Filho,

Vou-te faltar - para nos bastar. Vou partir muitas vezes, mas volto, volto sempre, de cada vez, e um dia volto capaz de não te faltar mais, volto com o meu dever cumprido, para que não te falte tudo o resto e a mim não me falte a convicção de que fiz por ti o meu melhor - e assim fiz, também, o melhor para mim.

Sobra, sobrará sempre, uma pedrinha na alma, a culpa que irei carregar em cada ausência - e, provavelmente, até ao dia em que tu, feito filho já homem, tenhas a capacidade e a generosidade de me mostrar que não guardas de mim ressentimentos. A vida é toda ela feita de escolhas mas, mais importante que perceber que não podemos escolher tudo, é fundamental perceber que, por vezes, as escolhas no imediato podem não parece o melhor, mas são caminho necessário para o destino onde queremos chegar. Por vezes, a escolha aparente de uma coisa é, na verdade, a escolha, a aposta, noutra completamente diferente. E também há que aprender que, por mais que pesemos as escolhas, por vezes escolhemos errado. Tenho uma imensa fé em que não será esse o caso.

Espero que um dia compreendas que eu tinha de agarrar isto, por todos os motivos e mais alguns: por ti e pelo teu futuro; por mim e pelo meu futuro; por nós, num melhor futuro. E depois, acompanho-te mesmo nas ausências, seja de que forma for e, nos tempos de presença, havemos de cimentar as pontes que unem os nossos tempos, havemos de forjar abraços que se estendam à largura do mundo que vou percorrer e ao comprimento do tempo que vou estar ausente - para depois, elásticos, os mesmos abraços nos acolherem aos dois em cada regresso.

Gostava muito que soubesses que te levo sempre comigo; que és e continuarás a ser a minha primeira âncora, a raíz da minha sanidade, a minha força maior, a minha coragem quase toda. Não sei como explicar tudo isto à medida dos teus cinco anos. Sei que, nessa medida, o que te interessa é o imediato do abraço, do sorriso, da voz, da companhia de que sentirás falta por vezes. Mas fazem-te falta também outras coisas - que eu vou buscar. Vou, também, com esperança e coragem, buscar-te uma mãe mais feliz, mesmo que por via de outras coisas que não o amor, que esse não encontrei a não ser naquilo que me ensinas - e de que quero ser sempre digna.

Da que que te ama sempre de coração cheio, sempre tua,

Mãe

(Ao L, a primeira de muitas cartas que quero escrever-lhe nos próximos tempos, para ele ler daqui a muitos anos, quando seja capaz de entender estas linhas, agora impróprias para a idade)

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