Milimétrica

Esta coisa das fronteiras e limites pessoais é difícil de entender. Lembro-me de como percebi, num repente, há muitos anos atrás, que tinha deixado ultrapassar todos os limites do razoável e quase todos os limites da dignidade. Percebi, depois, que foi acontecendo, numa progressão subreptícia, quase imperceptível a cada milímetro que avançava a linha. Achei espantoso ser possível afastar-me tanto dos limites em que me pensei, sem sequer me aperceber disso, senão num momento de desespero que me trouxe lucidez à visão da geografia que permitira que me definisse. Agora, num novo mapa de mim, vejo que as linhas fronteiriças recuaram bem para trás do que seriam os seus originais limites e apercebo-me, com alguma tristeza, que um milímetro mais me custa uma guerra, porque um milímetro mais é um milímetro menos dos limites a que já cheguei e não quero vislumbrar de novo. A distância é muito maior, mas agora sei o que se esconde por detrás de cada bocadinho que se estende no mapa, sei que cada milésimo torna mais fácil o próximo, e assim sucessivamente até que falemos de centésimos, que também se vão juntando, crescendo as casas decimais, até que estamos soterrados debaixo de muitos metros de porcaria e perdidos a muitos quilómetros de distância do que fomos e de para onde quisemos ir.

Um milímetro para outros, banal e desprezível, traz para mim mais perto o sabor amargo da memória de onde andei, traz presente o susto da treva onde me fechei, explode-me numa angústia de alarmes de que fujo em pânico. É só mais um milímetro - é. Mas é também menos um milímetro. E a minha tolerância tem hoje muito poucos para dispensar. Movo-me num espaço exíguo com fronteiras de pedra. Tornei-me rigorosamente milimétrica.

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