O plano

Quem pode realmente planear a vida, que é feita de inesperados? Já várias vezes tive que pôr na gaveta os planos de vida que um dia desenhei, pensava que com a duração da tinta da china, quando afinal duraram menos que esboços de carvão. E já consegui aprender, embora um pouco à martelada, que não preciso de outro imediatamente pronto para substituir cada um que falha. Preciso apenas e só, de cada vez, de uma folha de papel branco e vontade de desenhar. Custa olhar o tempo passar e nada se consubstanciar nessa folha - indiscutível e penosa verdade, mas é pior, muito pior, ter de andar mais tarde a apagar, a remendar, tudo sem resultado satisfatório, e tudo porque se insistiu em usar a tinta da china, e se desenhou com base naquilo que estava mais à mão, e não naquilo que realmente se queria alcançar. O plano só pode ser continuar a acreditar que um dia acerto no objecto e na perspectiva, que nessa altura terei a folha lisa e limpa e, então, valerá a pena desenhar - ainda assim, sempre a carvão. O problema é que essa resistência à tinta é um medo mascarado de prudência, sentido numa hesitação. Talvez porque guardo os planos falhados na gaveta em vez de os deitar no lixo, e a gaveta está cheia de desilusão. Ainda assim, vi-me hoje capaz de ultrapassar essa hesitação e arriscar juntar um traço ao esboço que já vejo crescer no papel, ao mesmo tempo que penso que é melhor somar mais um plano falhado à gaveta do que manter-me frente a uma folha vazia, sem coragem de pegar na caneta.

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