Quando outros escrevem por nós, basta



Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.


Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.


Por quê jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por quê o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.


Sophia de Mello Breyner Andressen

4 comentários:

1REZ3 disse...

Os outros escrevem, mas deveremos aceitar?

E logo que tu que escreves tão bem... :)
Quanto à outra escrita (a do teu caminho até hoje), - e não me canso disto (já tu não sei...) - alguém te saberá "ler", quando menos esperares :D
Eu pelo menos não acredito que pessoas assim não tenham o que merecem...

CB disse...

Treze,
Nem sei o que te diga... Mas não, não me canso, é bom "ouvir". ;)
É difícil de, honestamente, tirar medida certa ao que "merecemos". Mereço o quê por ser como sou, por ter feito as escolhas que fiz, por ter cometido os erros que cometi? O castigo, o purgatório, ou o céu? Certamente uma penitência, que neste momento é a da solidão da passagem, esses jardins e céus e mares que agora me parece que nunca serei capaz de viver. Talvez tenha um dia um final de recompensa. Se o merecerei? Não sei. Faço por isso, mas não nascemos para a vida com garantias de "satsifeito ou reembolsado"...

1REZ3 disse...

Princesa:

"Má" escolha de palavras, peço desculpa. Ou melhor, falta de explicação.
Quando digo merecer é no sentido de a pessoa fazer por isso, de a pessoa o desejar de coração. E estava a aplicar o sentido no geral (estando lá tu incluida, claro)

CB disse...

Treze,
Eu percebi, não te preocupes. Mas de facto, mesmo que se faça por isso e se queira muito, não há garantias para ninguém. Mas obrigada - haja quem acredita. :)