
De facto, todas as pessoas que passam na nossa vida deixam marcas. Algumas mais profundas, que se imprimem definitivamente em nós. Outras mais ténues, que marcam mais momentos de vida do que o que somos e seremos. E às vezes essas segundas demoram-se mais e tendemos a atribuir-lhe um maior valor por isso, enquanto por vezes subvalorizamos os que foram breves de existência mas realmente significativos e marcantes.
No meu caso, tive poucos homens “na” minha vida, independentemente de marca e tempo. Amei todos em dado momento, mas cada um foi completamente diferente do outro, e de tão poucos, dois foram meus maridos, um deles o pai do meu filho (e por isso parte da minha vida até à morte). Foram relações duradouras, mas isso não faz deles os “homens da minha vida”.
Penso no que distingue os que amei "totalmente" dos outros, o que distingue a marca que deixaram, e depois de muita volta à cabeça e muito mergulhar em mim, conclúo que é a entrega de que fui capaz. Não é o que eles me deram, mas o que lhes dei de mim, que fez espaço para que a sua marca se imprimisse em mim. Essa entrega total, essa forma de amar, é, em última análise, um salto de fé, acreditar que o outro quer a nossa entrega e nos ama de volta, se entrega também, para que se cumpra o amor. Estranhamente, em nenhum dos meus casos deamor "total" acho que se tenha “cumprido” o amor, porque não tive esse retorno. Mas é amor, ainda assim, porque para mim amar alguém é essa dualidade imparável de generosidade e de egoísmo. É encantarmo-nos com algo de mais profundo que só nós vislumbramos no outro. É enchermo-nos do todo que é o outro, e querer dar a esse outro o todo de nós. Ser refúgio e refugiado, dar a mão e ir pela mão, respirar o mesmo ar, ser corpo de outro corpo que é nosso. E é salto de fé também porque é acreditar que o amor nos dá o poder de fazer o outro feliz e, em retorno, ser feliz. É acreditar, e com uma força avassaladora.
E aqui o tempo não conta. Porque o meu primeiro foi uma relação longa, mas o segundo, de tão curta existência na minha vida, tem já a palma da mão impressa em mim, é de mim, para sempre, mesmo que nunca se cumpra o amor com a tal reciprocidade que desejo. No primeiro, a história está fechada, no segundo ainda está em aberto, suspensa no tempo. Uma das minhas citações preferidas de Pessoa é: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
E realmente, a marca que este homem me deixou em tão pouco tempo impregnou-se em mim de uma maneira absurda mas mágica, de uma maneira triste mas doce. Arrebatou-me, levantou-me os pés do chão e subiu-me a alturas extraordinárias onde nem sei respirar. Foi pura magia na minha vida, fazendo-me voar por momentos e abandonar-me por completo nele. Apesar do abismo da estranheza, o amor que sinto por ele deu-me a razão que precisava para arrumar gavetas e enfrentar fantasmas. Deu-me razão para sonhar, e até razão para acordar e adormecer e suportar a tormenta de que não queria fugir. Deu-me razão para escrever. Tornou-se uma parte de mim que não consigo expulsar e, mais que isso, que acalento, que preservo, que me recuso a largar. É uma coisa espantosamente intensa, transformadora, e assim, na onda do poeta, destas coisas que são tão intensas e inexplicáveis, me fica a marca de alguém incomparável que não se pode esquecer. Recordarei sempre as asas que abri por ele, mais do que as lágrimas que chorei por ele. Projectarei sempre mais o que quero dar-lhe, do que o que poderia receber. E agora, o tempo dirá se é finalmente o amor cumprido que espero, que sonho. É sem dúvida um dos homens da minha vida. Falta ser o homem na minha vida.
13 comentários:
As duas que mais me marcaram foi por razões opostas.
Uma marcou-me porque passado o tal tempo de "luto" me fez perceber o que não quero mais ser nem dizer, fez-me ver o pior de mim enquanto lutei por nós, e me fez saber ver o que é e não é amor.
A outra, em certo sentido, ainda marca, pois é das mulheres - e pessoas - com mais valor que conheci e sem dúvida fantástica em muitíssimos aspectos. Só tinha um defeito - eu.
Não tive a coragem suficiente para assumir o que havia a assumir.
Marcou-me essencialmente porque me permitiu ver que eu sou e podia ser na realidade, caso quisesse.
Com quem cresceria mais rápido e melhor do que o faço comigo próprio.
Concordo contigo em certa medida - numa "teoria" geral - mas acho que identificamos a/o tal através também daquilo que também nos dá.
Até porque normalmente - e isto já é a minha teoria - amamos porque vemos e identificamos o potencial de quem está à nossa frente e projectamo-lo para a nossa realidade, a que queremos que exista.
PS: A mulher e o homem da minha vida identifico-os logo de caras - os meus pais.
Mas sei que não era deste tipo de pessoas que falavas... :)
em vez do "ver que eu sou" deve ler-se "ver QUEM eu sou".
Treze,
Pelo que percebo, as duas pessoas que apontas são as que te fizeram conhecer mais de ti, a primeira pela negativa total ("fez-me ver o pior de mim"), a segunda por uma mais positiva ("permitiu ver que eu sou e podia ser na realidade, caso quisesse"). Por isso são as escolhidas, sem dúvida, pelo que te deram, mais do que pelo que lhes deste.
Eu acho que é diferente para cada um, porque cada um ama de maneira diferente. Mas acho que o mais importante é a (des)proporção entre o que se dá e o que se recebe "em troca". Pode ser pela positiva (com retorno) ou pela negativa (quando nos damos totalmente a alguém, nos transformamos em certo sentido, e não temos retorno). Eu só tenho a experiência da negativa, mas acho que tanto uma como outra deixam uma marca tão funda quanto o vazio que se sente quando essa pessoa se vai, que é imenso, porque nos enche enquanto dura.
PS: Pois percebeste bem ,calro, se não o homem da minha vida seria o meu filho! :)
O cerne está precisamente nesse ponto, na (des)proporção entre o que damos e recebemos.
Pior que isso é vermos que damos mais a quem não nos dá tanto do que a alguém que nos quer e muito :s. Triste sina...
PS: Será o menino da tua vida, portanto :) É aproveitar enquanto não cresce.
Pois é Treze - são os terríveis desencontros da vida...
PS: Ele vai ser sempre o meu menino, por mais homem que se torne (e espero que se torne mesmo um grande Homem) :)
já fiz um texto sobre isso, mas será que esse homem ainda existe?
E quando faço a pergunta não é no sentido fisico do termo mas no psicológico.
A pessoa será que existe passado esse tempo. Essas pessoas perduram como eram, não como são ... agora.
Ora aqui está uma pergunta complicada e daquelas que quando não sabemos a resposta na ponta da língua nos deixam mesmo a pensar... ;)
Um Beijo
Responderia quase de imediato à tua pergunta.
Identifico-os perfeitamente. Sei quem são e por que ficaram e estão gravados na minha memória, até que eu a perca.
Achei este teu texto muito curioso, porque a semana passada escrevi um texto que não publiquei a que dei o título "O que nos fica gravado na memória como se fosse em pedra".
A citação de Fernando Pessoa é uma das que com que mais me identifico e gosto, por ser tão verdadeira...
Gostei de ver que a atitude positiva continua aí. Bom sinal! ;)
Forteifeio,
O homem em já não existe, nem física nem psicologicamente. O que ainda perdura é a marca que deixou em mim, o que transformou em mim. O primeiro, deixou-me sobretudo fantasmas, com que ainda esgrimo de vez em quando e marcou a forma como sou hoje de muitas maneiras. O segundo marcou também uma transformação profunda, se calhar, e ironicamente ou não, levando-me de volta a mais perto do que era antes.
O primeiro, encerrado no tempo, como memória de homem é claro que não há de ser o que é hoje. O segundo ainda está em aberto e presente, físico, por isso não sei se será um dia mais um fantasma.
LBJ,
Leste uma frase que apaguei?! Fogo...
Um Beijo
Pronúncia,
O que é difícil aqui é precisamente distinguir o que é a marca na memória e o que é a marca em nós. Engraçado teres escrito sobre um tema semelhante - estarei atenta a se o publicas um dia desses...
Esta citaçao, pois... quando me cruzei com ela foi um murro no estômago de tão bem a compreender. É de facto muito verdadeira.
A atitude é sobretudo serena, o qúe é uma conquista. :)
Juro que não li nada, empatias de outros desencantos?
Pois... :(
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