Segue a parte 5

(...)

Era um hotel de três estrelas, um edifício antigo recentemente recuperado e pintado de um azul forte. Tinha a particulariedade de manter um antigo poço, que datava o local emprestando-lhe, simultaneamente, um certo ar romanesco de contos de encantar. Não era luxuoso, nem pretendia ser, mas era obviamente limpo e o serviço era bom. Portanto, honesto. À chegada, Sofia pensava no que dizer àquele homem de quem queria mais sem perceber porquê. Virou-se para ele e encontrou-o na expressão óbvia do mesmo dilema. Sorriu-lhe e ele devolveu-lhe um sorriso quase infantil.

- Quero mais de ti – disse-lhe ele baixinho.

Respirando fundo, tanto de alívio como de contentamento, ela respondeu-lhe apenas - Estou aqui até Domingo.

Os olhos dos dois seguravam-se mutuamente numa corrente invisível mas palpável, que os puxava um para o outro. Estavam no meio da rua estreita, já escura pelo fim de tarde e pela natural penumbra da sombra dos edifícios à volta. Estavam à porta do hotel, na mira do olhar inquisitivo do pessoal da recepção que os observava dissimuladamente pela transparência dos vidros da porta da entrada.

E então tornou-se ímpossível resistirem-se, e alguma coisa os empurrou num pequeno passo simultâneo em frente, que os pôs nos braços um do outro. Naquela sombra aconteceu o beijo, arrepiante, quente, molhado, num entendimento instintivo perfeito de mais do que bocas e línguas a deslizar. Doce e intenso, tão intenso que catapultou os dois corpos para uma proximidade de encaixe quase total, com ela entre os braços dele e ele a envolvê-la na totalidade, ambos a sentirem o contacto dos dois corpos desconhecidos mas que parecia que se reencontravam. E as mão dele pela cintura e pelas costas dela, a quererem muito mais, agarrando-a com uma força imensa mas com a delicadeza de quem segura algo frágil e precioso. E ela sentindo-lhe as mãos com um arrepio de calor e escorrendo as suas pelos ombros, pescoço e nuca dele, a mergulhar naquele calor e naquele cheiro, a querer fundir-se com a sua pele.

Sôfregos. Electrizados. Alvoraçados. Vibrantes de desejo e de contentamento inexplicável. Olhos nos olhos no fim do beijo, a ponta dos narizes colada e as bocas húmidas da saliva trocada, bocas semi-abertas, a recuperar o fôlego e a procurar mais. Ela mordeu ligeiramente o lábio inferior, no esboço de um sorriso de perplexidade e embaraço, e ele pousou um dedo sobre o lábio que os dentes dela vincavam, soltando-o da tortura, com um sorriso um pouco malicioso no meio da expressão de desejo que lhe brilhava nos olhos. Percorreu com o dedo uma linha recta do meio da boca dela, pelo queixo, e pelo longo pescoço abaixo, detendo-se no fim do decote, e afastou-se ligeiramente. Sofia estremeceu mergulhando nos olhos dele, e mordendo de novo o lábio instintivamente.

- Eu volto. - disse-lhe ao abrir a porta para que entrasse no hotel. E antes de largar a porta acrescentou – Não me perco de ti.

Pedro seguiu o seu caminho enquanto Sofia se situava na realidade do espaço e do tempo, de que tinha perdido noção por completo. O lobby do hotel tinha azulejos antigos e tocava Fado em pano de fundo. O bar era acolhedor, com as paredes de pedra antiga à vista, com madeiras quentes à mistura, e uma iluminação apropriada. Decidiu seguir para ali e beber alguma coisa alcoólica, bem forte, para recuperar a lucidez que lhe roubara aquele beijo estonteante e pôr ordem nas ideias. Que momento... Que homem era aquele? O que se passava consigo para desejar assim um desconhecido, beijá-lo daquela forma ao fim de poucas horas de um encontro fortuíto?

Estava um bocado assustada mas acalmou com o alcool, decidida a pôr o episódio para trás, e subindo ao quarto, que o dia tinha sido longo e cansativo, e nem queria pensar que ainda tinha de voltar a sair para jantar.

Tomou um longo duche e mesmo assim sentia o cheiro dele. Vestiu roupa lavada, perfumou-se, e mesmo assim sentia o cheiro dele. Quanto mais tentava afastar a recordação dele, mais sentia o mesmo tremor avassalador do momento do beijo. Que beijo... “Mais. Mais! Quero mais dele. Quero mais daquilo.” Era só nisso que pensava. Imaginava onde estaria ele, no que estaria a pensar, e de repente entrou em pânico a pensar que ele certamente teria ficado com uma péssima imagem dela. Que mulher se entregava assim num beijo a um desconhecido ao fim de pouco mais de uma hora de conversa? E que homem era aquele, o que é que ele quereria realmente dela? Deveria ter medo? Provavelmente. Mas não tinha.

No meio da ventania de perguntas que ecoavam na sua cabeça, cheirava-o por todo o lado. Levou a mão à boca recordando o toque da boca dele, fechando os olhos e sentindo a contracção de prazer a percorrer-lhe o corpo, quase a sentir as mãos dele a agarrarem-na outra vez, a sentir o calor do corpo dele e o enlace daquele beijo mágico.

Sentou-se à janela a olhar a mesma rua onde se haviam beijado e recordou a conversa na esplanada. Espantoso como se recordava de tantos detalhes. Tudo o que ele lhe tinha dito estava como que tatuado na sua memória. Resolveu que tinha de o ver de novo. Perguntava-se se ele realmente voltaria, como lhe tinha dito na despedida. E quando?... Não sabia dele o suficiente para o procurar, mas sentia que o conhecia o suficiente para saber que ele voltava mesmo. Estava ainda confusa com tudo o que se tinha passado.

Finalmente, resolveu sair para jantar. Não queria ter de andar por aquelas ruas sozinha a horas tardias. Pegou nas suas coisas e saiu do quarto, passou pela Recepção e, de repente, deteve-se no noticiário que passava na televisão do bar. Começou a aproximar-se, lentamente, suspensa nas imagens que estava a ver, com um aperto, uma dor, a tomar conta dela toda quanto mais se aproximava do detalhe da imagem e à medida que a locução se tornava mais audível e compreensível. Mas incompreensível. Assustadora. Uma agonia a invadi-la. E uma força a puxá-la na direcção do ecrã, até ficar quase colada a ele.

Depois de uns minutos, subiu ao quarto em transe e tomou uma decisão, sem escapar ao aperto de dentro que levara para cima, e uma lágrima que se insinuou com força suficiente para lhe escorrer pela face.

(continua)

4 comentários:

LBJ disse...

Bem retornada :)

Estás a ficar perita no suspense ;)

Aguardo a sexta.

Beijo

CB disse...

LBJ,
Obrigada. ;)
Um beijo

Ana GG disse...

Soube-me bem!
De repente sentimo-nos na pele da Sofia e apetece-nos um beijo como aquele...com um morder de lábio instintivo.

Mais uma que fica a aguadar as próximas cenas.
:)

PS. Princesa, algo me diz que és esta Sofia...hummmmmm....
;D

CB disse...

Ana,
Que bom! Era essa a ideia, mas não sabia se funcionava mesmo. :)

PS: Não sou a Sofia - ela e até o Pedro desta história têm uns bocadinhos de mim, e de outros também. Mas são mesmo personagens fictícios. O beijo, esse... ;)