Prólogo

Rumino para aqui a sucessão de acontecimentos recentes, sabendo que tenho algo de importante a destilar disto tudo, mas sem lá conseguir chegar com clareza. Volta e meia surgem uns pensamentos, umas frases, às vezes só para mim, às vezes em conversas com terceiros, e estupidamente deixo fugir, penso que devia escrevê-los, fazer uma colagem de frases soltas escritas a azul céu no meu bloco de capa preta. E juntar-lhes os textos, dos emails, das mensagens, pelo meio desta correnteza de coisas que me atravessa. Uma história, afinal, escreve-se assim. E é uma história que se está a escrever, com a suberba imaginação com que a realidade nos surpreende. Desde logo por começar com um encontro improvável de duas pessoas que não se conhecem nem vivem na mesma cidade. Cruzam-se por acaso, encetando a comunicação num impulso que ninguém entende. Em pouco tempo partem para um encontro a dois, encontro que demorou, até ao dia em que a história os colocou na mesma cidade. 

A primeira palavra de impacto: "adorable" - escreve-me ele sobre uma resposta minha. Digo-lhe que não sei o que teria de "adorable" - e acrescento: but that's such an adorable word! Ele confirma: que sim, adorable is indeed a nice word and should therefore be used with no fear! Depois, já na mesma cidade, já na língua mãe que tem sonoridades diferentes para um e outro, um café estende-se para um jantar, horas de conversa fluida a confirmar uma pessoa, para além de muito interessante, extremamente agradável. Uma simpatia, confidenciava eu a medo. Uma companhia simplesmente encantadora, escreve-me ele logo depois. Confirma no dia seguinte ao vivo e vai escrevendo, vou respondendo, vão-se somando as palavras com os dias. Depois a partida. Adorei conhecer-te. Gostaria muito de te rever. Depois a presença possível na distância. Boa noite, querida. Um belo dia para você, querida. Beijos de novo de Paris. Vão chegando, palavras, imagens e beijos, em diversos suportes, enquanto avança a história, e hoje chegam manuscritos em papel pesado, num envelope com selo e carimbo de outra cidade, mas são estes os beijos que agora me deixam com a sensação de que a história cresceu e já tem um passado. E um futuro tem de ter, seja ele qual for, porque este texto não está acabado.

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