Fantasmas


Apesar de Pessoa ser o meu poeta preferido, há coisas dele com que não consigo entender-me. Por causa de um post de outro blog (fantástico e que podem ver aqui), voltei a uma dessas frases. Não acredito que “quem ontem fui já hoje em mim não vive”.

Porque acredito que somos verdadeiramente multidimensionais. Em tudo o que somos e fazemos. Somos passado, hoje, projecção de futuro. Somos corpo, mente, alma e espírito. Somos os erros que cometemos, os passos que acertamos e os saltos que queremos dar. Somos alegrias e tristezas, razões e impulsos, certezas e medos.

E os bocadinhos de nós lá atrás, mais os fantasmas dos outros do nosso passado, por vezes precisam de ser resolvidos e expulsos e, enquanto não o são, condicionam o que somos hoje. Eu tenho uma assombração muito difícil para resolver, um fantasma aterrador para expulsar, que me têm condicionado pela vida fora. É o meu "eu" e um outro da minha vida, quando eu tinha vinte e poucos anos, um bocado de vida tremendo que tenho feito por esquecer. Mas recentemente assaltou-me e esse assalto quase me destruiu, de novo.

Por isso percebi que, aos 35 ainda sou, também, um bocadinho dessa miúda de 20 e tal anos, que se sentiu um lixo, um farrapo, que viveu um tormento enorme e carregou pela vida fora culpas e vergonhas. Sabia que a tinha de largar, enterrar. Mas não sabia como porque era "ela" sem controlo, de repente, até numa madrugada de paixão, em que "ela" me fez gelar, apesar de arrebatada, nos braços do homem por quem me apaixonei. Gelar de medo. Medo de caír. Medo de morrer. E não fui capaz de enfrentar aquele momento, não fui capaz de lhe explicar. Vivi, aos 35 anos, uma verdadeira falha emocional. Fugi para dentro da minha concha, num instinto de sobrevivência. E assim me devastei e arruinei uma história que era linda.

Ao longo de meses fui forçada a arrumar essa "gaveta". Como já escrevi aqui, deitei fora quase tudo, "numa catarse que fiz em escritos soltos, num exercício de aceitação e fecho do passado. Muito embora saiba que o que fica não está na gaveta mas em mim, é parte do que sou forjada na dor que senti, e continue sem saber se saberei crescer o suficiente para enterrar também isso no passado e dar-me a mim, e a um novo amor, uma oportunidade de forjar algo maior, melhor, feliz."

Por isso percebo agora porque é que sentia tão vital conseguir criar o tal espaço de intimidade não física com esse homem por quem me apaixonei, e que senti que ele me negava. Entendi que só posso entregar-me a alguém que saiba de mim mais do que sou apenas hoje. Que conheça todos os eus que fui e os que somam o que sou hoje. Que saiba, especialmente, que essa miúda dos vinte e tal anos ainda está em mim e pode gritar de repente. Só assim, percebendo porque é que "ela" ainda existe, esse alguém pode, talvez, no momento certo, dar-me o abraço que preciso para a sossegar, e a mandar de volta para o passado, até a expulsar de mim. E expulsar o fantasma.

O difícil, é deixar alguém ver isso. Confiar. Pedir esse abraço, pedir o colo, confiando que esse homem vai pegar em mim e não me vai também deixar caír. Que não me mata. Há que não perder a esperança, e eu estou, por agora, determinada a não perder a minha. Mas sei que tenho de fazer este caminho, se o amor voltar, e que não é fácil. Tenho de encontrar a coragem para confiar, perder o medo de caír. O medo de morrer.

"Saber" isto hoje, já faz de mim mais e melhor do que há uns meses atrás.

4 comentários:

Pronúncia disse...

Princesa, isto é só e apenas a minha opinião, mas vou dá-la.

Nunca esperes que alguém expulse os teus fantasmas, quando tu mesma não o consegues fazer. Só quando tu os expulsares, até pode ser ou não com a ajuda de alguém, é que finalmente te livrarás deles...

Bom fim de semana ;)

CB disse...

Pronúncia, tens toda a razão e talvez eu não me tenha explicado bem. Sou eu que preciso de expulsar o fantasma, mas se ele surge precisamente quando me entrego a alguém, preciso da ajuda desse alguém - é só um abraço, algo que me faça sentir que não estou a reviver nada do passado, que estou segura, não vou caír. Que assim não me fecho na minha concha. Isto é uma coisa que eu não posso exorcizar sozinha.
"Tenho de encontrar a coragem para confiar, perder o medo de caír. O medo de morrer." E isso só acontece se encontrar alguém que entenda e que me faça sentir suficientemente segura para confiar dessa forma.
Esta é provavelmente a coisa de mim mais difícil de explicar.

Anónimo disse...

Não vai voltar, porque tem um nome bem risível de bicho de estimação. Olhaste-o nos olhos há um tempo, exorcisate-o em catarse e domaste a bicha que não te vai mais incomodar as visitas quando entrarem no Hall. Está lá, mas quem manda agora és tu. "-Roll over , play dead e apanha a bolinha..."

CB disse...

Anónimo,
Ahahahahahah! "Roll-over, play dead e apanha a bolinha" é muito bom!...
Agora a sério, a sério, também espero que não volte mesmo nunca, nunca mais... E obrigada pela ajuda. ;)