T(r)emores


Parece que sufoco das palavras que quero tirar de mim. Parece que pesam. Adormeço e acordo a compôr frases na minha cabeça. Escrevo coisas soltas por todo o lado e a toda a hora. Mais de metade deito fora. Viciei-me na escrita que me dá uma sensação de apaziguamento no imediato. Mal está escrito, tenho uma urgência demente em publicar, mas ainda assim há coisas que ao reler não consigo. E depois é tanto que não tenho remédio se não guardar uma parte.

É um vómito da minha alma. Depois às vezes a ressaca é má, doi o estômago. É melhor nas vezes em que me clarifica, ilumina, solta e orienta. E mesmo assim, continuo atormentada pela necessidade de escrever ainda mais, de escrever tudo. Tenho de chegar ao fundo deste poço e hoje estou de novo a espreitar o poço, com medo de cair lá dentro, na antecipação de mais um embate. Ele está lá no fundo, mas no horizonte deste dia. Tremo e temo. Tremem-me as palavras. Estou um bocadinho desfocada, a verdade está esfumada. Se calhar é o carrossel a rodar um bocadinho mais depressa. Não consigo acreditar no que publiquei ontem à noite e no que escrevi há pouco, que não consigo deixar escorrer para aqui, mas que não consigo deitar fora.

Do que tenho escrito, no visto aqui e no escondido, estão afirmações tão contraditórias quanto o que sinto, que me mostram claramente como me perdi, muitas vezes na ilusão de saber perfeitamente o caminho. Os "quero mas não quero", "posso mas não consigo", "sim, mas também"... E questões pertinentes levantadas por linhas aqui e noutras paragens partilhadas fazem-me repensar algumas coisas que escrevi, porque senti, ou porque decidi. Olhar para o fundo do poço numa atracção quase fatal. E medo de cair.

Confuso? É. Quanto tempo temos de dar ao sonho? Vale mais o que sentimos ou o que decidimos? Até quando devemos deixar a esperança alagar-nos? Sabemos ver quando estamos afogados nela ainda a tempo de nos salvarmos? De que vale o tempo contado no calendário face à possibilidade de realizar um sonho num futuro qualquer? O "já" é tão redutor... O "nunca" é que é final e essa é a palavra que ainda não ouvi, nem li, nem escrevi - só cheguei lá perto na poesia e doeu. É a palavra que temo demais ouvir e dizer, ler ou escrever, que me faz a voz e a mão tremer.

Hoje estou confusa, assustada, à procura de todas as partículas da minha coragem para não fugir, porque sei que não há fuga possível. Seria ilusório pensar que não ver, não ouvir, não cheirar resolveriam a minha tormenta. Mas ver, e ouvir e cheirar pode resolver, pode até apaziguar. Pode dar-me o "nunca". Mas a dúvida é qual será o impacto, como e quando e se. E medo do tamanho da cratera que pode resultar daí. Sinto-me encurralada entre dois eus de mim. E entre o que é meu e o que está fora de mim. Penalizo-me, porque fui desafiar as bestas dos outros ainda sem domar a minha. E ela acordou de novo e mordeu-me.

18 comentários:

Apple disse...

Torna-se redundante dizer que te entendo. Mas o facto é que entendo mesmo!!esse turbilhão imparável, a angústia, os medos, a hesitação em decidir pelo sentimento ou pela razão, as provas, os factos e aquilo que não se vê mas que não nos deixa... a deriva, a determinação num dia e, no momento seguinte a total incapacidade para saber o que quer que seja.
A escrita como catarse e prisão ao mesmo tempo.

Não te penalizes e acredita que as coisas vão entrar no rumo... lembras-te da minha "história de acreditar"? Temos de acreditar, sempre, sobretudo em nós!!!

1REZ3 disse...

É um texto (sentimento) que mais parece que te vais confrontar com o "ele". Ou que te confrontas (ainda que dentro de ti) constantemente... Espero estar enganado.

Não te conheço e se há coisas que detesto são as frases feitas - e, mais uma vez, esperando estar enganado - mas olha para ti e vê quem és e se vale a pena sentires-te assim e passares por tal.

PS: Ninguém que escreva como tu pode ter os horizontes curtos, não serás diferente...

Pulha Garcia disse...

"Hoje estou confusa, assustada"... vimos todos a esta terra sem manual de instruções. Há coisas que temos que ultrapassar sozinhos. E quando o conseguirmos fazer estamos mais fortes e podemos ajudar melhor os outros, sobretudo os mais pequenos, como é o caso do teu filho.

Acredito que se eu algum dia vier a ter grande sucesso nalguma coisa o único mérito que tive - uma vez que me considero perfeitamente normal em tudo - é ter-me mantido em jogo, sem nunca desistir, sem nunca entrar num desequilíbrio vergonhoso perante mim próprio (tornar-me por exemplo alcoólico, amargo para os outros, moralmente corrupto, etc). Isso já é uma grande vitória e está ao alcance de todos...

1REZ3 disse...

PS2: Só mais uma frase feita...

"Nada é permanente neste mundo, nem mesmo os nossos problemas" - Charlie Chaplin :)

CB disse...

Apple,
O pior é que tenho vivido serenamente com a razão da decisão que tomei, mas longe da vista, do som e do cheiro. E hoje, sabendo que vou vê-lo, ouvi-lo, cheirá-lo, de repente o mais profundo que estava a adormecer, mas ainda lá está, rebenta comigo, enche-me de dúvidas. As coisas subliminares que fui deitando fora quando escritas, mas que passaram um dia a letras, frases, textos, porque são de mim, asaltam-me de novo...
Eu acredito em mim, acredito que ainda vou ser feliz, acredito que não posso desistir da vida, claro. Mas não sei se devo acreditar neste amor. A lógica que tenho construído diz-me que não. A lógica de alguns outros diz-me que sim e que a questão é "tempo". Também não quero desperdiçar uma amor que nunca senti assim. Mas estou tão farta de sofrer.

CB disse...

Treze,
De facto, acertas que o que tenho hoje pela frente é um confronto com o "ele real". O "ele da minha cabeça", como disse à Apple, pensava que estava a adormecer. Pensava estar muito segura na minha rota, na minha decisão, e já pouco me sentia em "confronto" ao longo dos últimos dias.
Eu olho para mim e sabes o que vejo? Alguém que já sofreu demais. Que se tem sempre entregado aos outros sem o retorno que merecia, mas que ainda acredita, quer muito, ser feliz e encontrar uma companhia para a vida. E sei que isso tem um valor incalculável. Vale sofer por isso, mas se for para ter isso. Mas não sei se é "ele", porque a razão diz uma coisa e o coração diz outra. E à minha volta ouço coisas contraditórias. Como tive dele. Na distância estava tudo certo. Por acaso até foste tu que levantaste a questão da "ânsia" de viver o que se quer, no imediato, lembras-te? Isso ficou-me a remoer. Porque de facto não considero que tenha os horizontes curtos (e obrigada pelo elogio), por isso estou sempre a questionar tudo, até a mim própria. E gosto de de pegar no contributo dos outros e reflectir sobre o que posso aprender daí. Ver uma perspectiva diferente, um caminho alternativo, uma clarificação, etc. Se calhar mais valia que fosse limitada e arrogante. Mas sou muito Socrática... Obrigada pela frase do Chaplin. :)

CB disse...

Pulha,
De facto, temos de ultrapassar algumas coisas sozinhos, e tenho feito esse caminho quase toda a vida. E acho que, apesar dos erros, das quedas, dos desvios, fiz sempre tudo o que pensei, genuinamente, ser o mais acertado. Fez-me certamente mais forte do que já fui, mas sabes, também me fez mais humilde. Hoje não tenho nenhum prurido em reconhecer que estou errada e emendar caminho se alguém mo mostrar. Não fecho a porta a ninguém que possa contribuir para que seja uma pessoa melhor cada dia. Estou sempre a aprender com os outros.
Quase desisti mesmo do jogo, um dia. Mas a partir daí, decidi que nunca desistiria. Posso estar desencantada, que estou, com muitas coisas, mas mantenho a boa disposição que consigo, tento sempre recorrer ao humor para desdramatizar algumas coisas, continua a querer acreditar na genuinidade do bom fundo dos seres humanos que me rodeiam. Entro em desequilíbrio algumas vezes, sim, mas não o vejo como "vergonhoso". Vejo-o como penoso. Porque penso nas coisas, se calhar demais. Esforço-me por ser melhor, trabalho para conseguir. E às vezes isso esgota-me.

LBJ disse...

Olha antes de mais, sabes que invejo a tua capacidade de escrever e não estou a ser paternalista, tu não mereces, tu consegues escrever com uma capacidade produtiva que eu gostaria, mas muito de ter, garanto-te que mudaria já de ambição profissional.

Quanto ao resto, confusão e incertezas são o meu viver actual e quem serei para te dar conselhos e se te ajuda, sim bota cá para fora, mas tem cuidado com o perigo que podes estar a correr, tenta intervalar a escrita emocional com outra que te dê prazer, vais ver que se torna mais terapêutico e eu sei o que estou a dizer.

Um Beijo.

CB disse...

LBJ,
Coisa feia a inveja... E não invejes a capacidade produtiva que isso não vale a pena.
Percebo bem o teu conselho, que agradeço, mas a minha "produção" também só acontece porque é isntintiva. Tenho muito mais dificuldade em escrever sobre um tema qualquer que me imponha, se não me "disser" nada. Olha, e já que me invejas a produção, eu invejo-te a criatividade... :)
Curiosamente, essa escrita terapêutica de prazer tenho tido nas respostas aos teus posts, sobretudo os inquisitórios... Boas gargalhadas e muito puxar pela cabeça para outras paragens, que ajuda, sim senhor, mas infelizmente não cura. E que isto não te dê ideia de mais um inquisitório tão longo any time soon!! Que eu tenho de trabalhar, no meio disto tudo. ;)
Um Beijo.

LBJ disse...

Olha não te queixes que eu demorei quatro horas a responder aos comentários :(

LBJ disse...

P.S. Só agora percebi que podia ser mal interpretado, quando me referia a capacidade produtiva, estava a falar de qualidade, percebeste qualidade, vê lá não me confundas… ;)

Ah é verdade também me esqueci de retribuir o beijo e por isso para compensar o outro comentário:

Dois Beijos

Anónimo disse...

Querida. Segura a minha mão, estarei vigilante e atenta, e se puder, e se o escuro te atomentar, deixo a vela acesa para que te inundes de luz e calor.

CB disse...

LBJ,
Pois quanto às tuas 4 horas, são bem merecidas, que a ideia e o desafio são teus... E não deixaste ninguém fugir! ;)
Obrigada pela clarificação, que de facto entendi "quantidade" - mas tu és homem, portanto era lógico deduzi que pensaste "quantidade" e não "qualidade"... E obrigada pelas tuas palavras mas não me parece que pudesse sustentar-me, e ao meu filho, a escrever!
Para que não fiquem contas mal feitas,
n beijos

CB disse...

Anónimo,
Obrigada pela mão e pelo carinho... Sei que estarás lá. Mas como dizia alguém mais acima, nesta tenho de caminhar sozinha. Sei que me consolas depois com um abraço, se eu precisar, o que é provável.

1REZ3 disse...

Princesa,

não serei a pessoa mais indicada para o dizer - porque já fiz muita borrada contra mim quando nunca me passou pela cabeça fazê-lo - mas se nunca sentiste algo assim tão forte (e tens a certeza) dá o tempo necessário para saber se é a sério (da parte dele)- sabes como são os impulsos...

PS: Não sou exemplo para ninguém mas também eu um dia já pensei que era isso tudo e hoje pergunto-me como foi possivel fazer e dizer determinadas coisas... E à medida que vou "crescendo" vou gostando cada vez mais do que vejo.

CB disse...

Treze,
A chave é o tempo, sim.
Obrigada. :)

Unknown disse...

Percebo-te... Há alturas em que me sinto assim... Mas pior é mesmo quando as palavras não saem, quando me sufocam, me cruzam a mente e eu quero é que elas não existam...

Para os outros vale mais o que decidimos.... Para nós, vale o que sentimos, até porque há muitas vezes uma amálgama confusa de sentimentos por trás de uma decisão simples, fria e racional.

Sempre que estou em luta comigo... Tento deixar passar a tempestade, com poucos danos colaterais, de preferência. No fundo, acho que somos, ao mesmo tempo, os nossos piores inimigos e melhores amigos...

CB disse...

M,
Que grandes verdades. "Para os outros vale mais o que decidimos.... Para nós, vale o que sentimos" - é por isso que às vezes os outros não nos podem ajudar, temos de chegar sozinhos. Mas é difícil lidar com essa dualidade que referes como "tempestade": razão e sentimentos.
Acho que somos "ora" os nossos piores inimigos "ora" os nossos melhores amigos. Não em simultâneo mas em alternância, provocando-nos as dualidades e paradoxos de que que padecem todos os seres humanos. Mas o mais importante é "tentar" honestamente ser sempre verdadeiro e autêntico, fiel a nós próprios e aos nossos valores. Assim, mesmo errando, somos amigos de nós próprios.