Bagagem de Trintões

À medida que me vou entranhando na blogosfera, vou descobrindo, boquiaberta, uma enorme quantidade de gente entrada nos trintas, a viver problemas relacionais muitíssimo semelhantes, a sofrer dores comuns, a queixar-se dos mesmos desalentos. Olhando para o meu próprio grupo de amigos, na realidade já mais a roçar os quarentas e para lá, confirma-se isso mesmo. Sobretudo a partir dos 35, barreira em que me encontro, e que marca a passagem para essa galeria dos "trintões", o caso é gritante.

Basicamente, vejo 4 tipos de trintões, e embora isto seja um pouco redutor, na verdade as variações que se encontram são de alminhas a transitar entre estes 4 estádios:
  • Os solteiros "Peter Pan", à procura de qualquer coisa "mais", e a coleccionar relações inconsequentes e fugazes, e a fugir do que procuram, com medo de crescer, de se comprometerem. Não são felizes, mas fazem por parecê-lo.

  • Os solteiros sofridos, a desejar encontrar a “alma gémea”, mas geralmente sem a procurarem realmente, fechados em lutos de relações importantes falhadas, desilusões de amor, muitas vezes a recuperar de divórcios. Não são felizes, e mostram-no.

  • Os comprometidos em crise, mais ou menos assumidos, à procura de “sentido” para as suas vidas e para as suas relações, ou já em fase de divórcio, ora a desejarem ser solteiros "Peter Pan" ora a sentirem-se solteiros sofridos, sozinhos e desiludidos. Não são felizes, mas tentam escondê-lo.

  • Os comprometidos felizes, sendo raríssimos os que estão juntos há mais do que 1 ano, que deve ser quanto dura o entusiasmo, enquanto não se instala a rotina, ainda se faz um esforço de compromisso - até começarem as crises, ou até um deles se armar em "Peter Pan" e deixar o outro como solteiro sofrido. Pensam que são felizes...

Todos à procura do mesmo - daquela pessoa especial, daquela relação plena, de serem realmente felizes. De se arrumarem na vida. Todos a queixarem-se do mesmo, e todos a fugirem do mesmo. A fugirem uns dos outros, amores desencontrados, destinos entre-cortados, linhas cruzadas. Todos a carregarem lastros, fantasmas e assombrações. Todos com medo. De repente há uns que têm coragem e parece que assim ainda fazem o outro ter mais medo. Parece que quando algum miserável tem o infortúnio de se apaixonar mesmo, é sempre ou pela pessoa errada, ou no momento errado. Todos querem uma coisa séria, mas todos fogem na antevisão da probabilidade de falhar. Sob desculpas diversas, desde a clássica de não querer estragar uma amizade, passando pela mais absurda do "não és tu - sou eu", e acabando no perverso simples silêncio frio, ausência total de comunicação, de explicações, de razões, fuga total. Todos falam línguas diferentes, e procuram o mesmo em sítios diferentes, ou simplesmente não vêm nada.

E o que nos leva realmente uns dos outros? Há uns tempos, uma amiga já bem entrada nos quarentas, dizia que era a "bagagem". Que a partir de certa idade, já se carrega tanto que, não só não temos espaço para mais, como já deixámos de acreditar que vale a pena correr o risco de "fazer espaço". É bem capaz de ter razão. Como é que era aquela coisa da "valise en carton"? Era suposto ser bom ter bagagem, não era?!

Parece que a maioria das pessoas já não toleram a ingerência de outro ser nas suas vidas - não querem perder o que já conquistaram, seja lá o que isso fôr. Já não querem nem podem dar-se, porque têm medo de sofrer desilusões e porque não conseguem combater os seus fantasmas. Já não acreditam no outro, porque já viram muita coisa. Já não se querem adaptar a um outro, porque acham que isso é vergonhoso. Vêm uma relação como uma batalha e não como um caminho de crescimento.

E digam-me, se é assim, haverá vida para lá dos 35? Quem aqui chega ainda à procura, já com umas malas nas mãos, encontrará algum dia? Gostava de encontrar na blogosfera uma, uminha, história de amor feliz depois dos 35. Mas gostava ainda mais de a viver e de a poder contar. Que raio de mundo é este para que acordei agora?!

19 comentários:

forteifeio disse...

Os preconceitos, as ideias pré-concebidas, a falta de paciência e muitas vezes a montanha de comparações fazem com que o individuo não aprecie o momento como único e libertador. Mas isto são frases de alguém que quanto mais pensa, fala, e conhece o ser-humano mais se surprenda com a complexidade do hoje e muito mais com o amanhã.

Mas são frases, porque a realidade é diferente

LBJ disse...

Ora aqui está um texto extraordinário, onde fazes demasiadas perguntas e por isso assumo que não esperas respostas.

Talvez, exista porem uma quinta categoria, a de aqueles que não são felizes e mostram-no e gostariam de pensar que um dia o poderão vir a ser e quiçá escrever a historia que queres ler.

Acordaste, isso é bom, bebe mais um café ou um shot de arrebitar e vai procurar o teu quinto elemento.

Apple disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Apple disse...

De uma lucidez assombrosa!Conheço os 4 tipos, volta e meia passo pelos 4 e, estranhamente por alguns em simultâneo. Eu e a maioria dos trintinhas, trintões e quarentinhas que conheço...No fundo,somos todos emocionalmente disfuncionais à procura de algo de que temos uma vaga ideia em abstracto mas, que na realidade, não fazemos ideia do que seja...

(obrigada pelo prize :)

mf disse...

Há uns tempos, alguém dizia que nos blogues anda quem precisa de desabafar e não tem cm quem na vida real. Se calhar vais encontrar aqui poucas pessoas felizes e bem porque essas não precisam de um blog para exorcizar a solidão...

Mas eu quero acreditar que neste mundo de muitos milhões há muita gente com mias de 35 a encontrar a felicidade...

CB disse...

Forteifeio, tão verdade que é nisso tudo que tropeçamos. A mim, a revelação tem sido que afinal somos todos muito mais parecidos do que se pensa, mas todos muito mais complexos do que gostaríamos, e a conjugação de tanta complexidade começa a tranforma-se numa equação absurda... A realidade? Para mim, é cada vez mais difícil de perceber o que é a realidade.

CB disse...

LBJ, obrigada! :) E não, não espero respostas... cho que ninguém as tem. Não sei se concordo com a tua 5ª categoria porque me parece muito o que chamo de "solteiros sofridos" - há esperança, quer-se encontrar, mas para mim a questão é se "realmente" procuram.
Acordei?! Olha - eu acho que estou cada vez mais a viver na twilight zone... Mas parece que é a vida mesmo! O 5º elemento é uma quimera.

CB disse...

Apple, obrigada. Tramada a "lucidez" quando serve para retratar realidades insanas...
"somos todos emocionalmente disfuncionais à procura de algo de que temos uma vaga ideia em abstracto mas, que na realidade, não fazemos ideia do que seja..." - as tuas palavras são perfeitas, não podia concordar mais... Que pena não é?...

CB disse...

Querida mf, acho que tens bastante razão no sentido de que as histórias felizes são para viver e não para escrever... Mas não sei se "nos blogues anda quem precisa de desabafar e não tem cm quem na vida real". Escrever é um processo solitário, mas nos blogues torna-se num processo comunitário. E não quer dizer que não se tenha amigos. Escrever é exorcizar, sem dúvida, mas pode não ser só solidão.
Eu também queria acreditar que se pode ainda encontrar a felicidade, aos 35, aos 45 ou aos 95... Pensava que era só má sorte minha. Mas assusta-me um bocadinho ver tanta má sorte por aí. Começo a pensar se a felicidade será a regra ou a excepção. Precisamos de um amuleto... :)

ruth ministro disse...

Um texto muitíssimo bem articulado este... Crítica inteligente e sensível aos laços dos dias de hoje... Laços ou nós... Gostei de te ler.

Beijinhos

CB disse...

Obrigada Nuvem. Faço minhas as tuas palavras do comentário ao post anterior... :)
Beijinhos

Pronúncia disse...

Princesa, gostei do que li.

Concordo em parte, especialmente com o facto de todos querermos ter aquela pessoa especial, mas ao mesmo tempo termos muito receio da entrega, e não o fazermos porque temos medo de falhar.

Sobre esta temática, lê o "Elogio ao Amor" do Miguel Esteves Cardoso, é uma crónica que encontras facilmente na net. Explica isto muito bem, melhor doq que alguma vez eu seria capaz de o fazer.

Estórias felizes depois dos 35?! Conheço algumas, os meus pais por exemplo... não andam é na net, nem na blogosfera.

Quanto ao facto de as pessoas que têm blogues é porque querem desabafar e não têm com quem... não concordo nem um bocadinho.

Felizmente, tenho amigos e familia com quem posso falar sobre tudo e mais alguma coisa. O desafio aqui é "conhecermos" opiniões de pessoas que de outra forma nunca conheceriamos. O que me agrada aqui, é o facto de pessoas de diferentes idades, de diferentes locais, com diferentes vivências e formações, poderem trocar impressões e até vermos que há pontos de convergência entre pessoas muito diferentes.

CB disse...

Pronúncia, muito obrigada. Tens razão quanto ao texto do MEC, e obrigada pelo bom exemplo de histórias felizes... :)
Quanto aos blogs, concordo inteiramente contigo, por isso respondi à mf que "Escrever é um processo solitário, mas nos blogues torna-se num processo comunitário" e o que descreves é exactamente aquilo que pretendia dizer com "comunitário".

mimi disse...

Eu trintona me confesso...encaixo na segunda opcção! O resto só ó futuro o dirá , mas gostava de chegar lá....não sei onde mas que gostava de lá chegar isso gostava!
A loucura tambem é habitual nesta geração!:)

CB disse...

Bem vinda Mimi e obrigada pela confissão! :) Resta-nos a esperança do final feliz, e um pouco de loucura para tornar as coisas um pouco mais divertidas até lá.

J. Maldonado disse...

Gostei muito deste post e concordo com ele.
Tal como tu, também estou nessa barreira dos 30... ;)

CB disse...

Maldonado, bem vindo e obrigada. É uma barreira, mesmo. :)

Anónimo disse...

Há demasiada gente cobarde por aí. E mimada. E chata. Falta muita alma na nossa geração. Concordo com tudo o que tu dizes. Tudo!

CB disse...

Imaculada, bem vinda. Parece que acertei mesmo... "Falta alma", é isso mesmo, infelizmente.