A Dançar na Bruma


Às vezes parece que tudo conjura para nos dar cabo da vida. Ou pelo menos da paciência. Amargura-me sentir que não consigo verdadeiramente andar para a frente. Amarras prendem-me. Sinto-me zangada, irritada, até com coisas menores que não são realmente importantes, mas não são realmente como queria que fossem. Por mais que o tempo passe, por mais que o tempo esteja fechado, por mais que o assunto esteja arrumado, o certo é que ainda tenho de lutar todos os dias para não pensar, não recordar, não me deixar afectar pela tristeza que cá mora. E esse mesmo esforço é uma forma de continuar afectada por isto, por ele, e reconhecê-lo é frustrante e enfurecedor.

Quero fugir-lhe. Quero não o ver. Quero não me lembrar dele, do rosto, do nome, do gosto, e de tudo o resto. É cada dia mais fácil, é certo. Cada dia é um pouco menos o tempo de luta, é um pouco menos dura a luta. Mas é ainda cada dia. E a cada dia fico mais vazia. A cada dia fico mais sozinha. Disfarce o que disfarçar, escreva o que escrever, distraia-me com o que seja. Sinto que me envolvi propositadamente num nevoeiro cerrado, para que nem eu veja. Mas sei. Sei muito bem.

Sinto a ventania de volta. Junto com a tristeza, a irritação e a raiva, a vontade de me encher de qualquer coisa que ensope os restos dele e me encha de novo de algo diferente. Tenho urgência de animação, de turbilhão, de movimento desabrido. É sempre assim quando me peso tão insignificante. Preciso de um milhão de actividades, gente, barulho, luzes e cores. Ocupar-me, cansar o corpo, ocupar a mente, recuperar-me o espaço que ele ocupou, expropriou de mim.

Apetece-me mandar tudo à merd@. Borrifar-me para tudo e para todos e sair por aí sem pensar no dia de amanhã. Beber mesmo uns shots de um trago e deixar-me ir. Rir, rir muito, para que as lágrimas nem cheguem aos olhos, espantar a desilusão. Cantar e dançar, dizer disparates, brilhar por aí, para espantar a solidão. Estou capaz de uma loucura só para sossegar esta besta que me consome. Procurar outros braços, outros braços quaisquer, não importa, não interessa. Queria provar que não preciso dele para nada, absolutamente nada. Provar-me a mim sei lá o quê e porquê. Até sei. Tanta coisa. Queria dar-me peso, significância. Ronda-me a tentação. Seria tão fácil.

Mas sei o que custa acordar. E sobretudo, sei que não lhe quero reconhecer esse poder sobre mim. Pode ter-me levado muita coisa, pode levar-me ainda muito mais, mas não posso deixar que me leve a essência. E sei que, na essência, não quero nunca mais nada pela metade, nunca mais quero um engano destes. Quero tudo, tudinho, um bilhete full fare, com tudo a que tenho direito, e em primeira classe. A mesma paixão doida, a mesma ternura inebriante, a mesma frescura, a mesma fogueira, a mesma intensidade de cor e sabor. E assim fico sem nada, a não ser uma recordação inútil, um desencantamento e uma tristeza, na solidão da bruma do que não foi, nem será. E que esconde o vazio de que não me consigo livrar.

Por isso também oiço outra música.

18 comentários:

Apple disse...

"Nunca mais nada pela metade"...assino por baixo... Identifico-me com o barómetro emocional, a que talvez não seja alheio o cinzento do dia. Por aqui também pairam nuvens de tempestade...

Light Princess disse...

Eu podia ter escrito estas letras... revi-me nelas. Mas as ondas de força crescem, passo a passo. Com muita ajuda do auto-amor.
Força

CB disse...

Apple,
O cinzento e a chuva do dia não ajudam, certamente. Quase me sinto culpada por ter contaminado o tempo lá fora... Não sei bem se foi assim ou vice-versa.

CB disse...

Luz,
O problem das ondas de força é, precisamente, serem ondas. Vêm e vão-se. Às vezes quanto mais força trazem, mais estragos fazem quando voltam ao mar. E depois voltam... Obrigada.

mf disse...

Revi-me nestas tuas palavras. Há uns tempos atrás eram minhas. Agora o mar começou a acalmar. vai chegar essa altura para ti, minha querida. É dar tempo. E teres paciência...

Beijo

CB disse...

mf,
Que bom ter-te de volta! :)
Eu tenho esperança que sim, mas às vezes falta-me essa "paciência". Irrita-me o marasmo do entretanto e entro em espiral de movimento para tentar fazer "mexer" as coisas, chegar mais depressa. E depois estafo-me com a correria e de repente percebo que quase não saí do mesmo lugar.
Beijo

mf disse...

Tenho tido pouco tempo para passear por aqui, mas não me esqueci de ti. ;)

Quando me sinto como tu estás, limito-me a sentir que preciso de ter paciência comigo. Se temos paciência com os outros, temos de a ter connosco também. E imagino-me mentalmente a fazer-me uma festa nos cabelos. Normalmente ajuda.

Beijo

PS - Um dia, quando menos esperares, vais perceber que correste e nem te apercebeste disso.

Sendyourlove disse...

Bem vinda ao meu humilde espaço/cabeça/vida...
A porta está sempre aberta, para quem vem por bem :)
A bruma... sei demasiado bem os caminhos da bruma...
E quando começei a ler senti estas palavras como minhas à tempos atrás... e pensei quão penoso foi sair da bruma e como achei que fazer loucuras, encontrar outros braços, rir muito, mesmo sem vontade, mandar tudo ao ar, espantar a solidão era a solução para a minha angustia, tristeza, desespero, vazio...
Mas tudo isso me me fez avançar na bruma e não sair dela.
Quando cheguei ao final percebi que mais equilibrada do que eu, tu sabes que esse não é o caminho...
O tempo, um tempo de "luto" em primeiro, o tempo de te conheceres a ti sem ele, um tempo de saber esperar, um tempo de saber perceber que se não foi, era porque não tinha mesmo de ser e um tempo de agradecer o que de bom pode ter existido...
Ainda não encontrei alguém que inteiro seja esse sonho de amor... mas nestes 6 anos aprendi muito de mim, muito mais que no resto da minha existência, apesar da dor, depois de ultrapassada ela faz-nos mais fortes e abre-nos os olhos para o que realmente importa e nos faz felizes... segundos de simplicidade que todos temos todos os dias, mas que andamos demasiado distraídos para somar e dar importância.
Desculpa a extensão do comentário, mas são textos como estes, que eu também muitas vezes escrevo, que me fazem perceber, quando os leio, o quanto sou realizada, como mulher, como mãe, como amiga, como profissional, como pessoa...e sim o amor é muito importante, e por ele espero, mas não podemos colocar apenas nele a carga de toda a nossa existência e felicidade.
Mais uma vez desculpa o abuso...
Bj

CB disse...

mf,
Obrigada. Gostei da festa no cabelo... :)

CB disse...

Sendyourlove,
Bem vinda aqui também. :)
Não é "abuso" nenhum, agradeço o teu comentário, e é bom ouvir de alguém que já passou por aqui sobreviveu.
Conheço já todos esses tempos, e parece-me às vezes que eles se repetem em círculo sem nunca chegar à verdadeira paz de espírito e muito menos perto de me sentir "feliz". É cruel este círculo vicioso.
Também concordo que muitas vezes nos escapam as coisas boas que vão acontecendo pelo caminho. Gostei da ideia da "soma" - eu por acaso uso "coleccionar".
O amor é mesmo importante, sei que se pode viver sem ele por outros se tivermos amor por nós, mas custa-me pensar que chegue assim. É que sou ambiciosa - quero mesmo mais...
Bj

Francis disse...

isso está terrivel...
hoje não está bom dia para esses pensamentos...

CB disse...

Francis,
Com bem dizias, está uma "bela merda". O dia e os pensamentos.

mf disse...

Não está nada uma bela merda, o dia. Hoje já sorriste, já tiveste convidados novos aqui, já destilaste penas (destilar é pôr para fora e isso faz sempre bem). Já percebeste que há mais como tu.
E já abraçaste o homenzinho da tua vida, de certeza.

O amor anda aí. Há-de ser encontrado. Ou há-de encontrar-te.

Hoje é só uma festa nos cabelos e paciência. :)

CB disse...

mf,
Tive tudo isso, é verdade, mas o abraço do meu homenzinho foi de despedida para 4 dias com o pai, o que deixa sempre um tristinho.
Por outro lado, deixa-me uns dias de mulher, há que manter-me ocupada, e começa já com um jantar daqui a pouco. Vou por aí, procurando, sim. Mas o tempo está mesmo uma merda! :)

LBJ disse...

As brumas sempre acabam por se dissipar, rendidas ao poder dos raios de luz que as trespassam, senão hoje talvez amanhã, senão amanhã talvez depois. Há sempre um amanhecer depois da noite e a certeza do Sol, mesmo que por um momento oculto.

Ganha cor, aproveita o sal do ar, respira a frescura da noite, saboreia os gostos do mar e a ternura dos amigos ;)

Amanhã vai ser outro dia.

Beijo

1REZ3 disse...

Braços não sei, mas um abraço aqui fica. Sentido :)
E como diz o LBJ, amanhã é outro dia.

PS: Princesa, pode ser e ter sido tudo isso mas há muita gente bem interessante por aí fora. Acredita, sei do que falo, quando menos deres por isso...

CB disse...

LBJ,
Obrigada, mas acordei para um dia bem pior. Na perspectiva de longas semanas de muitos problemas e ausência do meu filho. Explico já a seguir...
Beijo

CB disse...

Treze,
Obrigada pelo abraço. :)
Como disse acima ao LBJ; acordei pior que ontem. Cada uma que me acontece... Sem dar por isso acabei foi a noite no hospital! :(