Vai


Fumo um cigarro. O último cigarro de ti. Não te volto a tragar numa inspiração que traz à minha boca o teu sabor, ao meu peito aquele tremor invasivo mas que me preenche. Não volto a sentir-te de olhos fechados num exalar de fumo que me acalma os sentidos. Abro os olhos sempre para rever no fumo do cigarro as imagens de nós que se me impregnaram na alma. O meu vestido era verde naquela noite de finalmente. Lembras-te? Seda verde esmeralda que escorreste pela minha pele. A minha pele muito branca, em contraste com as tuas mãos morenas. Será que te lembras? Mais uma passa deste cigarro a relembrar as tuas mão por mim. Dançamos tanto, a química era poderosíssima. Amamos o mesmo poema que mais ninguém sentiu daquela forma intensa. Foi explosivo, desde o primeiro instante. Lembras-te? Foi um tumulto, emocional e físico, a dança, os olhares, os beijos. Foi mais forte que eu em tudo. Não sei de onde me veio aquela determinação de não te largar, de não querer que as tuas mãos se afastassem de mim, não querer desprender-me do teu abraço. Sentiste? Tu também não te desprendias de mim. Tu também me procuravas, sôfrego, intenso, com os dedos cravados em mim num vincar de posse sem dúvida. Não era? Era, pois, era magia. Os beijos foram mágicos, sim. E tu soubeste quando me invadir, quando hesitei, num enlace total do corpo, com as tuas mão e boca por mim a sossegarem-me numa descoberta apaixonada, tudo a dizer-me que realmente me querias, e eu a sentir e mostrar-te o quanto te queria também. Tu sabes, soubeste sempre.

Mas a vida tem vertigens e abismos. Depois de tanto arrebatamento, a dúvida. A insegurança, um fantasma a tomar-me. Num repente. E tu a olhares-me. E eu a fugir, para longe, muito longe, bem dentro de mim. E tu não querias seguir-me. Eu sei. Era um abraço, sabes? Eu acho que sabes, sim. Porque sabes que fugi de ti, porque sabes que eu vi. Tu não querias seguir-me, porque esse caminho não era de corpo, não era de pele. Nesse repente, o que era mágico de tão inexplicavelmente bom transformou-se em absurdo de tão assustadoramente inexplicável. Chamamos-lhe depois estranheza. Sem porquês. Depois mostraste desejo. Senti de novo as tuas mãos por mim, aquela forma de me agarrares, de me tomares por tua, a que eu não resisto. Mas nunca pode ser mais que isso, porque nos prendemos para sempre naquele momento mau, fechamo-nos naquele repente, instalamo-nos na estranheza. Sem futuro. Num repente. E tu sabes, sabes sim.

De repente, acaba o cigarro. Tem existência curta, arde num instante. Como nós. A mim deixou-me um cancro, a ti uma beata no cinzeiro. Ando a lutar pela cura e cada cigarro que fumo de ti intoxica-me. Porque os fumo? Porque és um vício que me consome. Mas hoje chega ao fim. Exalo-te uma última vez. Vai. Vai nesse fumo que se dispersa. Vai assim, desvanece-te. Não me levantas mais os pés do chão. Não és mais o homem, as mãos, a boca. Agora, foste fogo, foste inspiração de prazer, foste doença e vício, e és finalmente uma alma que se foi em fumo e um corpo no cinzeiro. Não te quero pelo que tive de ti, nem mesmo na sensualidade das memórias em espiral de fumo azul. Não quero a beira do abismo, não quero a vertigem, não quero o sonho. Quero o real com os dois pés no chão, o todo, com fogo a arder, sim, mas num caminho de corpo e alma, que não posso fazer contigo, que não sabes fazer comigo. Não te quero por tão pouco. Porque eu sou mais. Porque mereço mais. Muito mais.

14 comentários:

Unknown disse...

Adorei o teu texto. Apanhou-me no fim de noite, de cigarro na mão, sorriso nos lábios. Quero que a minha magia, como a do teu vestido verde, aquela que me trouxe ainda agora o sorriso, que é beira do abismo, vertigem, sonho, que é também, sinto, pés no chão com fogo a arder, caminho de corpo e alma, me acompanhe sempre como hoje... E espero tb que a magia te surpreenda e te volte a encantar.

Apple disse...

Mereces mais. Mereces a plenitude. Vais tê-la!!

1REZ3 disse...

Mereces pois, Princesa! E vais ter.
Mais uma vez reforço como foi possivel não te ver? Era disto que falava, desta escrita, desta forma de estar e ser. De tudo o que és e podes dar.

E por tudo isto, Princesa, és sem dúvida muito mais! E és e tens tudo o que é preciso para deixares para trás esse caminho passado.
Segue, orgulhosamente, de nariz empinado :), em frente! O mundo é teu :)

Bj.

CB disse...

M,
Obrigada por leres com gosto. Fico feliz por ti, por teres encontrado essa mágica e a possas viver feliz. Desejo-te que esse sorriso te acompanhe sempre como queres.

CB disse...

Apple, obrigada. :)

CB disse...

Treze,
Obigada. Sigo com cuidado, mais segura de mim hoje, mas com a humildade de saber que o que somos pode não nos trazer o que desejamos, mas tem de ser o suficiente para recusar o que não nos chega. Tem de ser suficientemente forte para não nos deixarmos sucumbir e recomeçar o caminho com esperança.
Bj

Light Princess disse...

Lindíssimo, princesa. Especialmente a força da pessoa por detrás das palavras.
Bj

CB disse...

Luz, obrigada. Mas também fraquejo.
Bj

Pronúncia disse...

Vais finalmente livrar-te do (des) no teu nick?!... ;)

CB disse...

Pronúncia,
Era bom, mas não. Ainda mora aqui a tristeza e muito desencantamento.

ruth ministro disse...

Texto fortíssimo, este. Encheu-me bem as medidas. Muito bom, mesmo.

Beijos

CB disse...

Núvem, muito obrigada.
Beijos

LBJ disse...

Um texto de purga.

Atrevia-me a dizer que é um dos teus melhor textos.

Um Beijo, até já.

CB disse...

LBJ,
Obrigada, mas olha que, talvez por ser purga, não foi dos textos que gostei mais de escrever.
Um beijo