Um dia não são dias

Hoje apetecia-me ter podido chegar a casa sem pensar em practicalidades. Apetecia-me uma boa música a tocar e uma companhia para uma daquelas conversas abandonadas, com silêncios, mas com alguma risota, algumas profundidades, sem grande nexo ou preocupação de articulação de ideias. Aquelas conversas em que se vai dizendo o que nos vem à cabeça e nos vai na alma, e vamos ouvindo o mesmo registo, e de mansinho vamos dizendo e ouvindo as coisas mais verdadeiras de nós. A conivência de um momento de retempero merecido, após um longo dia cansativo e uma semana que ainda vai a meio e já pesa. Partilhar uma garrafa de um bom vinho e deixar-me levar devagarinho por tudo isso: a música, a companhia, a conversa, o vinho. Sem pensar em mais nada. Sentir-me relaxar, sentir-me confortável, e segura, e acompanhada. Acompanhada não só por uma presença, mas por esse confortável abandono partilhado. A verdadeira intimidade.

É disso que sinto mais falta.

E agora a realidade... (imaginem uma agulha a atravessar um disco de vinil)...

O que tive foi a correria do trânsito para ir buscar o miúdo, a luta do estacionamento, o carro longíssimo de casa, negociar o caminho entre as pedras da calçada centenariamente mal mantida, do alto dos meus saltos, hoje bem altos (quem me manda a mim ser fashion). O miúdo todo ranhoso e rabugento, a espernear para ir para o banho, a espernear para saír do banho. O jantar, a cozinha suja para limpar e arrumar. O miúdo a rabujar com a comida, com os medicamentos, com a hora de ir para a cama. Uma montanha de histórias para dormir, e “a mãe tem de ficar aqui a dormir comigo”, eu toda torta na cama minúscula, a ver as horas passarem até ele adormecer e a pensar no que ainda tinha de fazer. Carregar a máquina de lavar, preparar roupas e mochila do dia seguinte. Basicamente, cheguei a casa e o que tive foi mesmo um monte de practicalidades, imperativos da rotina de uma mãe e dona de casa.

E agora uns minutos para escrever e dar uma vista de olhos por aí, e o cansaço e o sono já não me deixam força para mais. É verdade que ainda tive uns momentos bons - fartei-me de rir quando o meu miúdo deu largas à imaginação a descrever as nossas supostas férias na neve lá para a época do Natal. Mas hoje não era bem isto. Um bocadinho ao lado....

Enfim, lá está... Posso sempre sonhar. E hoje se me tirassem o sonho, tiravam-me quase tudo. Levavam-me a esperança de dias melhores. Mas um dia não são dias e isto é só um desabafo.

10 comentários:

Anónimo disse...

E que a vida nunca te leve a ficar sem eles, os sonhos...

CB disse...

John Doe,
A vida pode levar-me muitos sonhos, que levou e leva, mas eu não me deixo levar pela vida enquanto tiver força para sonhar.

LBJ disse...

Princesa,


Musica, boa companhia, conversas e silêncios e… Um bom vinho, ora ai está uma definição de um bom sonho…

Descansa e até amanhã…

Pronúncia disse...

Como bem dizes "um dia não são dias"

Descansa. Dorme bem.

E podes ter a certeza que melhores dias virão. Além disso esse sonho nem é dos difíceis de realizar. Vais ver que um destes dias a surpresa está por aí! ;)

CB disse...

LBJ,
Bom dia! É um bom sonho, pois é... Obrigada, descansei.

CB disse...

Pronúncia, obrigada e espero ser surpresa sim... como podes ver pelo post seguinte, que até publiquei por causa da resposta que me deste no teu blog... ;)

Anónimo disse...

Quantas e quantas vezes já senti isso. Dias que nos pesam sem motivo aparente, a não ser o mais doloroso de todos: a ausência de um bocadinho de magia, algo que nos massage o coração. Só nos resta esperar... e fazer a mochila do miúdo sem nos esquecermos de nada, principalmente de nós...
Continuo a seguir-te Princesa.

CB disse...

Imaculada, obrigada... Eu também te vou seguindo e lá vou deixando umas coisas de vez em quando - mas às vezes sinto-me tão intrusa, que não tenho coragem... Não te esqueças tu também de ti - e dos sorrisos! :)

Anónimo disse...

Nunca serás uma intrusa! Gente como tu é companhia, nunca intromissão.

CB disse...

Obrigada Imaculada... Também gosto de te saber por aqui. :)