Razão De Ser

Depois de ontem, acabei a pensar porque escrevo o blog. Alguém me disse recentemente que agora escrevo mais para os outros do que para mim, e por isso este blog agora cresce mais depressa do que o outro que criei primeiro, de acesso restrito. É verdade, e gosto que os outros me descubram e me respondam. Mas continuo também a escrever para mim, e por mim. Escrever num blog público, embora mantenha o seu "quê" de egoísmo, de exercício solitário, passa a ter um cariz "comunitário", como escrevi um desses dias, e ocorrem-me palavras como solidariedade e diversidade, "quês" que enriquecem o exercício e o benefício. O post anterior é exemplo paradigmático disso mesmo.

Escrever ajuda-me a encontrar, na articulação das palavras, o caminho da lógica. Sempre foi assim, sempre tive uma necessidade vital de transformar o que me rodeia e o que vivo, e o que sou, em palavras, em lógicas, em coisas com sentido. Por vezes inquieta-me, porque me obriga a escavar em mim. Às vezes entristece-me, quando releio o que escrevi e sinto o peso do desalento, ou quando mesmo com o exercício da escrita não consigo entender nada. Também me revolta outras vezes, ou dá eco à revolta que aprisiono e que, de repente, está ali à minha frente, articulada. Outras vezes é um mero exercício de compreensão do mundo, da realidade dos outros que me rodeiam, das coisas que vou lendo e que vou ouvindo e vou juntando como fiz no post anterior. E finalmente, à vezes, é uma forma de firmar decisões e festejar coisas boas que me acontecem.

No meu processo de redescoberta e crescimento, que espero venha a ser também de "encantamento", passei por muitas fases, a última das quais a zanga, a ira, uma ebulição de raiva a princípio indistinta e indireccionada, depois imposta a mim mesma. De certa forma, transferiu-se, tal como o blog dos textos que agora escolho para publicar. E descubro que muitos destes textos que escrevo aqui encontram eco, um eco que me devolve mais que palavras. Um eco que até já me devolveu abraços que sei sentidos e sinceros. Um eco que alimenta o meu pensamento, me dá outras perspectivas de vivências diferentes e a clareza da distância dos pormenores, e dá origem a mais linhas. Um eco que me enche a alma. Por isso me “transferi”.

Não sei se é assim para todos os que andam na blogosfera, imagino que cada um tenha razões diferentes para criar os seus blogs, alimentá-los, partilhá-los, e também para procurar pelos blogs de mais outros, e alimentá-los e dar-lhes eco.

Um desses amigos que aqui vêm com certa regularidade acrescentar os seus pontos, deixar confortos e incentivos de ânimo com bom humor, ou simplesmente espicaçar os meus neurónios (e fá-lo com sucesso!), e que sigo na blogosfera diariamente por várias razões, entre as quais a forma mágica e única como escreve, publicou este texto. Não sei se é representativo da “maioria”, mas é representativo para mim. Identifico-me com muita coisa.

Fala-se em solidão na blogosfera, mas eu não acho que seja essencialmente isso. De facto, encontrar quem nos entende, quem se identifica, quem nos mima e apoia, faz-nos sentir menos sós (e menos doidos também..) na vivência emocional de coisas que nos fazem sofrer e que por vezes não queremos “dizer” a ninguém. Mas prefiro pensar que é sobretudo pela vontade de crescer com os outros, abrir-nos ao mundo, às tais diferenças de opinião e perspectivas frescas e distanciadas. Para mim, e acho que para muitos outros, é sobretudo vontade de pôr à vista e à prova, mesmo que na sombra do anonimato de um nick, a essência do que somos. Foi por isso que chamei ao meu blog "destilado", a tal "aguardente do que sou".

E com o retorno positivo, os outros a fazerem-nos sentir que essa essência interessa, tem valor, traz alguma coisa ao mundo, a darem-se ao trabalho de nos tentar ajudar com um contra-argumento, "food for thought", uma visão diferente, ou até uma piada, sentimo-nos muito melhor na nossa pele, porque sabemos que esse interesse de amigos anónimos, é por razões absolutamente puras, pelo caroço de nós.

Por isso, a razão de ser deste blog, e estou certa de que de alguns outros, é descobrir, ou redescobrir, e partilhar, o melhor de nós e o melhor dos outros. Uma das descobertas mais enriquecedoras desta dinâmica, para mim, é sem dúvida os seres humanos fantásticos com que me vou cruzando por aqui - que também lhes vejo o caroço. E a esses, vocês, muito obrigada. Voltem sempre, que isto faz-me muito bem...

13 comentários:

1REZ3 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
1REZ3 disse...

(O comentário anterior foi meu mas tive que fazer uma correcção)

Continuo sem entender porque consideram que quem tem blogue não está bem com a vida (esta li-a eu) e que trata a solidão por tu (esta também a li mas sob outra forma).

É certo que se começa a constatar que cada vez mais estamos sós na vida, mas mal seria que ser proprietário de um blogue fosse sinal de solidão.

Escreveres para aclarares é como falares sobre algo que te "atormenta". A verdade está sempre connosco mas nem sempre a percepcionamos se não quando a atiramos cá para fora e a "ouvimos" e não quando a "pensamos". :) (é só para o sorriso de ontem não morrer solteiro...)

PS: Para quem quer ser como a mf quando for grande até que te "safas" (muito bem) com as palavras.

mf disse...

Gostei da do caroço... É isso mesmo!
Quanto ao resto, estás a fazer caminho e, se te podemos ajudar, ainda bem. :)

O PS do Treze tem todo o sentido. Eu diria até que, à velocidade a que vais, acabarás por me ultrapassar! :)

CB disse...

Treze, concordo exactamente com o erro dessa percepção. Gostei da forma como traduziste o que escrevi de uma forma muito bonita "A verdade está sempre connosco mas nem sempre a percepcionamos se não quando a atiramos cá para fora e a "ouvimos" e não quando a "pensamos"." Às vezes percebo isso tão bem que até tenho uma tag "Sou mais esperta do que pensava"... Toma outro :)
Obrigada pelo elogio mas não me posso comparar à mf... ainda! Mas ela inspira-me e tem-me "dado a mão". Estou a aprender com a semelhança e com a diferença que partilhamos.

CB disse...

mf, a minha resposta ao Treze cruzou-se com o teu comentário! :)
Obrigada pela ajuda, que sim, é ajuda, e pelo elogio também... Mas como escrevi mesmo agora, estou ainda a prender, contigo, mas tenho muito caminho ainda para percorrer...

LBJ disse...

Um dia destes tenho que me zangar contigo, se não paras de me elogiar :) Claro que o meu ego transborda e eu até preciso de ganhar peso… e gosto sim de desafiar os teus neurónios e a principal razão é porque os tens e fazes bom uso deles.

Por muito que se fuja disso e se negue, um blog é sim um artefacto solitário, mas um acto solitário que se expõe como uma flor que se não for notada e regada e acalentada e polinizada pode secar e nós, ambos somos pessoas de sorte, ambos ambicionámos expor as nossas ideias, a nossa “arte”, a forma como nos sentimos, como vemos o mundo, o exterior e o nosso pequeno interior de reboliço e por um acaso do destino ou talvez não, um dia alguém nos descobriu e não se limitou ao silêncio da contemplação e interveio, fez-nos ver que estava lá, que apreciava o nosso acto solitário e de repente o nosso acto solitário tornou-se num acto de partilha e de comunhão, passámos a ansiar dizer e aquilo que dizemos acaba por sempre implicar uma pergunta, mesmo que não esteja lá a interrogação, ficamos à espera que nos respondam, que se concretize a partilha e essa é justificação suficiente para continuar a valer a pena alimentar um blog, essa passou a ser a minha motivação e penso que também será a tua.

Beijo.


PS: Vai à configuração do blog e desativa a verificação de palavras, não serve para nada e é cá uma chatice ;)

CB disse...

LBJ, não te zangues comigo! Agora sou eu que te digo que não tenho culpa dos teus neurónios, nem de que escrevas o que escreves e como escreves... Obrigada pela parte elogiosa - isto é que é uma troca de galhardetes!
Concordo com tudo o que aqui dizes, e sim, também é a minha razão, essa partilha. E pronto, mais um galhardete, que o texto em si é fantástico, não há nada a fazer.
Beijo

PS: Obrigada pela dica dos comentários - já mudei ;)

1REZ3 disse...

Uma coisa é certa, com a "troca de galhardetes" que se verifica, sozinha é que não te podes sentir mesmo :)

CB disse...

Treze, pois não, tens toda a razão. :)

Pronúncia disse...

Princesa, as tuas dúvidas são as de muitos. Quando começamos a escrever um blogue público, fazemo-lo para nós, mas chega a uma altura em que, pelo Feed-back, que vamos tendo, pomos em causa se o que escrevemos é para nós ou para os outros.

Continuo a pensar que o que escrevo é para mim, mas agrada-me muito mais quando há do outro lado quem leia, quem pense no que escrevi e depois comenta. Penso que mais do que escrever, começamos a gostar da troca de ideias, das discussões e do tentar adivinhar como é afinal a pessoa que nos está a comentar. Acabamos por criar laços, afinidades, desafinidades com quem nos cruzamos neste mundo vitual. E isso vai influenciar a nossa escrita, quer queiramos ou não.

Afinal não é assim tão diferente da vida real! :)

CB disse...

Pronúncia, nem mais. Também me agrada muito mais quando tenho esse feed-back que referes, não só por gostar de saber o que os outros pensam sobre o que escrevo, mas também porque me dão sempre qualquer coisa mais, dentro desses laços que se vão estabelecendo, essas afinidades e às vezes divergências.
Dizes "Afinal não é assim tão diferente da vida real!" mas eu acrescento que, apesar da "virtualidade" da forma de nos relacionarmos na blogosfera, sabemos que somos seres humanos por trás dos nicks e os relacionamentos que aqui estabelecemos são mesmo reais. :)

forteifeio disse...

Aprender, escrever, ler, comunicar com pessoas que se revejam com a nossa pessoa e não as encontramos na rua ou no café, sensibilidades, tanta coisa. Mas o teu texto é muito melhor do que isto e está muito belo. Parabéns eu da minha parte gosto imenso de visitar este blogue e a forma como escreves.

CB disse...

Forteifeio, obrigada pelo contributo e pelo generoso elogio ao texto. Percebo que é isso que procuras também pelo teu blog (que aliás também sabes que visito). Fico de facto sempre contente por saber que gostam de me visitar aqui e, como digo no texto, volta sempre, que isto faz-me muito bem... Obrigada. :)