Impresso em nós

Alguém saberá responder de imediato à pergunta de quem são os homens ou as mulheres da sua vida? Assim em segundos, sem tempo para pensar? A pergunta é supostamente fácil, pretende-se saber quais foram os mais importantes, não necessariamente os que se demoraram mais tempo na nossa vida, mas os que tiveram um impacto mais marcante, independentemente do tempo.

De facto, todas as pessoas que passam na nossa vida deixam marcas. Algumas mais profundas, que se imprimem definitivamente em nós. Outras mais ténues, que marcam mais momentos de vida do que o que somos e seremos. E às vezes essas segundas demoram-se mais e tendemos a atribuir-lhe um maior valor por isso, enquanto por vezes subvalorizamos os que foram breves de existência mas realmente significativos e marcantes.

No meu caso, tive poucos homens “na” minha vida, independentemente de marca e tempo. Amei todos em dado momento, mas cada um foi completamente diferente do outro, e de tão poucos, dois foram meus maridos, um deles o pai do meu filho (e por isso parte da minha vida até à morte). Foram relações duradouras, mas isso não faz deles os “homens da minha vida”.

Penso no que distingue os que amei "totalmente" dos outros, o que distingue a marca que deixaram, e depois de muita volta à cabeça e muito mergulhar em mim, conclúo que é a entrega de que fui capaz. Não é o que eles me deram, mas o que lhes dei de mim, que fez espaço para que a sua marca se imprimisse em mim. Essa entrega total, essa forma de amar, é, em última análise, um salto de fé, acreditar que o outro quer a nossa entrega e nos ama de volta, se entrega também, para que se cumpra o amor. Estranhamente, em nenhum dos meus casos deamor "total" acho que se tenha “cumprido” o amor, porque não tive esse retorno. Mas é amor, ainda assim, porque para mim amar alguém é essa dualidade imparável de generosidade e de egoísmo. É encantarmo-nos com algo de mais profundo que só nós vislumbramos no outro. É enchermo-nos do todo que é o outro, e querer dar a esse outro o todo de nós. Ser refúgio e refugiado, dar a mão e ir pela mão, respirar o mesmo ar, ser corpo de outro corpo que é nosso. E é salto de fé também porque é acreditar que o amor nos dá o poder de fazer o outro feliz e, em retorno, ser feliz. É acreditar, e com uma força avassaladora.

E aqui o tempo não conta. Porque o meu primeiro foi uma relação longa, mas o segundo, de tão curta existência na minha vida, tem já a palma da mão impressa em mim, é de mim, para sempre, mesmo que nunca se cumpra o amor com a tal reciprocidade que desejo. No primeiro, a história está fechada, no segundo ainda está em aberto, suspensa no tempo. Uma das minhas citações preferidas de Pessoa é: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

E realmente, a marca que este homem me deixou em tão pouco tempo impregnou-se em mim de uma maneira absurda mas mágica, de uma maneira triste mas doce. Arrebatou-me, levantou-me os pés do chão e subiu-me a alturas extraordinárias onde nem sei respirar. Foi pura magia na minha vida, fazendo-me voar por momentos e abandonar-me por completo nele. Apesar do abismo da estranheza, o amor que sinto por ele deu-me a razão que precisava para arrumar gavetas e enfrentar fantasmas. Deu-me razão para sonhar, e até razão para acordar e adormecer e suportar a tormenta de que não queria fugir. Deu-me razão para escrever. Tornou-se uma parte de mim que não consigo expulsar e, mais que isso, que acalento, que preservo, que me recuso a largar. É uma coisa espantosamente intensa, transformadora, e assim, na onda do poeta, destas coisas que são tão intensas e inexplicáveis, me fica a marca de alguém incomparável que não se pode esquecer. Recordarei sempre as asas que abri por ele, mais do que as lágrimas que chorei por ele. Projectarei sempre mais o que quero dar-lhe, do que o que poderia receber. E agora, o tempo dirá se é finalmente o amor cumprido que espero, que sonho. É sem dúvida um dos homens da minha vida. Falta ser o homem na minha vida.

13 comentários:

1REZ3 disse...

As duas que mais me marcaram foi por razões opostas.

Uma marcou-me porque passado o tal tempo de "luto" me fez perceber o que não quero mais ser nem dizer, fez-me ver o pior de mim enquanto lutei por nós, e me fez saber ver o que é e não é amor.

A outra, em certo sentido, ainda marca, pois é das mulheres - e pessoas - com mais valor que conheci e sem dúvida fantástica em muitíssimos aspectos. Só tinha um defeito - eu.
Não tive a coragem suficiente para assumir o que havia a assumir.
Marcou-me essencialmente porque me permitiu ver que eu sou e podia ser na realidade, caso quisesse.
Com quem cresceria mais rápido e melhor do que o faço comigo próprio.

Concordo contigo em certa medida - numa "teoria" geral - mas acho que identificamos a/o tal através também daquilo que também nos dá.
Até porque normalmente - e isto já é a minha teoria - amamos porque vemos e identificamos o potencial de quem está à nossa frente e projectamo-lo para a nossa realidade, a que queremos que exista.

PS: A mulher e o homem da minha vida identifico-os logo de caras - os meus pais.
Mas sei que não era deste tipo de pessoas que falavas... :)

1REZ3 disse...

em vez do "ver que eu sou" deve ler-se "ver QUEM eu sou".

CB disse...

Treze,
Pelo que percebo, as duas pessoas que apontas são as que te fizeram conhecer mais de ti, a primeira pela negativa total ("fez-me ver o pior de mim"), a segunda por uma mais positiva ("permitiu ver que eu sou e podia ser na realidade, caso quisesse"). Por isso são as escolhidas, sem dúvida, pelo que te deram, mais do que pelo que lhes deste.
Eu acho que é diferente para cada um, porque cada um ama de maneira diferente. Mas acho que o mais importante é a (des)proporção entre o que se dá e o que se recebe "em troca". Pode ser pela positiva (com retorno) ou pela negativa (quando nos damos totalmente a alguém, nos transformamos em certo sentido, e não temos retorno). Eu só tenho a experiência da negativa, mas acho que tanto uma como outra deixam uma marca tão funda quanto o vazio que se sente quando essa pessoa se vai, que é imenso, porque nos enche enquanto dura.

PS: Pois percebeste bem ,calro, se não o homem da minha vida seria o meu filho! :)

1REZ3 disse...

O cerne está precisamente nesse ponto, na (des)proporção entre o que damos e recebemos.

Pior que isso é vermos que damos mais a quem não nos dá tanto do que a alguém que nos quer e muito :s. Triste sina...

PS: Será o menino da tua vida, portanto :) É aproveitar enquanto não cresce.

CB disse...

Pois é Treze - são os terríveis desencontros da vida...

PS: Ele vai ser sempre o meu menino, por mais homem que se torne (e espero que se torne mesmo um grande Homem) :)

forteifeio disse...

já fiz um texto sobre isso, mas será que esse homem ainda existe?
E quando faço a pergunta não é no sentido fisico do termo mas no psicológico.
A pessoa será que existe passado esse tempo. Essas pessoas perduram como eram, não como são ... agora.

LBJ disse...

Ora aqui está uma pergunta complicada e daquelas que quando não sabemos a resposta na ponta da língua nos deixam mesmo a pensar... ;)

Um Beijo

Pronúncia disse...

Responderia quase de imediato à tua pergunta.

Identifico-os perfeitamente. Sei quem são e por que ficaram e estão gravados na minha memória, até que eu a perca.

Achei este teu texto muito curioso, porque a semana passada escrevi um texto que não publiquei a que dei o título "O que nos fica gravado na memória como se fosse em pedra".

A citação de Fernando Pessoa é uma das que com que mais me identifico e gosto, por ser tão verdadeira...

Gostei de ver que a atitude positiva continua aí. Bom sinal! ;)

CB disse...

Forteifeio,
O homem em já não existe, nem física nem psicologicamente. O que ainda perdura é a marca que deixou em mim, o que transformou em mim. O primeiro, deixou-me sobretudo fantasmas, com que ainda esgrimo de vez em quando e marcou a forma como sou hoje de muitas maneiras. O segundo marcou também uma transformação profunda, se calhar, e ironicamente ou não, levando-me de volta a mais perto do que era antes.
O primeiro, encerrado no tempo, como memória de homem é claro que não há de ser o que é hoje. O segundo ainda está em aberto e presente, físico, por isso não sei se será um dia mais um fantasma.

CB disse...

LBJ,
Leste uma frase que apaguei?! Fogo...
Um Beijo

CB disse...

Pronúncia,
O que é difícil aqui é precisamente distinguir o que é a marca na memória e o que é a marca em nós. Engraçado teres escrito sobre um tema semelhante - estarei atenta a se o publicas um dia desses...
Esta citaçao, pois... quando me cruzei com ela foi um murro no estômago de tão bem a compreender. É de facto muito verdadeira.
A atitude é sobretudo serena, o qúe é uma conquista. :)

LBJ disse...

Juro que não li nada, empatias de outros desencantos?

CB disse...

Pois... :(