Segue a parte 3

(...)

Num impulso, deixou uma nota generosa em cima da mesa e atravessou a avenida, sempre com os olhos fixados nela, sem se importar com nada do que acontecia à sua volta, nem pensar sequer se algum carro o atropelava naquela travessia. Movia-se com se voasse baixinho, quase deslizante, e quase sem esforço, tal era o magnetismo daquela atracção e a certeza daquele movimento de ímpeto.

À medida que se aproximava, ía percebendo os pormenores da figura. O desenho do corpo delgado, esguio, mas muito feminino. Foi distinguindo as várias curvas que se advinhavam por baixo da roupa leve e clara que vestia. Apercebeu-se das várias tonalidades de ouro que lhe brilhavam no cabelo. Tudo o maravilhava. Era a visão mais sublime que tinha experimentado na vida. Ao mesmo tempo, alguma coisa gritava dentro dele que parasse, que voltasse atrás, que ali havia perigo. Continuava a mover-se determinado, mas a sentir o tremor da adrenalina, não sabendo bem se pelo desafio do perigo, instinto de sobrevivência, se pelo fascínio da atracção que sentia por aquele anjo.

Deteve-se mesmo junto dela, ainda a focar a vista no seu rosto que não perdia o mesmo sorriso que ele intuíra da esplanada do outro lado da avenida. A máquina fotográfica ainda na mesma posição. Os olhos dela eram verdes, como azeitonas brilhantes, mas desenhados como amêndoas e emoldurados por umas longas pestanas. Quando estava ao seu lado, seguiu-lhe a direcção do olhar e viu. A copa da árvore formara uma abertura, por algum capricho da mãe natureza, e no meio das cores castanhas e lilazes dos ramos e das flores surgia um céu azul desenhado em forma de coração perfeito, com o sol a brilhar no meio. Mesmo ao centro. Pasmou-se com aquela visão. Era coisa que nunca veria por mais que olhasse para cima, se não tivesse seguido aquele olhar. Olhar que nunca encontraria se não tivesse saído do escritório a meio da tarde para vaguear pelas ruas que já mal conhecia. O que nunca teria contecido se não fossem aquelas fotografias tremendas. Sentiu um murro no estômago com a tomada de consciência do quão desumanizado se tornara, do quão fria e desprovida de encantos se tornara a sua vida. Ao perceber que os seus olhos não sabiam já procurar a beleza em nada, porque já não saía em procura de nada.

Ainda olhava para cima, num misto de quente e frio, de maravilha e crueza, quando a ouviu pela primeira vez. Ela não se tinha mexido, continuava também a olhar para cima. Tinha uma voz doce, ligeiramente grave, mas melodiosa, e baixa, tranquila, quase um sussurro. Tal como a imagem que tinha visto do outro lado da estrada, a voz não parecia deste mundo.

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(continua)

2 comentários:

LBJ disse...

Tu és sádica, assim a dar-nos um bocadinho de cada vez, pequenino, pequenino... Vá hoje quero mais...

Um Beijo

CB disse...

Ahahahah! Sádica?! Não, de maneira nenhuma. E hoje há mais um bocadinho (maior que este, pronto...).
Um beijo