Quando Morre o Sonho Morremos Para a Vida

Um sonho pode ser uma escapadela do nosso subsconsciente, alguma coisa que não queremos ver com os olhos da razão a forçar a sua ida à superfície. Muitas vezes assoma num código que nós próprios não entendemos. Pode ser bom, expressão de uma vontade ou de um desejo que se concretiza na nossa cabeça, assim para nos dar um gostinho daquilo que podia ser, quem sabe para nos despertar a vontade de fazer por isso. Ou pode ser mau - um pesadelo, um medo qualquer enterrado lá atrás, um bicho de estimação das nossas memórias ou da nossa célula primordial, alguma coisa de que fugimos, um fantasma, uma assombração.

Pode ser no plano do consciente, uma vontade, um querer. Mas nem sempre assumido e verbalizado, às vezes tido por impossível, mais uma vez a desenrolar-se num plano irreal, na nossa cabeça, um pouco mais lógico porque mais consciente, mas ainda assim a experiência do gosto da concretização do sonho. Construções mentais de cenários irreais, o famoso "sonhar acordado". Geralmente é bom, às vezes pode ser tão, mas tão bom... Só custa um bocadinho o acordar.

Mas pode ainda ser alguma coisa que é tão fundamental, que queremos tanto, de que precisamos tanto, em que acreditamos tanto, que se torna numa razão de ser, de nós próprios ou do que fazemos com a nossa vida, por onde nos levamos e como. E pode assim comandar a vida.

Porque é que não comanda sempre? Porque é que não conseguimos passar todos os sonhos que expressam o mais essencial sentir da nossa alma para o plano do consciente, e daí para o plano do possível?

Às vezes são os sonhos maus, os medos primordiais, na maior parte resultantes dos sonhos que perdemos antes. É fácil desanimar. É fácil deixar de acreditar. É difícil a coragem de continuar a lutar pelos sonhos, é difícil calar fantasmas, é difícil perdoar. É difícil espantar o medo e viver com o risco.

Eu confesso que tenho medos. Queria espantá-los, viver os meus sonhos. Queria acreditar, arriscar. Mas não sofrer, claro, ninguém quer sofer... Por isso tive medo de sonhar. Tive medo de amar. Tive tanto medo de viver. Mas, hoje, tenho medo é da força do acreditar que vou descobrindo, tenho medo do sonho que passei para o plano da consciência, e que lá vai ganhando raízes. Tenho, paradoxalmente, medo de perder o medo e me lançar. Porque ainda tenho medo de sofrer.

E depois, às vezes temos de largar os sonhos. É diferente de os matar. Às vezes temos de aceitar a impossibilidade do real, e isso custa muito, doi muito. Mas não nos pode impedir de sonhar outra vez ou matar os outros sonhos que temos, recusando-lhes a subida à consciência e a oportunidade de se realizarem. A oportunidade de viver.

Acredito que o ser humano tem de se sublimar, não pode ser uma mera existência, uma sobrevivência. E não há viver sem amar, sem realizar sonhos, e sem sofrer. Por isso o sonho comanda a vida, sim. Temos é que encontrar a coragem de o deixar assomar à superfície e não o deixar morrer. De não nos deixarmos morrer. Eu sobrevivi e, mais que isso, quero viver.

16 comentários:

LBJ disse...

Os sonhos não morrem, nós é que nos habituamos a ignorá-los, apenas quimeras e sim morremos todos os dias mais um bocadinho.

CB disse...

LBJ, então morremos todos os dias mais um bocadinho? Não, não pode ser... Só quando "matamos" o sonho, num processo consciente de negação. Não quando desistimos dos que simplesmente não são possíveis, e isso, claro, acontece um pouco todos os dias.

Anónimo disse...

Eu morro todos os dias um bocadinho e nem por isso deixo de celebrar esse morte. Para mim, e acredito que para muito poucos como eu, agraciamos essa morte que nos colhe.

Os sonhos? Os sonhos não importam quando não são mais que ilusões de quimeras arrasadoras. Tornei-me Belerofonte das minhas. Mato-os à nascença em piedade por eles e por mim.

CB disse...

John Doe, "os sonhos não importam quando não são mais que ilusões de quimeras arrasadoras" - certíssimo. É óbvio que só alguém totalmente desprovido de inteligência pode acreditar que "todos" os sonhos que temos são realizáveis. Eu posso sonhar ganhar o Euromilhões e nem por isso vou viver nessa ilusão.
A diferença fundamental entre nós está na definição de sonho. Para mim, há sonhos pelos quais vale a pena lutar, nem todos são quimeras. Para ti, o sonho é sempre deprezível, não passa de uma quimera. Para mim, há sonhos cuja perseguição nos faz seres humanos melhores e mais completos, mesmo que tenhamos de sofrer com eles. Para ti, nada justifica o risco de sofrer. Para mim, o facto de haver sonhos que são irrealizáveis, dos quais temos de humildemente desistir, não impede que se persigam outros sonhos. Para ti, porque alguns não se podem realizar, mais vale pura e simplesmente não sonhar.
Por isso te fazes Belerofonte. Mais que matar quimeras, negas-te sonhar, negas-te acreditar, matas todos os sonhos, mesmo os que podem não ser quimeras. Uma quimera qualquer que perseguiste queimou-te com o seu fogo, envenenou-te com a sua parte de serpente, mesmo que a tenhas morto. Entristece-me que alguém se torne mesmo tal como Belerofonte, conscientemente, e que queira para si o mesmo solitário e desolador destino.

Pronúncia disse...

Princesa, gostei da tua interpretação dos sonhos.

Apesar de pareceres ser sonhadora, não deixas de ser realista.

Sim, "o sonho comanda a vida", já dizia o poeta.

Há uns que se realizam, há outros que não. Temos que aceitar isso. E quando uns "morrem" dão sempre lugar a outros. É importante sonhar e lutar pelos sonhos de forma a que, pelo menos alguns, acabem por ser bem reais.

Bom texto! Parabéns! :)

1REZ3 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
1REZ3 disse...
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1REZ3 disse...

Porque é preciso muito mais do que o simples acto de sonhar. É também uma questão de aceitarmos a nossa finita condição.
E esse "mais" muitas vezes não depende de nós, gerando a desconfiança, o medo e por fim o sofrimento.

Mas não pode nunca ser motivo para se "desistir" de viver sonhando e sofrendo (um sem o outro não existe).

Se bem que a questão do sonho hoje em dia é bem mais complexa dada a ânsia de tudo querer depressa e bem. Mas isso é outra conversa.

Apple disse...

Querer viver... mesmo com medos, com sonhos desfeitos e sonhos a fazerem-se, com coragem, a saber que caimos, mas também saltamos e voamos muitas vezes.
Eu acredito nos sonhos, nos que nos impulsionam a prosseguir, a lutar, a vencer e até nos que temos de deixar cair, porque até esses ensinam a querer viver.

CB disse...

Pronúncia, ainda bem que alguém concorda e que gostaste do texto - obrigada! :)
Sou sonhadora e realista sim, é uma dualidade muito minha e que me causa às vezes muitos dissabores.
O que destacas é a parte mais sensível desta "equação de equilíbrio" dos sonhos e do real - saber aceitar os que não se realizam, e ainda assim não desisitir de sonhar. Eu também acredito que vale a pena e temos é de aprender quais largar e por quais lutar. E como até tenho alma de poeta, há uma frase de Pessoa que diz exactamente o que é essa sabedoria: "alague o seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas". Agora que é difícil... é mesmo.

CB disse...

Treze,
Levantas questões muito pertinentes. De facto, somos às vezes pouco humildes na aceitaçao da nossa condição, da nossa falta de "poder". Para além de sermos reféns dos medos. Mas sobretudo concordo exactamente com a questão do tempo, da "ânsia", que levantas - quantas vezes teremos dado um sonho por perdido apenas porque não se cumpriu no "já"? Muitíssimo bem observado. Obrigada.

CB disse...

Apple,
Obrigada pelo reforço da concordância, que assim não me sinto tão sozinha... :)
Concordo em absoluto que aprender a desistir de alguns sonhos é uma tremenda lição de vida, e pode ser uma grande força para viver. É difícil, mas sobrevive-se e pode-se viver melhor.

LBJ disse...

Gostei do teu post e deixo-te o titulo do meu próximo post:

Restolho de sonhos... A escrever um destes dias...

1REZ3 disse...

Princesa,

aí entra a aceitação do Eu e o que vemos e acreditamos (ou não) ser em confronto com o que pretendemos alcançar. E isso também já é outra conversa...

PS: Já me esquecia... :)

CB disse...

LBJ,
Ainda bem que gostaste dopost. Eu gostei da tua ideia... Fico à espera! :)

CB disse...

Treze,
É outra conversa, sim, mas também pertinente.

PS: Ai que eu também me esquecia! :)