Outras margens

Num tempo de redes, onde vivemos e que criamos, num mundo onde a nossa capacidade de "networking" se tornou parte fundamental na definição do ser social que somos, por sua vez reflectido no nível de prosperidade a que podemos almejar, por exemplo, a nível profissional,  acho que nunca antes vivemos tão sozinhos, nem nunca antes foram tão frágeis os relacionamentos humanos em geral. 

Todos gozam com os ratios entre o número de amigos no Facebook e o de amigos reais; mas pergunto-me quem saberá ainda definir, realmente, quem tem nas suas redes e que não é, de facto, amigo. E quem sabe, mesmo, definir o que é amigo? Onde estão as definições, os títulos, que damos a todos os que enredamos na nossa vida, que aceitamos nas nossas redes e de cujas redes aceitamos fazer parte? Haverá alguns com clara definição, mas a maioria navega numa espécie de limbo. Interagimos, de diversas formas, com diferentes graus e tipos de proximidade, com pessoas que por vezes não nos dizem nada, outras vezes realmente não conhecemos, e nem sempre é fácil de definir os contornos de cada um destes relacionamentos. Mas, quando se define o conceito de amigo e se aplica o mesmo, com rigor, às centenas de pessoas com quem nos enredamos, sobram sempre poucos, acho que demasiado poucos. E creio que a maioria se angustiaria ao reconhecer que, de toda a rede, apenas esses tão poucos realmente nos seguram. É mais confortante, talvez, pensar que a rede é imensa.

Sempre vi um laço pessoal como uma ponte. E lembro-me sempre do meu avô a esse respeito, das nossas discussões sobre individualismo. Não podemos existir sem pontes. Temos de as lançar, de as construír, de as manter, para as podermos atravessar e deixar chegar os outros. Mas hoje, parece que isso faz-se, quase sempre, com um intuito utilitarista, no propósito de afirmar uma qualquer competência, e preservam-se as ligações, mesmo que não nos digam nada, apenas porque podemos vir a precisar delas. Mistura-se o pessoal com o profissional, o afecto com a utilidade, o real com o virtual. O que me parece hoje é que, cada vez mais, se tende a confundir as pontes que se podem atravessar com segurança e as que são apenas setas de diagramas que mapeiam a rede em que nos movemos. Depois acontecem as tentativas de travessia desastrosas - muitas pontes são miragens. E talvez por isso seja mais difícil queimar pontes, seja difícil reconhecer as que não levam nem trazem ninguém, ou até, por vezes, as que deixam passar mais mal que bem. De certa forma, isso tornaria evidente a fragilidade e a solidão da rede, que se pensa feita de tantos outros.


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