédio, e o que não tem, como diz o povo, remediado está. Mas não aceito nada como sentença final sem eu própria poder testar e julgar.

Sei que trilho caminhos algo perigosos mas agora também sei que não quero deixar nenhum por calcorrear. Vou até onde me puder levar. Ou até onde a esperança me aguentar. Mas vou viver, vou procurar. Essa foi sempre a minha essência.

Hoje lembrei-me desta música, acho que até já publiquei há muito tempo. Mas hoje, é esta música, que é em si lindíssima, que fica como meu espelho nas notas positivas - da esperança, da vontade de viver, de ser livre para viver.


"(...) Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver..."

Paz cruel

Como pode ser cruel e, simultaneamente, doce apaziguar o entendimento perfeito de uma coisa assim, em palavras de um belo poema:

"Amar a nossa falta mesma de amar,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita."


Carlos Drummond de Andrade

Sentido

Anos de mergulho profundo em mim, de reflexão, de minucioso dissecar de acontecimentos e razões, de cuidadosa sistematização de mapas interiores, com quase científicas iterações relacionando todas as vertentes de mim e todos os acontecimentos da minha vida, sólidas relações de causa-efeito articuladas, ainda que a posteriori, para emergir com uma conclusão patética: conhecer os meus defeitos, os meus limites, os meus traumas e lastros, os meus Adamastores e fantasmas, não muda nada naquilo que sou; apenas justifica, com suposta lógica, os bons ou maus passos que dou. Sei porque fiz isto e aquilo, sei porque não fiz aqueloutro; sei porque guardei palavras e porque disse outras que não sentia; sei porque tenho medo; sei porque me fecho e guardo; sei porque me sinto assim ou assado; sei até porque comprei ou vesti certa coisa em certo dia; sei porque ando a equacionar cortar o cabelo a dois centímetros da raíz; sei porque ando incansavelmente a limpar os cantos mais recônditos da casa, rogando pragas à empregada incompetente que vou despedir no fim do mês. Sei tudo isso e tanto mais, a lógica à prova de bala, as razões perfeitamente aceitáveis, justificações, desculpas. Mas desculpas porquê? Se sei, se faz sentido, se é aparentemente inevitável que seja como sou, que faça o que faço, que pare onde paro, que cale, que diga demais, que fuja, que limpe, que estoure o orçamento em trapos demasiado trendy de que não preciso, para que é então a culpa? Talvez - só talvez - seja porque, ainda assim, todas as manhãs acordo a acreditar que tudo pode ser diferente e que toda eu me posso reescrever com nova lógica, numa nova ordem onde, sem razões nem articulados, eu própria e a minha vida façamos, inquestionavelmente, sentido. Mas, na verdade, o que me falta é aceitar ser e viver sem lógica, sem lei nem ordem, sem que nada tenha de fazer sentido. E, no fundo, não me é nada fácil aceitar que a falta de sentido não tem de ser um vazio, que não tenho de entender todos os porquês e que a felicidade não precisa de justificações. Nem, muito menos, de desculpas.

Volátil

Até onde me chegam as palavras é real. Daí para dentro é um insubstantivo; são sólidas sombras, líquidos sentimentos, vapososas construções; um volátil estado de alma. Que se evapora sempre antes de poder plasmar-se em palavras.

Fresh Start

No espaço de uma hora, a minha vida ficou a um passo de se transfigurar profundamente. Nunca tive medo de recomeçar; considero que cada hipótese de recomeço é um privilégio - e deverá sê-lo até ao fim da vida. Nunca me impedi de largar um caminho que não me fazia feliz, mesmo sem saber que caminho faria a seguir e mesmo tendo de lutar arduamente para me voltar a orientar. Mas agora, agora confesso: esta possibilidade que se desenha não é um recomeço, é um novo começo e isso assusta-me. Vem mexer com coisas muito fundamentais em mim e na minha vida, ao mesmo tempo que me traz a esperança de um  futuro melhor - mas com um desafio tremendo envolvido, que não sei se consigo ultrapassar. E dentro de umas semanas terei que saber se é este o caminho que quero seguir, terei de saber se tenho a coragem de começar verdadeiramente do zero, terei de saber como não perder aquilo que não quero largar, e como largar aquilo a que tenho de renunciar. Terei de saber se estou disposta, realmente, a dar-me uma hipótese de renascer e que preço estou disposta a pagar.

Escape

Tenho palavras a navegar ao sabor de uma corrente que não corre para lado nenhum. Palavras que não se conjugam, não se concentram, e andam simplesmente à deriva, dispersas ou suspensas numa espuma sem consistência. Geralmente, escrevo-me para me me entender. Para me reflectir num espelho para onde possa olhar e onde me possa ver. Com contornos que assim reconheço meus, limites visíveis do que me sei, minhas cores e sombras que vejo pelo que projectei. Mas falta-me agora a arte de filtrar esta espuma, falta-me a coragem de juntar os fragmentos, falta-me o espaço para montar o puzzle do que realmente se reflectiria no espelho - e que agora não quero olhar. São muitas as construções a que estes fragmentos pertencem, demasiadas frentes de mim abertas ao mesmo tempo. Deixo-os flutuar, mais um bocadinho, enquanto me recolho na recusa, na segurança do silêncio.

(Há dias em que a vida seria muito mais fácil com uma opção de "press Escape to return to the main screen".)

De ti mesmo

Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento


Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser


Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite



Sophia de Mello Breyner Andresen


Verdade

Um dia, vou ter de te dizer que o que mais me custa é a mentira ou uma promessa quebrada. Vou ter de te revelar que abomino a primeira e já esgotei a cola para a segunda. Vou ter de arranjar forma de te dizer que prefiro sempre a limpidez da crua verdade, porque não gosto de ilusões, não gosto de enganos, nem de piedade. Gosto de saber com o que conto, gosto de pensar que possúo os elementos para me poder guiar com segurança. Também vou ter de te dizer, de alguma maneira, que prefiro a surpresa de um inesperado à falha do projectado. Vou ter de te explicar que uma mentira me ofende a essência. Insulta-me a inteligência, diminui-me e faz pouco da minha capacidade de resistência. Porque não te iludas tu: eu procuro sempre a verdade, tenho um faro apurado e resisto sempre, por maior que seja o abalo. Vou ter de te explicar, também, que uma promessa é um desenho de futuro que levo a sério e falhá-la é obrigares-me a pôr um pé em falso. E prometo-te: se me fizeres cair, eu levanto-me, mas não contigo. Por isso, não te acobardes nunca com nenhuma das tuas verdades e não me prometas, nunca, o que não irás cumprir. Não perdoo e imponho castigo. Aceito apenas desculpas do que seja inesperado e inevitável, desde que a promessa seja feita com sinceridade, ou - lá está - se não me faltares à verdade. Mas tem em conta, por favor, que eu sou literal com as palavras que uso e oiço e, na minha bitola, tanto vale uma mentirinha piedosa como a falta de prometido amor.

Milimétrica

Esta coisa das fronteiras e limites pessoais é difícil de entender. Lembro-me de como percebi, num repente, há muitos anos atrás, que tinha deixado ultrapassar todos os limites do razoável e quase todos os limites da dignidade. Percebi, depois, que foi acontecendo, numa progressão subreptícia, quase imperceptível a cada milímetro que avançava a linha. Achei espantoso ser possível afastar-me tanto dos limites em que me pensei, sem sequer me aperceber disso, senão num momento de desespero que me trouxe lucidez à visão da geografia que permitira que me definisse. Agora, num novo mapa de mim, vejo que as linhas fronteiriças recuaram bem para trás do que seriam os seus originais limites e apercebo-me, com alguma tristeza, que um milímetro mais me custa uma guerra, porque um milímetro mais é um milímetro menos dos limites a que já cheguei e não quero vislumbrar de novo. A distância é muito maior, mas agora sei o que se esconde por detrás de cada bocadinho que se estende no mapa, sei que cada milésimo torna mais fácil o próximo, e assim sucessivamente até que falemos de centésimos, que também se vão juntando, crescendo as casas decimais, até que estamos soterrados debaixo de muitos metros de porcaria e perdidos a muitos quilómetros de distância do que fomos e de para onde quisemos ir.

Um milímetro para outros, banal e desprezível, traz para mim mais perto o sabor amargo da memória de onde andei, traz presente o susto da treva onde me fechei, explode-me numa angústia de alarmes de que fujo em pânico. É só mais um milímetro - é. Mas é também menos um milímetro. E a minha tolerância tem hoje muito poucos para dispensar. Movo-me num espaço exíguo com fronteiras de pedra. Tornei-me rigorosamente milimétrica.

Supostos

O que custa mais, custa sempre mais, é o não retorno, de qualquer espécie - a rejeição. Cada não retorno diz-nos que não merecemos, não valemos - a pena, o esforço ou a atenção. E se se torna expectável com o tempo, torna-se também inevitável, porque a rejeição passa a ser sentida mais imediata e conclusiva em coisas menores. E quanto menor o seu peso ou relevância, maior a devastação que causa a sua suposta insignificância.

Legado

Nasceu esta semana a V, rebento da minha mana caçula. Ando há dias a pensar o que lhe escrever, mas por muitas palavras e metáforas que congemine, por mais que junte citações de poetas e iluminados, na verdade tenho pouco para lhe dizer. Dou-lhe as boas vindas, desejo-lhe que seja feliz e inteira, e digo-lhe que tem uma sorte imensa em ter os pais maravilhosos que lhe calharam. Prometo-lhe que nunca lhe faltará um abraço, que terá certamente dos seus pais e tantos outros, e seguramente terá sempre de mim. Ela gostou muito do meu colo, sossegou e olhava-me com atenção, seguindo o som da minha voz - talvez tenha percebido já que sou e serei mais um colo quente para ela, uns braços abertos. Enchi-me de ternura ao ver a minha mana feita mãe com tanta alegria e serenidade. Sabia já que seria uma boa mãe, mas vê-lo acontecer, desde a primeira hora, e mesmo sabendo que não tenho crédito no assunto, fez-me ficar ainda mais orgulhosa dela. Tal como há meses, sabemo-nos unidas e afirmantes no amor maior que nos constrói. Mesmo que seja em mensagens fora das horas das visitas, com um "Luv ya little sis" respondido com um "Luv ya back big sis!". E sabemos ambas que esse amor primordial é o legado que devemos - expresso sem medos e sem peneiras - aos nossos filhos.

Tentar, querendo


O esforço que se põe em cada palavra, ou em cada silêncio, em cada acção, ou em cada ausência, é medida da vontade. Tentar é um verbo abrangente, que pode ir de um grau de absoluta inconsequência, como o "atirar barro à parede", a um grau de absoluta demência, como tentar até morrer. Pelo meio, há muitos pontos de fuga, oportunidades de desistência, e é o ponto em que se baixa os braços que diz qual é realmente a vontade, mais do que a capacidade de resistência. Porque, em certas coisas, realmente querer é poder. Pelo menos, é poder tentar: tentar uma e outra vez, tentar mais e melhor, deixar clara a medida da vontade na expressão de verdadeira tenacidade. Porque, por vezes, é preciso mesmo clarificar essa medida de vontade para que se sustente uma outra, para que se possam ambas unir e, tentando, querendo, acabar por conseguir.  

Tomara




"(..) Tomara
Que a tristeza lhe convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz (...)"


Vinícius de Morais

Aos céus



Pedi aos céus e aos Anjos um sinal. Sim, eu acredito em Anjos, embora não acredite propriamente em Deus. E peço-lhes coisas e sinto-os por perto, e por mais do que uma vez já lhes ouvi as asas bater. Há tanto que não entendo, tanto de que desconfio, e tanto em que quero acreditar, que tudo se avoluma numa núvem escura que me enreda o passo. Mas lá vem o sinal que pedi, desta vez num remate em francês. Nunca pensei possível uma história assim, a escrever-se, a materializar-se pelas palavras, em tantas línguas diferentes. Mas o certo é que, também, achei impossível crescer a história com tão diversa geografia e ainda não entendo como se escreve uma história com mais perguntas que respostas. Mas escreve-se. Diz que vêm a caminho mais umas palavras, mais um selo de outra cidade; espero que respondam mais do que questionem - inclusive ao que está para trás. Mas, sobretudo, espero que tragam afirmações que não tenham de dar trabalho aos Anjos, na forma de sinais e premonições. Porque se continuam a somar-se sentidos dúbios e pontos de interrogação, nem os Anjos terão paciência para me aturar, e só me restará mesmo bradar aos céus - enquanto escrevo uma triste conclusão. Que, para já, gostaria de adiar.

* Foto minha

Lugar


Hoje queria estar noutro lugar. Queria mesmo. E um lugar é tanto mais que países, cidades e casas. Um lugar é também momentos, sentimentos, ou um bater de asas.

Um dia que são muitos dias

Já foi há dois dias e não escrevi nada a assinalar o dia. Não o assinalei, também. Teve sessão de cinema para o miúdo mas, no fundo, o dia foi dele, não meu. Só ontem o assinalamos, com a festinha no colégio, que me custou o verniz das unhas pelo meio de colagens e pinturas. Mas valeu a pena. O melhor presente que me deu foi o orgulho com que me recebeu. Assim que me viu chegar, veio colar-se literalmente a mim e chamava os amigos dizendo, cheio de orgulho mesmo, "é a minha mãe!". Tive noção ontem, pela primeira vez, do olhar embevecido do meu filho por mim. Não será de grande modéstia - admito, mas o facto é que me soube muito bem, e também me encheu de orgulho. Verdade: eu olho assim para ele também. Talvez ele me ache tão boa mãe quanto eu o acho um bom filho. Talvez ele me faça tão boa mãe quanto eu o faço um bom filho. Talvez, simplesmente, possamos apenas ser mãe e filho a fazer juntos um mesmo percurso. 

Pelo contrário, na qualidade de filha, fui pouco generosa. Não é bonito? Não será. Mas nem um telefonema fiz. E sei que não lhe devolvo o olhar embevecido e orgulhoso que recebo do meu filho. Mas sei tão bem o porquê. Não se pode ser filha de quem não é mãe, nem devolver carinho e orgulho a quem não no-los tem.

Capítulo I - "What do you say?"

Perguntas-me. Manuscrito, com falha da tinta na primeira palavra. Terá secado a caneta, na espera entre o ponto da anterior frase e a coragem que procuraste - e encontraste? Ou a coragem foi para o que está antes desse ponto e, depois, ficaste a avaliar se prossegias ou se recomeçavas a carta? E onde foste buscá-la, essa coragem? A que palavras ou imagens das muitas que trocamos ao sabor da correria dos dias, tantos dias? Ou a que memória dos nossos encontros e conversas? Todas as tuas missivas me deixam com interrogações. Tal como os silêncios ocasionais. Verdade: esta "relação epistolar" tem-se construído, passo a passo, e tem respondido a algumas questões; mas levanta sempre mais umas. Almejas vê-la crescer, e que te digo? Baralho-me toda. Releio vinte vezes as tuas linhas e escalpelizo-as até à exaustão. Releio as anteriores e diversas epístolas. Releio as minhas palavras e notas dispersas. Reconstruindo o percurso da história que cresceu, pontuada de tanto mais do que simples palavras: pensamentos, sorrisos, sensações e sentimentos, partilha de cenas da vida de todos os dias. E no fim das novas notícias de quotidiano, escreves-me a saudade crescente, com pontos de interrogação sobre planos de viagem e destinos, assumindo também em crescendo a necessidade de me ler, ouvir, rever. Certo é que sei bem, também, o sabor dessa saudade e o peso dessa necessidade. Sei reconhecer, também, que todas as novas questões e perguntas por responder só são relevantes porque quero descobrir, quero saber, sim, almejo também ver-nos crescer.

E por isso, na volta do correio, com outras linhas, como sempre, de permeio, I say yes, sem no entanto te citar o que tão bem expressa o que me ecoa dentro. Porque... Yes, digo-te eu, "But I being poor, have only my dreams; I have spread my dreams under your feet; Tread softly; for you tread on my dreams." (W.B. Yeats). Segue ainda a história.

O plano

Quem pode realmente planear a vida, que é feita de inesperados? Já várias vezes tive que pôr na gaveta os planos de vida que um dia desenhei, pensava que com a duração da tinta da china, quando afinal duraram menos que esboços de carvão. E já consegui aprender, embora um pouco à martelada, que não preciso de outro imediatamente pronto para substituir cada um que falha. Preciso apenas e só, de cada vez, de uma folha de papel branco e vontade de desenhar. Custa olhar o tempo passar e nada se consubstanciar nessa folha - indiscutível e penosa verdade, mas é pior, muito pior, ter de andar mais tarde a apagar, a remendar, tudo sem resultado satisfatório, e tudo porque se insistiu em usar a tinta da china, e se desenhou com base naquilo que estava mais à mão, e não naquilo que realmente se queria alcançar. O plano só pode ser continuar a acreditar que um dia acerto no objecto e na perspectiva, que nessa altura terei a folha lisa e limpa e, então, valerá a pena desenhar - ainda assim, sempre a carvão. O problema é que essa resistência à tinta é um medo mascarado de prudência, sentido numa hesitação. Talvez porque guardo os planos falhados na gaveta em vez de os deitar no lixo, e a gaveta está cheia de desilusão. Ainda assim, vi-me hoje capaz de ultrapassar essa hesitação e arriscar juntar um traço ao esboço que já vejo crescer no papel, ao mesmo tempo que penso que é melhor somar mais um plano falhado à gaveta do que manter-me frente a uma folha vazia, sem coragem de pegar na caneta.

Microcosmo

A perfeição não existe e sabemos que temos de viver com a imperfeição do mundo, com a nossa imperfeição e com a imperfeição dos outros. Sabemos que temos de viver no meio de tanto erro e desacerto, e aprendemos, embora a custo, a ceder, a conciliar e a perdoar. Algumas coisas mais a custo que outras, mas temos de ir fazendo esse caminho, sob pena de não sobrevivermos. O custo em si tanto pode ser engolir o orgulho, como chorar umas lágrimas de desilusão, desistir de alguma coisa a favor de um bem maior, ou arcar com um prejuízo financeiro a bem das boas relações. Entre tanto mais. No entanto, é difícil evitar uma reminiscência qualquer que nos quer fazer crêr que, no fim disto tudo, há um equilíbrio. Achamos sempre que o custo de uma concessão nos será compensado na vida pelo lucro da concessão de outro. Ou que as lágrimas que choramos nos serão compensadas por uma felicidade maior no futuro. Ou que os euros que imoralente pagamos por outros nos serão compensados pelo apreço do reconhecimento de termos sido honrados. Ou que o perdão que concedemos a alguém que nos feriu nos trará a paz da consciência (e o céu, já agora). Mas não, desenganemo-nos. Não há nenhuma ordem nem equilíbrio cósmicos no mundo. O certo é que cabe mais a uns que outros a quota do custo e - pior -  o mais certo é que haja sempre alguém que consegue somar-nos custos exorbitantes. Depois de suportar alguns, perdões, lágrimas e euros, chega um momento em que simplesmente achamos que "não merecemos mais". Lá está: na tal lógica do equilíbrio, da compensação a que ingenuamente nos achamos no direito. Mas esse momento chega, e chega mesmo, e quando chega faz-se pagar com juros, não só sobre o novo custo, mas também sobre todo o saldo acumulado. Saiam da frente, que alguém chegou a esse momento comigo e vou eu fazer pelas minhas mãos o equilíbrio micro-cósmico que mereço. 

Soltaram-se

As palavras ganham vida quando se materializam na voz ou nas letras. Só são nossas até esse momento de liberdade, e uma vez largadas não nos voltam nem nos respeitam. Porque as palavras têm uma forma subtil de tingir sentidos distintos, por vezes muito diferentes dos que lhes quisemos imprimir. Eu uso as palavras com propriedade, em todas as línguas que falo. Procuro as palavras certas sempre, procuro as que transmitem exactamente o que pretendo, tal como vou procurar no dicionário uma que oiço ou leio e não entendo. Mas se nem um dicionário nos dá de cada uma um único e inequívoco sentido ou definição, como podem dois seres humanos retirar o mesmo sumo de cada palavra que cai ao chão? E que sentido fará para alguém que tanto gosta de uma metáfora preocupar-se com o sentido literal das sílabas com que a grafa? Mas as minhas palavras fixam-se num sentido, metafórico ou não, quando lhes dou forma num texto mais ou menos cabal. Ganham vida e dão-me vida, porque tornam o que sinto e penso real. Transpõem-me para um articulado onde me reconheço, plasmada no momento, onde por vezes regresso, para relembrar, reafirmar ou contestar. E até quando me releio já sem sentir ou pensar o mesmo, extraio delas exactamente o que lhes dei - chego a re-sentir, a re-pensar, a saborear as mesmas emoções e a recapitular as mesmas lógicas que me guiavam no momento. Sou certeira com elas - para mim, não faço ideia se acerto o alvo com os outros. Penso muitas vezes que as palavras que escolho com tanto cuidado serão lidas em linhas diferentes do mesmo ou outro dicionário. E, da mesma forma, penso muitas vezes se lerei bem as que não me pertencem. Provavelmente, nem todos terão o mesmo zelo com elas, as palavras; nem todos lhes darão o mesmo peso, nem terão o mesmo rigor quando as libertam. E depois dizem que sou dura nas palavras, porque não esbanjo nem profano as que me são mais sagradas; e ao lê-las nos outros, se penso faltar propriedade na escolha, digo-os levianos, julgo-as profanadas. Porque a mais bela palavra é vazia se mal empregue; e esvaziar uma palavra é usá-la sem sentir; e dizê-la ou escrevê-la assim é mentir. Confude-me por vezes, mas conforta-me contudo, que me leiam as palavras que só sei escrever assim, e ainda me digam que sou doce, destilando dos meus significantes rigorosos um mel que diz que habita em mim.

Recompensa



Implica a ideia de reconhecimento por algo de bom que se fez, ou algo que se fez bem, a ideia de retribuição e de prémio. É oposto de castigo mas associa-se também à demora, à espera, como se o simples facto de se esperar por algo merecesse uma recompensa, talvez porque a espera quase sempre sabe a castigo. "En la lengua de Cervantes, el que no espera, desespera". Surpreendente, pois o mais popular é oposto: "quem espera, desespera" - e também se diz em Espanhol. Verdade: em Português também dizemos em positivo, nos dias em que não carregamos o xaile da desgraça, que "quem espera sempre alcança", reforçando a ideia da recompensa. Espera-se por dentro da janela que a chuva passe, olhando para fora e sofrendo a demora em poder sair. Desespera-se, talvez, ao fim de um tempo, mas enquanto se espera com esperança, não nos desesperamos - sabemos que a saída será a desejada recompensa. Dir-te-ei, numa próxima contenda, que "el que no mira, no suspira" e é suspirando à vista do que se espera, esperando com esperança, que aguentamos o passar do tempo. Mas digo-te também que, se a esperança é um bom pequeno almoço, é também uma muito má ceia. Saberás, melhor que eu, que também se diz "en la lengua de Cervantes". Eu que me sinto mais parte de outra língua, gosto de me lembrar que "good things come to those who wait", mas sei que essa coisa de me deitar com uma ceia de esperança nunca me cai muito bem, por muita que possa ser a esperança, porque a mim sempre me faltou a paciência que, essa sim, é que merece recompensa.

* Foto minha

Sem Vermelho


Margaridas e laranjas, que esta terra é alegria e alimento, e ainda sofre pelo mal que lhe fizeram sob a enganadora bandeira da liberdade. Mas sim, concedo: dano colateral da necessária luta pela liberdade de mentes e palavras. Uns pagaram um preço mais elevado que outros, uns pagaram pelos pecados dos outros e, no fim, herdamos todos um rectângulo de terra que não vale nada, mas podemos dizê-lo à boca cheia. Uma terra onde a liberdade, afinal, não trouxe a prosperidade. Trouxe foi legitimidade ao abuso que sorveu tudo o que pode dos frutos, sem voltar a deitar a semente à terra. Que desperdício.


* Da foto, ver aqui

Esquina


A vida é uma surpresa constante, feita de ângulos inesperados, alinhamentos desconcertantes,  vértices de viragem. Vieste aqui mostrar-me que o amor existe, e só depois de partires aprendi a lição. Quero acreditar que foi também debaixo dos teus olhos atrás das núvens que vi a esquina do tempo que me sopras que dobre sem medo. Quero acreditar que foi no eco dos teus passos protectores que ganhei a coragem de sorrir às núvens, porque olhei para cima e vi o azul por trás delas. Quero acreditar que aqui tinha de vir beber a pureza de ti, de mim, para que ouvisse o teu sopro no meu ouvido sussurrando que vai correr tudo bem. Quero acreditar que quiseste que fosse aqui que despontasse a primeira raíz da árvore que - quero acreditar - sabes que me trará o fruto do amor.

* Da foto, ver aqui

De regresso, até já

E pronto, lá vou eu para o meu sacrifício Pascal, de malas aviadas, lanche para o caminho, e com uns quilómetros pela frente, aturar uma tribo a que pertenço mas não é a minha, a bem da felicidade do meu miúdo. A euforia da expectativa é tal que, sabendo que o vou buscar ao colégio umas horas depois do almoço, me disse que quando acabasse de comer ia esperar por mim na portaria. Anda em contagem decrescente de dias há duas semanas, já fez planos para o que vai fazer, escolheu criteriosamente que brinquedos levar. Sei que ele adora lá ir e assim não me importo de aturar aquela tribo allien, porque ali tenho raízes profundas e ali moram memórias doces - pese embora se recordem com a tristeza da saudade. E assim, enquanto ele constrói as suas memórias felizes, e eu recordo as minhas, aquele lugar é, para ele como para mim, um lugar onde queremos sempre voltar - e fazêmo-lo juntos.

"the werewolf, somebody like you and me"


"(...) Cryin' nobody know, nobody know, 'body knows
How I loved the man, as I teared off his clothes
Cryin' nobody know, nobody knows my pain
When I see that it's risen, that full moon again (...)
";

Nunca podemos fugir da nossa natureza, mesmo que não queiramos render-nos. Podemos, quanto muito, aprender a reconhecer os sinais da vertigem e fugir, procurar o isolamento onde possamos não magoar ninguém além de nós próprios. Não nos muda, mas esse medo e essa dor de ser como somos,  define-nos tanto ou mais que as garras que nos nascem em noites de lua cheia. "All through the night, until the light of day, and we're doomed  to play".

Quero

Quero a tranquilidade do mar, a cadência das ondas num embalo, o ar fresco que me deixa respirar e o sabor a sal que me pacifica dentro. Quero a paz do azul matizado de cinza ao longe, na melancolia pacífica da eterna distância. Quero o eco do silêncio submarino, o enigma de tudo por explorar. Quero o toque suave da água e a leveza da brisa, quero a paz em calmaria. Mas quero o turbilhão do inferno, o estremecimento de um abanão, braços e boca que me tiram o ar de dentro, os pés do chão, os gritos da garganta. Quero o vermelho tingido de sangue que ferve, na paixão tumultuosa de uma presença inadiável. Quero o ensurdecedor rugir de posse, a certeza que desbrava tudo. Quero o toque que vinca a pele e a fúria do tornado, quero a guerra com valentia.

Um amor, por muito que seja, por mais puro e doce que se afirme, se é só mar, simplesmente não me chega. Quero mais, quero tudo, tudo o que sei que existe. Quero uma dose de paixão desenfreada para outra de amor puro. Paixão sem amor do outro lado já quase me matou, mas amor sem paixão de qualquer lado não me deixa viver. Quero os extremos, à imagem e semelhança do que sou. Quero a loucura de continuar a sentir que mais louca seria se aceitasse menos que a plenitude. Quero a seda fria e suave para adormecer e quero o cobertor quente e áspero para não desvanecer. Lentamente me consumo e mato com o veneno desta dualidade. Quero desesperançadamente acordar em liberdade.

Realidade Infantil

Curtas de um fim de semana de Mãe.

"Não seja implicativo!" (depois de meia hora a fazer-me a paciência em água). "Não sou nada!" Amua e pausa de 10 segundos. Tom de desafio e indignação de novo: "Para já, nem sequer sei essa palavra. Mas não sou nada isso!" 

"Podemos jogar, Mãe, podemos?" (vinte vezes). "Sim , está bem, aqui está a moeda" (jogo parvo no centro comercial onde o levei a cortar o cabelo e que já jogamos antes, tendo eu, inabilmente, ganho o jogo dessa vez e, com isso, a medalha de uma birra de todo o tamanho). "Boa! Mas ó Mãe - desta vez não pode fazer batota. Tem de me deixar ganhar..." Lá ganhou e gabou-se ufanamente à custa do meu "unfair play". 

Às 07:45 da manhã: "Oh Mãe!... Porque é que interrompeu o meu sonho?! Estava a sonhar que estava a brincar 'nos paus'!" (é uma construção de madeira cheia de escadas, vigas e pontes que eles trepam simiamente). E eu no gozo: "Pois, mas não pôs nenhuma legenda cá fora para eu saber!" Risos. "Oh Mãe... (olhar paternalista) mas a Mãe sabe que eu nem sei escrever..." 

Portagens




"I don't want to hurt you
For no reason have I but fear
And I ain't guilty of the crimes you accuse me of
But I'm guilty of fear

(...)
It could be sweet
Like a long forgotten dream
And we don't need them to cast the fate we have
Love don't always shine thru


(...)
But the thoughts we try to deny
Take a toll upon our lives
We struggle on in depths of pride
Tangled up in single minds


Cos I don't wanna lose
What we had last time your leaving, this life ain't fair
You don't get something for nothing, turn back
Mmmm gotta try a little harder

(...)
It could be sweet"

Literal

Dei-lhe as respostas possíveis, tendo ressurgido a conversa da morte. Ele tem 5 anos, não é altura para grandes metafísicas. Mas tenho que ter cuidado em não contrariar o que o pai já lhe disse (e diz sempre demais), por isso tenho de ir tentando perceber o que ele já ouviu. Os dilemas, desta vez, eram o facto de ser ou não verdade que o "céu" é um sítio bom e se realmente "todos temos de morrer". Pois. O melhor é aligeirar a coisa, portanto digo-lhe que sim, que o "céu" é um sítio fantástico, onde estamos sempre felizes, e que sim, todos nós temos a nossa hora, que não podíamos viver até aos 200 anos, se não ficávamos tão velhinhos, tão velhinhos, que nem nos conseguíamos mexer. Ele começa logo a fazer filmes, com a ideia de sermos velhos de 200 anos, que não podíamos isto, e não podíamos aquilo, (e mal sabe ele que pouco podemos mesmo ainda antes dos 40), e sobre o que se passaria no "céu" para ser tão divertido. "Há escola?" "Podemos jogar à bola?" Não, acho que não há escola, e sim, podemos jogar. Remata com a pergunta: "mas com estes pés e com uma bola à séria?". (Oh shit.) Bem, não com estes pés, não precisamos deste corpo para nada, quando vamos para o "céu". "Então como é que chutamos a bola?" É que levamos o que temos por dentro do corpo, que é o sítio onde sentimos alegria e que nos faz sorrir, por isso fazemos as coisas todas de maneira diferente. "Pois. Mas só quando morremos". Sim. Pareceu satisfeito, mudou de assunto, e passadas umas horas quando o fui deitar li-lhe um livro como sempre. Desta vez, escolheu a história do Tarzan, que começa logo com a gorila Kala, que acabou de perder o filho, a ouvir um choro de um bebé a quem morreram os pais. (Is this twisted or what?) Estava eu a tentar passar aquilo depressa (e a pensar: a morte outra vez, God damn it!), e ele interrompe-me para perguntar: "Mãe?... A que horas é que a mãe vai morrer?"... 

Pronto, não consegui evitar escangalhar-me a rir. Levou à letra o todos termos "a nossa hora", achou que quer dizer que temos todos a morte agendada. A ideia não anda muito longe - essa hora é inevitável, está, de facto, agendada, não sabemos é para quando. De forma que, entre risos e mais disparates, lá lhe digo que ainda falta muito, muito tempo, e que não vale a pena ele pensar nisso. No meio da galhofa, acho que era isto que ele precisava de ouvir. Acho que o que mais o assusta é ter de se deparar com a experiência da morte na sua vida e espero que isso seja - mesmo -, daqui a muito, muito tempo. Acho que, pelo menos, a ideia não o atormentará mais por agora, mesmo que continue a explorar o conceito. E pelo menos enquanto depender de mim, a verdade vai-se explorando de permeio com risos e brincadeira. Sei que nem todos concordam, mas eu acho que é legítimo, é necessário, ser menos rigoroso e preciso na discussão das coisas mais crueis da vida, enquanto eles não têm de as enfrentar com a brutalidade do sentido literal. Mas ao mesmo tempo é preciso cuidado, porque eles levam as nossas metáforas e eufemismos ao pé da letra.

Um Caminho no Céu

Começo a pensar que talvez tenha prevertido o papel do blog, ao criar uma clivagem ainda mais marcada entre o que sou e deixo aqui, e o que revelo lá fora. Com o tempo, fui-me convencendo cada vez mais que o meu mais profundo, e talvez o meu melhor, só pudessem ter eco aqui. Numa primeira fase, exposto ao mundo que me foi encontrando e que eu fui procurando, mas depois de paragens e recomeços, também aqui cada vez mais resguardado, protegido, solitário. No fundo, talvez me tenha convencido que o que sou mesmo por dentro não tem espaço de existir, em plano nenhum, senão mesmo por dentro. Mas ao mesmo tempo continuo a sentir necessário encontrar-lhe uma porta de saída. Talvez já não de entrada. Sim, talvez seja essa a diferença.

Estão por aí espelhados os meus paradoxos e idiossincrasias. Estão por aí expressos os meus dilemas, o  relato das minhas expressões mudas de Mona Lisa nos frente-a-frentes da vida, enquanto por dentro fervem as palavras que depois aqui param. Tenho total consciência de que continuo sem qualquer vontade, ou mesmo capacidade, para me expor olhos nos olhos, continuo a precisar dos meus véus, pese embora a solidão a que me condenam, e apesar de saber que são razão de incompreensão. Mas, acontecimentos recentes, levam-me também a pensar que, afinal, mesmo para quem não sabe que o que está debaixo do meu véu se pode ler aqui, passa na transparência algo mais do que pensava, e algo que os leva a querer mesmo levantar o véu, devagar.

Como alguém me dizia recentemente, deixamos um rasto. E é verdade: deixamos marcas da nossa passagem que são pistas para o que temos dentro. Um olho atento, interessado, chega lá sem ler palavras. É como o fumo branco de um avião que rasga o céu azul, que assinala a sua passagem e onde podemos discernir em que direcção passou. Alguns procurarão no horizonte, nessa direcção, saber-lhe a cor e a forma, interessam-se pela sua rota e destino. Outros não o farão. E afinal parece que há quem ache que o rasto que deixo na superfície do ar merece ser seguido. Afinal, deixo de mim um rasto que, não sendo tudo o que sou é de mim, e é caminho para quem realmente aqui quer chegar.


* Foto minha

Prólogo

Rumino para aqui a sucessão de acontecimentos recentes, sabendo que tenho algo de importante a destilar disto tudo, mas sem lá conseguir chegar com clareza. Volta e meia surgem uns pensamentos, umas frases, às vezes só para mim, às vezes em conversas com terceiros, e estupidamente deixo fugir, penso que devia escrevê-los, fazer uma colagem de frases soltas escritas a azul céu no meu bloco de capa preta. E juntar-lhes os textos, dos emails, das mensagens, pelo meio desta correnteza de coisas que me atravessa. Uma história, afinal, escreve-se assim. E é uma história que se está a escrever, com a suberba imaginação com que a realidade nos surpreende. Desde logo por começar com um encontro improvável de duas pessoas que não se conhecem nem vivem na mesma cidade. Cruzam-se por acaso, encetando a comunicação num impulso que ninguém entende. Em pouco tempo partem para um encontro a dois, encontro que demorou, até ao dia em que a história os colocou na mesma cidade. 

A primeira palavra de impacto: "adorable" - escreve-me ele sobre uma resposta minha. Digo-lhe que não sei o que teria de "adorable" - e acrescento: but that's such an adorable word! Ele confirma: que sim, adorable is indeed a nice word and should therefore be used with no fear! Depois, já na mesma cidade, já na língua mãe que tem sonoridades diferentes para um e outro, um café estende-se para um jantar, horas de conversa fluida a confirmar uma pessoa, para além de muito interessante, extremamente agradável. Uma simpatia, confidenciava eu a medo. Uma companhia simplesmente encantadora, escreve-me ele logo depois. Confirma no dia seguinte ao vivo e vai escrevendo, vou respondendo, vão-se somando as palavras com os dias. Depois a partida. Adorei conhecer-te. Gostaria muito de te rever. Depois a presença possível na distância. Boa noite, querida. Um belo dia para você, querida. Beijos de novo de Paris. Vão chegando, palavras, imagens e beijos, em diversos suportes, enquanto avança a história, e hoje chegam manuscritos em papel pesado, num envelope com selo e carimbo de outra cidade, mas são estes os beijos que agora me deixam com a sensação de que a história cresceu e já tem um passado. E um futuro tem de ter, seja ele qual for, porque este texto não está acabado.

Com propriedade musical



Pode ser cada dia, se fizermos do anterior o último.


Adenda

Os meus colegas despediram-se de mim com beijos e abraços e todos com um positivo "até amanhã".

Conduzi meia hora a chorar e a rir ao mesmo tempo, mas sem que uma coisa fosse razão da outra, tipo filme muito mau. Vou ter saudades deles, pronto.

Sigo


E esta verdade nunca fez tanto sentido como hoje. É, afinal, o último dia daqueles "a doer" de que falei há tempos, uma saída esperada e desejada, ainda que envolta, como qualquer partida, na tristeza das despedidas. E tem o peso do erro, pois foi mais um projecto em que acreditei, pelo qual lutei, e que tive que acabar por admitir que tem falhas sem emenda possível, que não tem  futuro.

Mas, ao fim de quase um ano, desta partida junto os abraços sentidos de quem viajou comigo e me quer guardar por perto, junto como preciosos tesouros as palavras que me dizem e escrevem, a tristeza das suas próprias despedidas, os elogios que, mais do que massajar o ego, me dão a serenidade do sentido de dever cumprido. Colegas que se tornaram amigos e me consideram, e me respeitam, e que se pudessem me seguiriam. E mais ainda, de forma inesperada, de um cliente, obviamente satisfeito, que além de palavras de apreço, como as de outros tantos, me abre uma oportunidade sobre o horizonte.

Salto daqui com rede, porque já tinha a decisão tomada há muito e já tenho um novo projecto. É certo que não é o meu ideal, não é nada que antecipasse no meu futuro profissional há alguns anos atrás. Mas é um projecto, um desafio, e uma entrada possível. Para andar para a frente, anything goes. Naturalmente, no entanto, é bom sentir que tenho essa rede, mas também hipótese de voos mais altos. Como me dizia esse cliente, "believe me, all things happen for a reason". E desta vez acredito mesmo, e acredito que será uma boa razão.   

Imagem daqui.

Paradoxal

Acho que quase todos os seres humanos são seres paradoxados. Há os que o assumem, e os que o escondem. Há quem reconheça em si as várias, múltiplas facetas, e as tente compreender e fazer conviver pacificamente, e quem as recuse e "mate" algumas partes de si a bem da aparente normalidade. Como se pudéssemos programar a mente e a alma, não sendo mais do que simples máquinas produzidas em série e obedecendo apenas a um rígido padrão. 

Na verdade, por sofrer de uma incapacidade crónica de aceitação de dogmas, a que se juntou uma certa falta de fé em várias coisas, e que reconheço que me leva à insatisfação e ao inconformismo também crónicos, passei toda a vida a sentir o impacto de ser “diferente”, como me classificam carinhosamente amigos de longa data que nunca entenderam algumas das minhas opções (e que também, na verdade, nunca tentei explicar). Nesta sociedade padronizada, fui "o caso à parte". Mas não é que seja corajosa ou alguma outra coisa admirável. É rebeldia, da mais pura, e até, por vezes, uma forma de arrogância. Porque a minha história prova que eu nem sempre soube decidir o que era melhor para mim. O que sei geralmente é por onde não quero ir, e com isso armo-me de valentia e saio da caixa, sigo para outra, e acho que não devo satisfações a ninguém a não ser a mim própria.

Ao longo de muitos anos rebelei-me contra as tentativas de “normalização”. Mas, mais tarde, acabei a fazer comigo própria esse papel, dando por mim numa vida que não me dizia nada. Soltei-me de novo, mas subsistiram vícios de lógica e de comportamento. Foi um longo caminho de conflito permanente entre razão e emoção, espartilhada numa caixa de auto-controlo forçado, perdendo a espontaneidade, para me tentar adaptar pensando, a certa altura, que isso era crescer. Cada vez mais racional, à medida que todos os erros resultantes das minhas decisões emocionais me eram apontados como exemplo do mal que me fazia, mas a enredar-me em erros racionais muito mais perigosos. Hoje, luto ainda a pôr em prática a distinção entre emoção e impulsividade, porque sei, em teoria, que nem sempre decidir com o coração é uma fragilidade e um erro. Comecei por seguir o coração sem pensar, depois deixei de o ouvir, e agora tento segui-lo também com o sustento da racionalidade, com ponderação, sem a tal impulsividade.

Mas é uma subtileza que ainda muitas vezes me tira o sono e me mergulha em dilemas complicados, porque logo que se mete a racionalidade na equação deturpa-se o som da voz emotiva. E a essa voz não podemos negar existência nem a podemos amordaçar - ou revolta-se um dia. Um ser humano não é uma máquina, não é uma inteligência isolada, nem é um ser que tem de caber numa caixa standard. É fundamentalmente um ser de emoção e consciência e, por isso, também, um ser de dúvidas, paradoxos e dilemas, de erros e, eventualmente, alguns passos certos. Um ser que evolui, que tem de evoluír, muito para lá dos limites de qualquer caixa. Mas custa. Não quero matar nenhuma parte de mim, mas custa mesmo fazer todas as partes conviver pacificamente, e às vezes, paradoxalmente, custa sentir que não se cabe em caixa nenhuma.

"The only means of strengthening one's intellect is to make up one's mind about nothing -- to let the mind be a thoroughfare for all thoughts." (John Keats)

No coração é quase igual, mas a batalha campal faz mais baixas, sobretudo quando luta com o intelecto.


Versão revista passados mais uns largos meses de guerra, de uma época que não era escrita aqui, e que, como sempre, se repete.

Felizes daqueles

Desconfio sempre das pessoas que acham que haver quem passe pior é quanto baste para mais ninguém se poder queixar. O "passar pior", naturalmente, é uma coisa relativa e subjectiva, como o são os problemas, por serem de cada um e cada um ter escalas de valor e sofrimento próprias. Não fica bem dizer "com o mal dos outros posso eu bem", não fica, mas porque é que ficará melhor se o mal dos outros é de natureza mais metafísica em comparação à natureza mais material dos problemas próprios? Acho, por um lado, uma tremenda injustiça e surpreendente que alguém conclúa que não faltar comida na mesa e conforto material significa uma vida feliz q.b. e "contenta-te". Parece que tenho de me sentir algo ridícula por achar que aquilo que não tem preço por ser de graça faz muito mais falta do que, por exemplo na infância, o bife do lombo e a colecção de brinquedos caros. Deixo-me ser ridícula, pois seja, que acho simplesmente redutor concluir que a felicidade humana se mede pela satisfação de necessidades físicas e económicas. Naturalmente, estando satisfeitas essas, todas as outras se podem apreciar melhor. Mas se as outras falham, as primeiras não chegam para definir ninguém como feliz. Aliás, há provas por aí de que as pessoas aguentam melhor as dificuldades práticas da vida quando não lhes falta amor, e já o oposto nunca vi acontecer, muitas vezes tendo até desfechos trágicos.

Uma vida de dificuldades económicas, de trabalho no duro, que se invoca como se de um estalo na cara se tratasse a quem não passou pelo mesmo e se queixa de outras faltas, mesmo admitindo que se conhece de facto o que viveu o outro, é de uma enorme arrogância e presunção, no mínimo. Porque uma vida assim, por si só, não faz de ninguém melhor que os outros, e usá-la como justificativo para que os outros não tenham o direito de se queixar, quando isso é na verdade uma queixa,  isso sim, é ridículo. Aliás, se alguém se arroga superioridade por ter tido ou ter uma vida difícil, segundo os seus critérios, e acha que tudo o que os outros perseguem de metafísico é irrelevante por comparação, para mim só pode ser uma pessoa pequenina e infeliz, que ainda por cima acha que ter uma vida miserável e infeliz é normal e superior, e que no fundo acha que ninguém merece ser feliz.

O conceito de pessoa feliz é abrangente e próprio. Mas para mim, sobre tudo o resto, o mais importante que temos a fazer nesta vida é não desistir de lá chegar. Com esforço, com determinação, com sofrimento. E seja o que for que se procura, se o caminho não é fácil, se é sofrido, se é problemático e azarado, é legítima a queixa, o desânimo ocasional, as lágrimas quando calha. É verdadeiro o sofrimento. E avança-se é assumindo-o como tal, vivendo-o, aprendendo com ele, reconhecendo que ainda não estamos lá, e tentando não perder de vista que a meta que se procura é ser feliz. Nessa meta, uns verão um valor material, uma conquista profissional ou intelectual, ou uma família feita de amor. Talvez conforme o que falta, ou não tendo nada, conforme dita a sua essência. Cada um é como cada qual, a cada um a sua verdade, a cada qual o seu tipo de felicidade.

Rede Estatística



Não tenho dúvidas hoje que, a partir de certa altura na vida, só se salta com fé, e a partir de certa altura na vida, a fé é uma improbabilidade matemática. Ainda assim, hoje o dia fecha a renovar-me a esperança de que, por alguma razão, no verso da improbabilidade, pode haver uma possibilidade.

Probabilística

A convicção é, aparentemente, que não podemos ser, decidir, amar, se não com a escolha de uma das faces da lua - emoção ou razão. E a vida parece que nos empurra à condenação do lado emocional como raiz das maiores dores, fazendo do racional o escudo de protecção.

Já passei pela paixão louca, contra tudo, contra todos, contra a própria razão, numa entrega surda e pura, de coração. No falhanço, destilei que daí resulta, inevitavelmente, a culpa de não ter ouvido “a voz da razão”. Havia, sim, coisas que “já sabia” e que ignorei, convicta de que um amor assim tão forte podia tudo. Podia nada. Também já passei pela construção racional de uma relação, convicta de que chegava a trégua mansa que sabia bem, sem borboletas na barriga. Na falha, acabei a destilar que, afinal, devia ter ouvido “a voz do coração”. Também havia coisas que “já sentia” e que fiz irrelevantes face à lógica sensata de uma coisa tão direitinha que só podia ser amor. Mas não, também não. Um aborrecimento, uma modorra, não pode ser amor.

Hoje estou presa numa terrível mas insofismável condição: não volto a alimentar relações sem verdadeira paixão, mas no início de uma paixão, dificilmente me liberto das premissas, seguras embora viciadas, da voz da razão. Somar racionalidade à realidade resulta em solidão, porque a realidade é que é extremamente difícil encontrar a pessoa certa e, ainda, haver paixão recíproca. Assim, mesmo quando se desenha uma possibilidade no coração, no meu perfeito “juízo” compenso com uma racional oposição. Tenho pena de não conseguir fugir a isso, porque tenho vontade de acreditar, de sentir, de correr o risco. Mas recordo inevitavelmente que cada erro que se faz na busca dessa quimera custa muito, tanto, demasiado, e um  instinto de sobrevivência atira-me com a estatística: é sempre um salto sem rede, ou sobre uma rede esburacada, e é imensa a probabilidade de acabar no chão estatelada.

Teatros

Volta não volta, vejo-me nestes dilemas de consciência, não sei se de falta, se de excesso. Tenho uma noção absurdamente clara dos meus limites, dos meus vícios, dos meus medos. Tenho uma noção claramente amarga do que esperar dos outros e da vida. A conjugação das duas coisas projecta-me em futuros espartilhados, raciocínios viciados e fugas, num guião de tragédia anunciada. Onde ainda por cima sou tão espectadora como personagem.


Nebulosa

Quero convencer-me que é o turbilhão das poeiras agitadas pela explosão de um novo começo. O brilho é difuso, o movimento é um pouco angustiante. Mas tenho de acreditar que é só uma nebulosa, um bocadinho de universo a nascer, a deixar estrelas a brilhar quando assentar a poeira. Como qualquer nascimento, envolve dor e medo, o romper de algo novo é sempre um processo brutal. Mas, na verdade, visto de fora, também é um espectáculo fenomenal.