Um dia terá título, e começa assim...

Ela dorme. A cama branca e revolta, o lençol enrolado no corpo, enquadrado por uma quase penumbra que só não é escuridão porque os primeiros raios de luz lutam por passar em cada frincha das persianas da janela. O quarto e a rua estão em silêncio sintonizado. A respiração dela mal se ouve, e parece que marca gentilmente o compasso do canto das aves lá fora.

Ele olha-a. Contempla o quadro e absorve todas as tonalidades, todas as curvas, todas as sombras, todos os sons. Revivendo as suas mãos a percorrerem o que percorre agora o olhar, a tocar e a envolver o que agora cobre o lençol. Branco, e ela quase tanto como o lençol, num contraste que é de pouco mais do que um tom, o tom da vida que pulsa nela.

Um perna esguia e a planta de um pé delicado, que se deixaram descobertos, recordam-lhe um caminho que percorreu horas antes. Segue a linha da coxa e do fundo das costas marcadas pelo lençol, recordando como as suas mãos grandes, desproporcionadas para aquela figura fina, envolvem toda a sua cintura delgada e gentilmente se alargam sobre as ancas que depois firmam possessivamente. Advinha a sua barriga do outro lado, sentindo com um arrepio a contração dela quando a toca, quando a beija, quando deixa a boca percorrê-la até ao fundo do tremor, ao âmago dela.

A transpirar, esfrega a cara com as mãos, levanta-se para acender um cigarro. Olha-a agora do lado da janela com a pouca luz por trás a recortar-lhe a figura. A dela recorta-se pelo brilho levemente contrastante entre a carne e a cama, e pelos longos cabelos côr de avelã com brilho de ouro, em desalinho, espalhados pela almofada que abraça de um lado. Com um daqueles braços magros que conseguem de repente uma força imensa para o apertar, ou que se lançam noutras direcções, abandonados em ondas de prazer. E as mãos. São como tudo o resto nela, esguias, alvas, dedos muito longos e unhas de desenho perfeito cobertas de um verniz transparente e brilhante. Aquelas mãos que ele beija mas que também o percorrem, ora com curiosidade suave, ora agarrando-o com a força do desejo.

Sobe o olhar agora a partir da cintura, observando as pregas do lençol que se enchem na zona do peito, duas colinas suaves, curvas surpreendentes e improváveis naquele corpo. Consegue ainda senti-las nas mãos e na boca. Sabe exactamente o sabor daquela pele, as suavidades e os contrastes de tons e texturas. Concentra-se na curva dos ombros e na extensão do seu longo pescoço que ele beija e morde e marca, e que ele sabe que é chave para os primeiros estremecimentos dela.

Apaga o cigarro sem olhar para o cinzeiro, detendo-se no rosto dela, de olhos fechados pelas longas pestanas, com uma expressão serena de satisfação e abandono ao sono. Pergunta-se se sonhará. A boca está ligeiramente entreaberta. A boca, aquela boca...

Esfrega novamente a cara com uma mão e de repente vê-se reflectido no espelho em frente. Quase só um vulto, que a luz da manhã ainda é pouca a atravessar as persianas antigas de ripas de madeira.

(Continua...)

6 comentários:

LBJ disse...

Continua sim eu fico à espera que continue.

Um Beijo

CB disse...

Obrigada LBJ. :)

Light Princess disse...

Gostei muito deste "pedacinho"...
Parabéns!

CB disse...

Luz,
Muito obrigada! E bem vinda.

Anónimo disse...

Ora então eu também fico à espera que continue...

Gostei muito, quero mais...

CB disse...

John Doe,
Obrigada! Mais virá em breve.