Condenada

Não é de espantar o grau de cepticismo a que é possível chegar, pois há todo um caminho na progressão de cada grau. Sou céptica, há muito tempo, sobre as virtudes da raça humana e, por consequência, sobre o amor. Sou desconfiada e rapidamente desenho as possibilidades mais negras - tiro da minha base de dados pessoal exemplos da minha experiência, e das de outros que acompanhei, e aplico-os como o padrão provável ao contorno de cada outro que atravessa o meu caminho, de cada história que me enrola.

A evolução é a vontade de errar. Até certo momento, mesmo desenhando a probabilidade mais certa como um repetido desaire, na dúvida ía saber. Queria tirar tudo a limpo - não para confirmar um cenário negro, mas na esperança de estar errada, querendo mesmo estar errada, por acreditar na possibilidade da excepção à regra, porque apesar do cepticismo ainda tinha esperança de que o exemplo para trás fosse apena má sorte. Mas acumulam-se as confirmações pela negativa, os padrões tomam contornos cada vez mais nítidos, as probabilidades aproximam-se cada vez mais do absoluto, diminuindo sucessivamente a margem de erro. E assim, a partir de certo ponto, com as negras probabilidades tornadas inevitabilidades, as dúvidas tornam-se certezas. E já não se dá sequer um passo para tentar esclarecimentos - já não são precisos. Assumimos que não há erro, autoproclamamo-nos realistas, recusamos a excepção à regra, largamos a esperança. O desenho de cada outro vai construindo uma raça de gente incapaz de amar e indigna do nosso amor; portanto, o amor como o quisemos encontrar e viver, não tem espaço de existir.

Em que momento exacto passamos de cépticos a cínicos (filosoficamente falando) é difícil de precisar. Mas é uma progressão inevitável. Nada podemos contra o caminho que fomos fazendo, os mortos que por ele enterramos e as vezes em que nele morremos. Um dia tem-se a certeza, simplesmente, de que não vale a pena acreditar, lutar ou esperar, por isso nada resta se não eliminar a necessidade de algo que sabemos não poder encontrar. Quem é que pode condenar um condenado?

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