É só meu


Saí do escritório envolta numa núvem negra. Pesada. Assim se asfixia por lá nestes dias. Mas aconteceu uma coisa espantosa: uns poucos metros depois, ao cimo da rua, deparo-me com um arco íris mesmo à minha frente. Era ténue, mas eu vi-o. Deixei o carro rolar pela estrada abaixo mais lentamente, enquanto olhava para o céu à minha frente. É incrível como certas coisas retêm a magia da infância, mesmo quando são já fenómenos cientificamente desvendados.

Claro que depois vieram umas gotas de chuva. E a partir daí foi um non-stop de tarefas e chatices. Mas retive uma certa serenidade, até boa disposição, e quando o dia chega ao fim, não penso na núvem, nem no pulinho ao supermercado que se tornou num martírio de uma enorme fila na caixa, nem na meia hora de voltas para arranjar estacionamento, nem no miúdo que adormeceu nessas voltas depois da seca do supermercado e com quem tive de negociar habilmente, para que se dignasse sair do carro e ir pelo seu pé até casa. Não penso na correria do banho já atrasado, e mais a negociação da lavagem do cabelo, nem no jantar menos saudável que tive de fazer à pressa, nem nas fardas que ainda tive de engomar, nem na empregada que foi para o Brasil e não sei se volta. Deito-me a pensar naquele arco-íris. E penso que foi só para mim.

Às vezes, somos irremediavelmente egoístas. Não há como a satisfação de saber, ou sentir, ou tomar, uma coisa bonita por nossa. Não há como não sorrir ao pensar que alguma coisa mágica é só nossa, ou é só para nós. Mesmo que esteja ali para todos verem, muitos passarão sem reparar, sem dar atenção, sem tomar por sua a magia. E por isso, nesse sentido, aquele arco-íris foi meu. E de vez em quando tenho uns assim.

Este blog tem poderes mágicos


Há uns tempos atrás, escrevi um texto desejando-me um turbilhão, outros braços e vôos por aí. Na mesma noite, dei um trambolhão, fui carregada em braços por vários seguranças, e fui a voar baixinho para o hospital com um pé partido. No dia seguinte, até escrevi um texto que intitulei “Be carefull with what you wish for”. Quem não seguiu ou não acredita, é clicar nos links de prova.

Recentemente, inspirada pelo impulso incompreensível de ter salvo um livro em vez das coisas práticas e lógicas, quando uma onda imprevista avançou sobre mim no areal, escrevi que precisava de um pequeno tsunami privado, e já agora um tornadozito a seguir. Cinco dias depois, estou perante um tsunami “in motion”, e onze dias depois ando a voar em rodopio, a espalhar ecos ao vento.

Portanto, chego à conclusão que este blog tem um poder absurdo de me concretizar vontades, embora tenha um retorcido sentido de humor na forma como o faz, que chega a ser cruel, ou talvez uma certa limitação de compreensão. Assim, resolvi escrever, da forma mais simples e clara que consigo, exactamente aquilo que quero. A ver se é desta!

Querido blog mágico:

Quero que o tsunami que já não posso evitar me deixe de facto num sítio melhor, que me permita seguir num caminho que me faça mais feliz, mas que seja rápido lá chegar. Quero que me faça entender o que é realmente fundamental, sim, mas que para isso não me leve todos os supérfluos, que eu na realidade não os quero largar todos – só quero aprender a dar-lhes o real valor, basta a ameaça de os perder que eu sou muito boa aluna. Vá la vêr se isto se percebe melhor assim, e se ainda vamos a tempo de isto não me deixar mais angustiada, boa?

Quero realizar o amor, o amor inteiro,
aquele que é o tal último, recíproco, completo em todas as dimensões. Quero tirar os pés do chão, mas sem rodopios e sem quedas dolorosas, nuns braços que me acolham num aconchego sem perguntas, e que me saibam tomar de e com desejo ardente, mas olhos nos olhos, sem hiden agendas, num caminho com futuro, que não seja nem só de pele, nem só de alma. Mas não, percebe bem: eu não quero esperar até aos 70 (e também dispenso as cataratas, já agora para saberes). Era assim coisa para mais perto. E também não me apetece ir agora para chás dançantes, portanto, que tal se desejar antes que ele me bata à porta ou tropece em mim na rua, assim tipo para a semana? Boa? Mas atenção que o tropeção não cause danos físicos!

Obrigada. Prometo continuar a alimentar-te.

Princesa



E agora, pózinhos de perlimpimpim! 1... 2...

Let's Tango


Gosto de dançar contigo. Sinto que dançamos realmente como um par. O enlace que nos une os corpos é perfeito. Consigo soltar-me e seguir-te, sentindo no teu toque e no balanço do peso dos corpos por onde me queres levar. Sabes que me levas para onde quiseres, e que me rodopias tantas as vezes quantas as que puderes. Pois é... Mas é bom, foi tão bom... Voar nos teus braços sem saber para onde vou. Mas o meu corpo sabe, sabe sempre, sente e segue o teu corpo, sem perder nunca o equilíbrio. Uma sintonia estranha instala-se, e o desejo de manter o enlace faz o resto para que não nos desprendamos e não nos desencontremos. Na pista de dança, pelo menos...

Mas falta-nos dançar um tango, sabes? Sim, imagina... A forma mais sublime de uma dança de par, de uma dança de amor, que sei que podíamos dançar. Um tango não é só um monte de passos bonitos, e uns quantos floreados mais ou menos acrobáticos. Um tango é emoção pura. É paixão, desejo, luxúria, ciúme e ira, e ternura e amor. E a música que quase hiptoniza, que vibra por dentro enquanto alterna entre momentos de doçura, que se traduzem em movimentos lânguidos e suaves, e momentos de stacatto, com passos marcados com som no chão e ritmo acelerado. É os nossos corpos a moverem-se em sintonia de encaixe amoroso, fluindo num desejo sereno de abraço com ternura, espelhado pelo olhar. E os nossos corpos que se repelem para logo depois se prenderem com fúria, num impulso de desejo irrestível, que se expressa na força quase violenta com que se agarram e se puxam um ao outro.

Cada um dança um tango de forma única, e tenho a certeza de que cada um que se dança há de ser único. Porque um tango, a sério, só depende do sentir - da música e, sobretudo, do outro que se tem nos braços. É muito mais que uma dança. É a linguagem autêntica do corpo e da alma. Nós nunca dançamos um tango, mas sempre que dançamos foi assim. Talvez por isso nos consiga imaginar tão facilmente nesses passos de dança de paixão.

É. Tudo isto porque ouvi na rádio que a TAP pode vir a voar directo para Buenos Aires. É uma das viagens que quero muito fazer, mas não a quero fazer sozinha. Pensei logo em ti. A primeira coisa que me veio à cabeça foi uma imagem de nós enlaçados num tango. Por uns momentos, enquanto corriam os últimos quilómetros do meu regresso a casa, embalei-me nesse sonho. Quase te senti... Talvez seja o mais perto que alguma vez chegue desse momento. Mas soube-me tão bem aquele bocadinho de ti.

Não sei dançar o tango, mas vou aprender. Um dia há de haver alguém que não hesite em se meter num avião comigo para ir soltar uma paixão assim numas ruas argentinas. Gostava que fosses tu. E, no entanto, não te posso propôr um “let’s tango”. Mas fico ainda a pensar, talvez um dia, quem sabe?... Até lá, e enquanto não danço, vou ouvindo. E sonhando a recordar.


In a manner of speaking
I just want to say
That I COULD NEVER FORGET THE WAY
You TOLD ME EVERYTHING
By SAYING NOTHING

In a manner of speaking
I DON'T UNDERSTAND
How LOVE IN SILENCE becomes REPRIMAND
But the way that I FEEL ABOUT YOU
Is BEYOND WORDS

Oh GIVE ME the words
Give me THE WORDS
That TELL ME NOTHING
Ohohohoh GIVE ME the words
Give me THE WORDS
That TELL ME EVERYTHING

In a manner of speaking
SEMANTICS WON'T DO
In this life that we live we only MAKE DO
And THE WAY THAT WE FEEL
Might have to be SACRIFIED

So in a manner of speaking
I just WANT TO SAY
That JUST LIKE YOU I SHOULD FIND A WAY
TO TELL YOU EVERYTHING
BY SAYING NOTHING

...

Ouvi num blog vizinho e não me sai da cabeça. Por isso veio aqui parar, e ao iPod também acompanhada de mais umas do mesmo grupo. Feliz coincidência. Há coisas assim.

Raisparta...



Quando alguém anda desde 4ª feira constipada, mas lá se vai arrastando para o trabalho enquanto se agravam os sintomas; quando o chefe desse alguém fica de cama na 5ª feira e também não vai trabalhar na 6ª; quando se piora de hora para hora e os colegas querem mandar esse alguém para casa; quando esse alguém vai ficando, na esperança de se aguentar e de que aquilo não piore; e de repente... recebe aquele SMS da DGS por causa da Gripe A...

... alguém se sente muito tentada a acreditar em teorias da conspiração e olhar à volta à procura das câmaras de vigilância! Há coisas do demo...

Mas alguém lá tem de se render às evidências de que tem sitomas de gripe e se sente doente, ir para casa para não espalhar mais virús por aí, na esperança de ser só uma gripe normal e não ser "A", e "que Deus a ajude" como lhe diz uma alma caridosa a seguir a uma série record de espirros ... E assim alguém tem pôr o miúdo a salvo (até 2ª feira pelo menos), medir a febre de hora a hora, rezar para que isto passe depressa, e incrivelmente, chorar por uma canja de galinha! "Raisparta", sim... Que isto agora não me convinha nada.

Não sei se peça mesmo...



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

("Súplica" de Miguel Torga)


... porque me habituei demais a viver dessa sede de sal. Mas gosto do silêncio, da calmaria, e sei que o sal das palavras já não me chega.

Outros Espelhos


Dou comigo a reflectir sobre o cliché de que a imagem de nós próprios é sempre distorcida em relação à imagem que projectamos. Talvez por isso às vezes conheçamos os outros melhor do que eles próprios, e os outros nos percebam mais que nós mesmos. Bem hajam os amigos verdadeiros que nos espelham sem distorções e nos ajudam a vêr-nos de fora, a encontrarmo-nos em nós. Alguns têm essa imensa generosidade e essa extraordinária capacidade.

“Alguns não conseguem afrouxar as suas próprias cadeias e, não obstante, conseguem libertar os seus amigos.(...) Assim falava Zaratustra”.

(Citação de “Quando Nietzsche Chorou” e a imagem é do Google - um quadro de Picasso entitulado "Mujer ante el espejo").

Fora de Jogo

Já me tinham dito que assusto os homens, afasto-os. Acho que é verdade, na maioria dos casos. O pior é que, ironicamente, os poucos que não assusto, assustam-me a mim.

É o quê? O jogo do poder?!

Talvez, sim. É um “jogo”, termos de escolher comportamentos sabendo que a relação custo/benefício não é fixa, nem líquida, e depende da escolha de outros. Sabemos que a soma do jogo pode ser diferente de zero e é isso que ambicionamos. Mas embora saibamos que ambos podem ganhar, sabemos que podem ambos perder. E sabemos ainda que, pelo meio, a generalidade é que há um que perde ou ganha mais que o outro, e às vezes um que ganha tudo e outro que perde tudo. Porque não se sabe o que quer o outro ganhar, não se sabe como vai jogar, e não se pode ter a certeza nem de que o outro joga limpo, nem de que seguimos uma estratégia vencedora. Eu habituei-me a não acreditar que do outro lado haja intenção de jogo limpo. Acho sempre que querem tomar alguma coisa de mim, por isso parto de pé atrás, não sou “amável” – e eles fogem. Se eles não fogem, fujo eu, porque se eles não têm medo de mim é porque não sentem o perigo de perder.

Ou seja, teoricamente, isto devia ser um jogo de cooperação a tender para o equilíbrio. Enquanto cada um retira uma vantagem, em equilíbrio, a relação permanece, ambos ganham. Um comportamento positivo encoraja outro comportamento positivo. Mas se um traír o outro ou não cooperar, vai ser castigado na ronda seguinte. É o chamado “tit for tat” e, se pensarmos bem, é assim que funcionamos: um não ligou, o outro também não liga; um convidou para almoçar, agora convida o outro; mas se um aceitou o convite e o outro não aceita o seguinte, então um já não liga nem convida mais. O outro faz o mesmo, nunca mais se vêem. Empatam-se e saiem os dois a perder. Game over.

Ou seja, o “tit for tat” gera ciclos viciosos, positivos ou negativos, e pode degenerar em impasses. Cada um fica à espera que o outro dê mais para avançar e nenhum se move. A única forma de desempatar é... perdoar. É o que pode permitir recuperar uma relação, não alimentando o ciclo de comportamentos negativos, antes dando estímulo para uma retribuição positiva. Não é o perdão cego, nem infindável. É o que eu chamo o perdão exponencialmente reduzido (sim, sou um bocado retorcida - haverá certamente formas mais lineares de traduzir isto). O que quero dizer é que é o tipo de perdão que se torna mais difícil, de menor probabilidade, à medida que aumentam as situações que o exigem. É perdoar à primeira sem questões, com castigo à segunda, com gelo à terceira, e não dar perdão à quarta. Alguns têm ginástica para meter umas quantas mais parcelas na equação. Eu nem por isso, confesso. Já joguei no perdão sem fim, e dei-me muito mal.

Agora, fujo para não perder. Para não ter de jogar na retaliação e na desconfiança de que não gosto, mas que são só do que sou capaz. Porque sei que se me apaixono tenho maior hipótese de perder, e perder mais. Porque sei que o amor não se impõe nem obriga a retorno. E sei o que dói dá-lo sem receber. Fujo, porque sei que percebo as regras do jogo, mas não sei, nem quero jogar.

Contagem descrescente

Esta semana é a última semana do passado da minha vida.

Forço-me um respiro fundo, bem fundo. Fecho os olhos concentrando-me do que tenho à fente, e tento perceber que sensação isso me traz. É um exercício que me ensinaram a fazer. Pode parecer coisa de bruxa, mas parece que resulta. Nesse momento, sinto uma certa leveza, até alegria, sinto que vai ser bom para mim. Mas quando abro os olhos tenho medo. Assusta-me o que tenho à minha frente, todas as incertezas, os cenários mais negros que já manipulei vezes sem conta na minha cabeça. E tenho de caminhar de olhos abertos.

Sei que daqui a uma semana terei de dizer que é o primeiro dia do resto da minha vida, que não sei o que me trará. Mas agora o desafio é sobreviver a esta semana. Não sei como, mas sei que tenho que chegar ao fim deste último pedaço de caminho. E sempre, sempre, vertical.

Escrevi...


... Todo o acidulado e todo o doce se dilui num suceder de ciclos da vida. Rebento verdejante a folha plena de verde intenso, até se dourar e tingir de tons de sangue e acabar no chão. Tudo é exaurível. Eu sou árvore de folha caduca...

Não é só nos textos dos posts que me desvendo. Numa simples resposta de comentário escrevo coisas que me fogem e que depois me perseguem, porque me surpreende tê-las em mim, afinal tão claras, e deixá-las fugir, afinal tão facilmente.

Sonhar é Fundamental



Pelo sonho é que vamos,
Comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
Pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria,
ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
-Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama


Também chamo a isto a força de acreditar.

Doce


Que dádiva imensa podem ser as palavras escritas. Que força extraordinária têm de ter para conseguirem saltar de uma folha ou de uma tela directamente para o coração. Que magia têm que ter para transformar a mera fonética que representam em acordes que vibram na alma e se espalham em sentidos corpóreos. Mas é: nas palavras que nos correm viajam sentidos. Mais que os significados e as linhas de pensamento, viajam sensações, emoções. Viajam, curiosamente, nos dois sentidos - aqui de direcção. Há palavras que se escrevem a duras penas e outras que se escrevem em paz. Há palavras que se escrevem e nos esvaziam, enquanto outras nos enchem derramando-se. E há palavras que se lêm com a razão e outras que se lêm com o coração. Destas últimas, há palavras que se sentem na pele, de que se sente o toque, o calor. Há palavras que podemos sentir como um beijo. Doce. Tão doce.

Excertos de mim #3 (adaptado)

Não existem verdades absolutas, mas existem verdades. E a verdade é sempre preferível à mentira, por mais crua e dura que possa ser a primeira e mais doce e suave possa ser a segunda.

Tento sempre alcançar a verdade dos outros, da mesma maneira que tento alcançar a minha verdade. Mas sentir com verdade e falar com verdade é apanágio de poucos. Agir com verdade, é ainda mais difícil. Porque às vezes impomos filtros de lógica ao que sentimos, espartilhando-nos em códigos que nos impuseram. Às vezes calamos a verdade que ecoa em nós, seja por cobardia, conveniência ou piedade. Às vezes agimos contra a nossa essência, a nossa verdade, por mais motivos dos que razoavelmente poderia discorrer numa frase. Mas essa verdade intrínseca não se altera, continua ali, apenas se encobre, se esconde debaixo de uma segunda camada de pele que é falsa, uma casca, que se não tomamos cuidado se torna mesmo uma segunda pele. Se não quisermos ver, ouvir e libertar em palavras.

Mas que atire a primeira pedra quem nunca pecou...

De dentro


As palavras arrastam-se, estendem-se languidamente pelo etéreo do pensamento. Às vezes, assomam quase à superfície, quase se materializam. Outras vezes ecoam no profundo da alma. É inútil, é absurdo, porque a realidade que traduzem em código não muda nem se adia.

Procuro agora, como sempre, um sentido. Penso na insatisfação, o descontentamento, o desconforto que sentia por carregar um destino de que reclamava mas tacitamente aceitava. E tento pensar, acreditar, que quando se fecha uma porta se abre uma janela. Sinto que esta agora é a minha janela, um empurrão, um safanão, que me permite pegar na minha vida e assumir um “basta” por mim própria. Que é altura de olhar para tudo com verdade, de me permitir o compromisso com a vida que me liberte para algo mais feliz. “Verdade” porque é preciso que eu agora seja realmente capaz de assumir o que me faz feliz. Tudo nos faz "falta", mas nem sempre pensamos naquilo de que podemos prescindir, e nem sempre descodificamos a escala de tudo o que fica entre o claramente indispensável e o francamente supérfluo.

É com o coração e alma que tenho de decidir, descodificar-me, temperando a decisão com a razão que, desta vez, não posso deixar levar a melhor. Só posso permitir-me bom-senso q.b., mas quero assumir o risco de dar o passo que me reflecte autêntica.

Tento pensar que não é uma espada o que tenho sobre a cabeça. É uma chave que tenho na mão.

In motion

Um simples momento, um milisegundo, e tudo muda. Um choque em onda percorre o corpo, o coração dispara e corre pela garganta acima. Há náusea, há tontura, luz ofuscante por todo o lado. O cérebro acelera e de repente os olhos absorvem por completo aquela realidade, ensopando a alma de grito que não se solta.

Há momentos assim, devastadores. Deixam uma faca espetada no peito, uma dôr por dentro das costelas que não permite um respirar fundo. A pele exala o cheiro do medo, tacteia-se a vertigem do abismo ali à frente. Os pés não caminham, as mão estão imóveis, a boca fecha-se com força para reprimir o eco do golpe.

Saber que está tudo a outro milisegundo de se tornar real é penoso. Uma realidade absurda que entra pela vida adentro, derrubando todas as peças do cerco pacientemente construído à volta da última peça. A respiração sustem-se na antecipação. Todos os músculos do corpo se contraem num último esforço de resistência. O sono foge, acossado pela angústia das dúvidas do “e depois?”. Mas aquela peça não tem salvação – o impacto está em marcha e é imparável.

Num milisegundo é preciso encontrar a força para não desfaceler. Para não gritar. Não chorar. É preciso pensar, raciocinar, forçar a lucidez ao cérebro para que este pense nos passos a dar, no que fazer, como caminhar.

E no momento seguinte é preciso acreditar. É preciso encontrar a luz ao fundo do túnel. Encontrar os prós, identificar as oportunidades, e acolher os desafios, reconhecendo os contras. É preciso encher as mãos com mãos de carinho, encher os braços com abraços de conforto, secar as lágrimas com ventos de encorajamento, encher a alma com esperança. E seguir caminho. Vertical.

Parte 8

(...)

E enquanto o combóio seguia para Norte, levando Sofia adormecida, Pedro seguia para casa entorpecido. Sabia que lhe tinha sido negado mudar o seu destino. Que não tinha escolha, ou salvação. Sabia que tinha de esquecer aquele dia e continuar a pagar a sua penitência de existência. Ler os emails e ouvir as mensagens, usar a cabeça para fazer o que melhor sabia: ilibar um criminoso e depositar o cheque no banco.

Apesar dessa constatação factual do homem racional que era, tinha tentado saber mais dela, tinha voltado ao hotel, até lá tinha mandado um detective particular com quem trabalhava por vezes. Mas o que sabia dela materialmente era muito pouco e não conseguira obter mais informações.

Num impulso, um dia meteu-se no carro e rumou a Norte, pensando infantilmente que o destino se encarregaria de permitir o reencontro. Passeou horas pela cidade, nas zonas mais antigas que poderiam encaixar com a breve descrição que Sofia tinha feito da sua rua e do seu prédio. Mas não a viu, não a ouviu, não a cheirou. Apenas sentiu, sabendo que ela estava ali, naquela cidade algures, debaixo da mesma luz e a respirar o mesmo ar que ele. E senti-la tão perto e tão perdida acabou por fazê-lo, finalmente, largar as lágrimas que a razão continha havia tempo de mais. Soluçou-a ali, incontrolavelmente, naquelas ruas escuras onde talvez ecoassem às vezes os passos dela, pensando que não havia melhor lugar para deixar o seu sal.

Depois voltou, à realidade, à sua vida, à sua cidade a Sul, onde prosseguiu os dois meses de trabalho intenso em que conseguiu habilmente dar a volta à má publicidade que o caso gerara, escudando-se em subterfúgios legais e capas de ética deontológica. Tinha afastado as dúvidas sobre a sua tese de defesa, que fora posta em causa com a publicação de umas cartas que a vítima teria escrito pouco antes de morrer. Pedro conseguira gerar suficiente dúvida sobre a autenticidade e proveniência das cartas para que o assunto deixasse de ser notícia. Chegava a passos largos a data do julgamento.

Mergulhava incansavelmente no trabalho e saía do escritório tarde e directamente para casa, onde se fechava na companhia de uma garrafa qualquer e da sua música a tocar. Breves instantes de paragem que usava para a tentar esquecer, mas que apenas a traziam para mais perto, mais real e nítida quanto mais a garrafa ficava vazia, a pairar desenhada no fumo azul dos seus cigarros. Quase sempre adormecia de exaustão na sala, onde acordava às vezes de madrugada, outras vezes já de manhã. E assim seguiam os seus dias, cada vez mais magro, cada vez mais cinzento, mais hermético, mas alheado. Algumas pessoas sugeriam que tinha um ar adoentado, que estava a trabalhar demais e que devia ir ao médico. Ele desprezava estes conselhos. Sabia que a doença dele era da alma, e que médico nenhum o podia curar.

Ansiava o julgamento daquele caso. Era mesmo como uma penitência, e uma de que ele se queria livrar o mais rapidamente possível. Queria fechar aquele capítulo, aquela história, não ter de pensar nela, instintivamente, a cada momento que tinha de dedicar àquilo. E finalmente chegava a data. No primeiro dia do julgamento tudo correu como pevisto e, nessa noite, pela primeira vez em dois meses, adormeceu na sua cama, sem garrafa por companhia. Sentia o fim perto.

Mas depois, em mais um dia de julgamento, um acontecimento inesperado atirou-o de novo para o turbilhão do pesadelo. O Ministério Público chama uma testemunha. Pedro lera o seu nome de passagem, pois estava arrolada numa longa lista e tinha lidado com a personagem nas suas teses de defesa – mas era um personagem abstracto, apenas um nome. E no entanto, por algum motivo que não entendeu, gelou ao ouvir chamar aquele nome com voz, o nome que já tinha lido sem comoção. E virou-se instintivamente para ver entrar na sala a irmã da vítima, Maria Sofia Atena Claro, o anjo de olhos verdes e cabelos côr de avelã dourada que lhe fugira meses antes, depois de lhe ter aberto a alma à luz do dia, deixando-lhe aquelas palavras e aquele beijo cravados no coração.

Sofia. Ali estava ela. Ali estava a razão da fuga tão desesperada. Ali estava o olhar da vítima a saír do papel da fotografia nauseante. Ali estava a promessa de redenção dos seus pecados, feita tormenta maior que o inferno.

(continua...)

Espaços


Fiz há pouco uma viagem rumo a sul, ao local onde passei os verões de que me lembro da minha infância, adolescência, e pimeiros verões quentes do início da idade adulta. Desta vez, na companhia do meu filho, na qualidade de mãe-divorciada. Regressei ao passado quando fomos e regressei ao presente quando voltamos. Estivemos duas semanas, fomos outros estes dias, vivemos outras realidades, ecoamos noutros espaços, mas reconhecemo-nos sempre no que somos e não muda, apesar das readaptações constantes a um ser em crescimento e outro em metamorfose. É constante o amor de que comungamos e conhecemos um do outro.

Ali andei uns dias também num canto escuro, caverna de ecos impartilhados. Precisei desse espaço. Precisei dessa gaveta só minha, fechada à chave com um cadeado inviolável. Precisei da liberdade de escrever sem condicionantes emocionais e psicológicas, com a liberdade do escritor eremita e sem público, produzindo textos para que logo a seguir se perdessem também de mim, sem outros olhos que os lessem. E ainda assim foi pouco. Foi pouco o tempo e poucos os textos que efectivamente consegui arrancar de mim e lançar para a inexistência.

Mas foi um respiro, um intervalo, de que precisava antes de voltar. E queria voltar e voltei para destilar outra vez, apenas essência, novamente com total liberdade e com a mesma autenticidade que sempre me exigi, sem condicionantes de espécie nenhuma, inclusivé das minhas próprias palavras de capítulos anteriores. Que me desculpem, mas não quero saber de consistências. Assumi este como o espaço que abri para me verter, o espaço que me permite delinear-me e entender-me, o espaço onde me sinto confortavelmente exposta. Na alma, só na alma, a essência que tenho procurado (re)descobrir.

Tenho outros espaços físicos onde me revelo mais completa, amizades de entendimento longínquo, apesar de algumas serem recentes. Não tenho medo de me dar assim a esses poucos, pouquíssimos, alguns dos quais até lêm o blog. Mas esse é outro espaço onde o caminho se faz a dois, dando e recebendo, com entrega e confiança recíprocas. Laying the bricks, one at a time, erguendo as paredes que imaterialmente definem essa construção.

O blog é o espaço onde sou eu só para mim, sem expectativas de retorno ou reciprocidade de quem, por algum motivo, me lê. E se desses alguns tiram daqui alguma coisa de positivo, pois sejam bem vindos, que regressem sempre, e se estiverem para isso, que me digam que andam por aqui, me dêm uma achega ou um safanão, me mandem um beijo ou um abraço. Acarinho-os todos, porque a amizade faz-se de partilhas e presenças, de construção dos tais espaços que não são físicos, cada um à medida do seu lugar próprio, e por isso também se faz por aqui.

Travessias


Na marcha pelo deserto eu sabia
Que alguns morreriam

Mas pensava sob o céu redondo
- Onde
O limite do meu amor da minha força?

E eis que morro antes do próximo oásis
Com a garganta seca e o peso
Ilimitado do sol sobre os meus ombros

Eis que morro cega de brancura
Cansada demais para avistar miragens

Eu sabia
Que alguém
Antes do próximo oásis morreria

(“Caminho" de Sophia de Mello Breyner Andresen)


Ainda acredito no amor, sim. Sei que existe e só não sei se um dia o realizo. E por um defeito genético qualquer, não consigo deixar de querer procurar, por uma loucura qualquer, sinto-me capaz de mergulhar inteira se ele me quiser receber. Mas é duro libertar-me da tortura de conhecer o sabor do que quero e não tenho. Pergunto-me se sobreviveria a esse mergulho de que me sinto capaz, pois continuo presa na convicção de que mais nenhum amor substitui aquele que me assolou, que mais nenhum homem substituirá aquele que me fez sua. Mas também não sobrevivo à apneia de esperar pelo que queria e não tenho, à marcha lenta sob o sol, na perseguição da miragem que não se alcança, e que me fará morta no deserto.

A (Nossa) Natureza


Por norma, detesto fazer coisas sozinha. A não ser que seja ir às compras, gosto de programas com companhia. Talvez seja mais deformidade da vida que feitio, não sei, porque prezo muito os meus momentos de silêncio eremita. Mas, de facto, desde os meus 18 anos que não sabia o que era “estar sozinha”, desde essa altura que sempre tive “um par”, relações estáveis e duradouras, casamentos que se pensaram para a vida, de que fugia de tempos a tempos para um pouco de solidão de respiro, apenas quando sentia essa necessidade. Estranhamente, esses momentos a sós agora tanto são de conforto e liberdade como são de angústia de solidão. E ando numa guerra para combater isto, desde há 1 ano, tentando preencher os meus tempos e espaços com animação e companhia, apenas ocasionalmente me permitindo uma solidão de sossego.

Esta semana, pela primeira vez, enchi um dia inteiro fora de casa, sozinha sem me sentir só. Foi o meu último dia de férias e passeio-o na praia, sem o meu filho e com um bom livro por companhia. Soube-me tão bem. Nessas horas de praia li o livro do princípio ao fim, enquanto durante duas semanas de férias com o miúdo não consegui sequer acabar o primeiro que levei. Tempo bom e silêncio de palavras não pronunciadas que me sossegou. Liberdade que soube bem. Que prezei acima de tudo no momento em que uma onda desgovernada avançou intrépida pelo areal sem que eu a visse, a não ser quando estava na eminência de ser rodeada por ela. Tinha tudo na toalha, Blackberry, carteira, chaves, roupa e sapatos. Levantei-me de um salto e salvei... o livro. Foi só no que pensei... O meu Blackberry foi para as urtigas – so what? Tudo ficou encharcado – so what? Tive uns 5 segundos de stress, sim. Depois decidi que nada me estragava o dia. Mudei de poiso, pus tudo a secar, sentei-me no canto menos encharcado da toalha, e terminei o meu livro enquanto esperava por uma amiga que não chegou. Depois rumei ao escritório para me substituirem o Blackberry, daí liguei à amiga que afinal também não ía lá ter de qualquer forma, e a vida seguiu, eu segui com ela, novamente contactável, e com a sabedoria de mais um livro inteiro por dentro, a fazer-me companhia. Não me falhei.

Mas sei que estes dias e esta leveza, esta satisfação, é sol de pouca dura. Sei que em breve terei outro dia em que me vou sentir só, em que vou desperdiçar as horas fechada em casa sentindo-me a perder o mundo lá fora e sem coragem de o enfrentar sozinha. Sei que estou ainda em guerra e esta é a pior das guerras – uma guerra que perco e ganho cada dia, em que sou inimiga de mim própria, em que mino o caminho dos meus passos, e em que também me condecoro com medalhas e prémios em dias bons, para depois me bombardear no dia seguinte. Pode ser que venha uma onda que avance pelo areal de mim adentro e de repente me obrigue a salvar apenas o que interessa. Fiquei a pensar no que seria, pois se pensasse para trás teria julgado que sensatamente salvaria o Blackberry, e no momento da verdade salvei o livro.

Fico a pensar porque carregamos tudo o que levamos connosco, de nós, pela vida fora. Porque guardamos as coisas, porque lhes damos valor, porque as incorporamos em nós sem que pesem na balança mas pesando tanto na alma. Fico a pensar que preciso de um pequeno tsunami privado que me faça perceber o que é realmente essencial, me faça agarrar essa essência e largar tudo o resto para que se dissipe na espuma do mar, sem stress e sem culpa. E já agora, um tornadosito a seguir, que eu gosto de voar bem leve.

Prémios por atacado

Até hoje, só tinha recebido um "selo" (já nem me lembrava!). Agora, volto de férias e descubro que só da Pronúncia vêm dois! Um faz do meu blog um vício e manda-me enumerar 3 objectivos. Aqui vão os 3 mais imediatos (objectivos, e não desejos):

1 – Voltar a ler mais (e acabar primeiro com os que já tenho, antes de comprar os próximos)
2 – Não desmarcar uma ida a Barcelona em Outubro, e marcar uma ida ao Brasil em Fevereiro
3 – Fazer um programa especial com o meu filho em todos os fins de semana em que fica comigo

O segundo selo que recebo da Pronúncia diz que “vale a pena ficar de olho nesse blog”. As regras para os dois, para além do extra dos objectivos do primeiro, são exibir a imagem do selo, publicar o link do blog de quem ofereceu o prémio, indicar 10 blogs de preferência e avisar os respectivos bloggers. O prémio do “ficar de olho” ainda exige que se confira se os boggers que premiamos repassam o selo e as regras...

Eu publico o link para a Pronúncia (acima e ao lado) e ponho a imagem dos selos, aqui:






Nomeio os mesmos para os dois prémios, que tal como fez a Pronúncia são os que tenho no blog roll aqui ao lado (os links estão lá todos e estes são mesmo os blogs que eu sigo, mais ou menos assiduamente conforme posso, e que gosto realmente de ler mesmo quando não comento – e alguns não comento nunca). Mas não me interessa se já o têm, se o aceitam, se o passam, etc e tal.

O terceiro prémio vem da XR, e diz que o meu blog é mágico, imagine-se! Vá lá que ainda não se evaporou... Este implica responder a isto:

1) Música mágica: Chopin
2) Filme mágico: Out of Africa
3) Viagem mágica: das que fiz: Paris (sempre!) e Croácia (lindo, lindo, lindo!); das que gostava de fazer: Buenos Aires e África do Sul.
4) Maquilhagem mágica: É o eyeliner köhl que torna o que quer que seja que faça mais em magia (um esfumado na pálpebra e um pó de ouro em certos sítios também ajuda).

Finalmente, devo escolher cinco blogs "mágicos" a quem repassar o selo, e que são:

1 - À Conversa
2 - A Minha Núvem
3 - Dry Martini (que eu espero que regresse em breve!)
4 - Tão cheia de tudo. Tão cheia de nada.
5 - Sussurros e Respiros

As regras são no resto iguais: link ao blogger que deu o prémio (a XR acima), imagem do selo no blog, que é esta:

Mágico mesmo é receber distinções destas, não pelo prémio ou pelo selo, mas porque dá um certo sentido à existência do blog sentir que as minhas palavras ecoam, acompanham alguns outros que as sentem e que aqui voltam, mesmo quando não comentam (pelos vistos, uns ficam viciados!). Obrigada pela vossa generosidade e paciência (e Pronúncia: também prometo controlar o meu ego! :) ).

Das coisas simples que me fazem sentir bem # 2

Um abraço, um beijo ou um sorriso do meu filho.
Faz-me sentir viva, existente e consequente. Sei que vai aquecer-me o coração até ser velhinha, mesmo quando o tiver de largar do abraço dos meus braços para que possa ele abraçar o mundo.