A cada um, o seu caminho

Ao longo dos anos vamos mudando, nem para melhor nem para pior, apenas para algo diferente. Num casal o que tenho visto, e senti eu própria, é que a certo momento as pessoas já são tão diferentes do que eram que já não se encontram, já não se identificam, não têm a mesma ligação, a convivência torna-se difícil se não mesmo impossível e, no fundo, mais importante que tudo, não são felizes. Alguns têm a sorte de ir mudando ao longo do tempo em sintonia, mas é raro, e esse é verdadeiramente o maior desafio de qualquer relação. Nem sempre se conseguem sintonizar vontades, ambições, simples gostos ou evolução natural da maneira de ver e estar na vida. As prioridades de cada um podem tornar-se mesmo incompatíveis, os ressentimentos vão crescendo, instala-se o desinteresse pelo outro, cresce a distância.

Quando acontece esse afastamento, há quem ignore e aceite não ser feliz mas manter a relação, por diversos motivos, desde razões práticas, às preocupações com os filhos. Mas há quem não o consiga fazer e quem veja que isso também é uma forma de fazer os filhos sofrer. Porque se os pais não estão bem e mascaram as coisas numa escalada de indiferença e incompatibilidade, a instabilidade, o desamor e as tensões, às vezes em discussões audíveis, outras de formas mais subtis, revelam-se facilmente às crianças, que intúem estas coisas, e sofrem com isso. Na minha opinião, ninguém devia viver assim, a perpetuar um relacionamento oco que impede ambos de serem felizes. E impede porque desse modo não se admite que o caminho já não é com aquela pessoa, já não é por ali, e assim não se procuram outros caminhos.

Deve-se tentar salvaguardar a amizade e o respeito que tenha havido, sobretudo se há filhos comuns, e eu tentei isso com o meu segundo marido, embora ele não o tenha merecido. Nunca compreendeu que eu não lhe queria mal, muito pelo contrário, logo a começar pelo facto de ser o pai do meu filho. Disse-lhe isso já quando as coisas tinham azedado muito, disse-lhe que tive muita pena que as coisas não tivessem resultado de melhor maneira, mas que nos tinham pelo menos deixado o L. e que era nele que tínhamos de nos concentrar, ele que é, de uma forma muito especial, algo que nos une eternamente.

Mas o orgulho ferido de quem é "deixado" não deixa ver mais nada para além da revolta da rejeição, mesmo que não tenham também já amor, e nisso ele não é diferente de nenhum dos homens do meu passado. Inevitavelmente, culpa-se a outra parte, não se aceita que o outro admita conseguir melhor que eles – não percebendo que não se parte à procura de “alguém” melhor, mas de uma relação, de uma vida, melhor para o “eu” que somos nesse momento. Em resposta a isso, invariavelmente tentam dificultar o processo de separação, ou no caso, de divórcio. É o lavar de roupa suja, os jogos e mesquinhezes em que, infelizmente, usam de tudo, desde questões materiais aos filhos. Não percebem que ao transformarem-se, (ou revelarem-se?), dessa forma vil, só dão mais argumento a quem quer partir e ainda se arriscam a estilhaçar qualquer réstia de amizade ou carinho que tenha sobrevivido ao desgaste do desamor. E mesmo hoje, já meses passados sobre a separação e sobre o divórcio oficial, é triste que o meu ex-marido ainda tenha a necessidade de continuar em guerra comigo.

Ele tinha que “culpar” alguma coisa ou alguém, escolheu culpar-me a mim. É fácil. Por isso, tento “desculpá-lo” a ele. Mas é difícil. Entristece-me que se porte assim, que se revele assim, e sei que, no fundo, um dia terá de admitir que a culpa não é minha, nem dele. É da vida, do destino, do que lhe quisermos chamar. Cabe a cada um de nós tomar as rédeas e andar para frente, re-erguer a cabeça e tentar sermos nós próprios, reencontrar o nosso espaço e o nosso eu, e fazê-lo com integridade e humildade. É o caminho que tenho andado a fazer. E sei que o homem com quem casei um dia não estava preso no passado, era um homem de força, de imensa força, sempre a andar para a frente, a lutar pela vida com garra, e era um homem íntegro e de bom coração. Entristece-me que se tenha perdido de si mesmo e desejo-lhe, sinceramente, que se reencontre. Para bem dele, do nosso filho, e da minha paz de espírito, que estou farta de carregar pela vida os ressentimentos e amargos dos outros. Bastam-me os meus.

Não compreendo porque é que é tão difícil aceitar que, apesar de cada um ter de seguir o seu caminho, não precisamos de o fazer em guerra.

12 comentários:

1REZ3 disse...

São carências, Princesa, são carências...

Neste aspecto os homens têm maior tendência a fazer as "figuras" tristes. À conta do orgulho, porventura.

CB disse...

Treze,
Acho que é realmente o orgulho "ferido" que leva as pessoas a estas "figuras tristes". Mas não só os homens, que na verdade, e há que ser justa, também há mulheres a fazer o mesmo. O que não entendo é como é que não se ultrapassa isto, porque é que as pessoas insistem em manter a guerra, sendo que está obviamente perdida, no caso, de divórcio já decretado e aceites por mim todas as condições estapafúrdias que me exigiu. Quer mais o quê?... Às vezes acho que é apenas maldade, uma crueldadezinha, uma vingança.

1REZ3 disse...

Princesa,

não disse que são só os homens. Só disse que há uma maior tendência.
Sabes que é difícil estarmos perante a realidade de não sermos os "melhores", de não "servirmos" na totalidade à outra pessoa. Não é fácil uma pessoa lidar consigo própria perante estes "factos".
O problema é que as pessoas esquecem-se que quem as define são elas próprias e não os outros (e contra mim muito falo).

CB disse...

Treze,
É justo, tens razão quanto à "tendência".
O que eu acho é que a realidade não é necessáriamente "não sermos os "melhores", de não "servirmos" na totalidade à outra pessoa". O que se passa é que a combinação daquelas duas pessoas deixou de fazer sentido, às vezes sentida por ambos, às vezes só por um. E tu dizes bem que somos nós próprios que nos definimos e não os outros. E de nada nos adianta levar a vida em guerras inúteis.

forteifeio disse...

Principeza

Falaste no poder da rejeição, eu falaria no poder do amor, e quem já o sentiu não gosta de ser espoliado dele. Porque dói muito e dói fundo, e os que conseguem ultrapassar vivem, os outros ficam para sempre atormentados. Um dia vai-lhe passar, quem sabe...

Anónimo disse...

O teu post está cheio de verdades. Aliás, é todo ele uma Verdade. Não és a única a passar por isso. Sempre assim será enquanto as pessoas não perceberem que, como dizia o MEC, "O Amor é uma coisa, a Vida é outra". E quantas vezes a Vida não dá as mãos ao Amor, não bate a um mesmo ritmo. Tens todo o direito de querer ser feliz e completa. Um dia perguntaram-me por que é que não fiquei com o pai do meu filho, se ele gostava de mim. E eu respondi: "Porque quero ser para o meu filho uma mãe feliz. Essa é a imagem e a herança que lhe quero deixar". Força Princesa.

CB disse...

Forteifeio,
Aih... "Principeza"... :)
É verdade, é duro perder o amor, e eu que o diga. Mas isso não dá direito a ninguém de matratar o outro, não é razão para perpetuar uma guerra e, sobretudo, não é desculpa para falta de carácter.
Um dia há de lhe passar o rancor, ou seja çá o que fôr. Já o carácter, não sei se o recupera. Mas espero mesmo que sim.

CB disse...

Imaculada,
Pois esse foi exactamente o meu raciocínio quando acabei por optar mesmo pelo divórcio. Foi por mim, mas muito pelo meu filho. E parece-me uma escolha legítima, sim. Tal como tu, "quero ser para o meu filho uma mãe feliz". Obrigada e força para ti também.

Francis disse...

Eu tenho 2 divórcios, 1 com uma filha, e tenho o melhor relacionamento do mundo com as minhas ex-mulheres.

É um processo dificil, as pessoas guardam muita mágoa, tu dizes e bem, tem que se culpar alguém.

Boa tarde.

CB disse...

Francis,
Bem vindo. Tiveste mais sorte que eu. Tenho os mesmos 2 divórcios e um filho, nenhum relacionamento com o primeiro marido, e um muito difícil com o segundo.
Também tenho as minhas mágoas. Mas não faço mal a ninguém propositadamente.
Boa tarde para ti também.

XR disse...

Olá Princesa.
Vim visitar o teu cantinho à conta dos teus comentários no blog da GG - e gostei. Gostei até muito.

Revejo-me neste teu texto, no que nos custa a entender o facto do outro não entender. Se o amor existiu, se foi grande, porquê a incapacidade de querer ver a outra parte feliz se essa felicidade não o/a incluir? Porquê a atitude "se queres ser feliz tens que arranjar maneira de o ser comigo"?
É complicado quando, como dizes, a combinação deixa de resultar e apenas um se apercebe disso.

Um dos dois sairá obrigatoriamente magoado: o que fica para não magoar o outro quando de facto quer ir embora, e o que fica para trás quando o outro vai mesmo embora. E quando há crianças no meio o potencial de mágoa nesse (des)acordo sobe exponencialmente.

É uma daquelas coisas que "só sabe quem já passou por elas", não é?

Beijinho :)

CB disse...

XR,
Obrigada pela visita e pelo comentário de que gostei muito. :)
Apanhaste verdadeiramente a essência do que aqui tentei expressar. É mesmo coisa que "só sabe quem já passou por elas"...
Bem vinda!
Beijinho :)