Ver o Amor


Quase toda a gente já tentou definir o Amor. Quase toda a gente tem para si meia dúzia de palavras do que considera ser o fundamental. Quase toda a gente já o definiu de maneiras diferentes, em alturas diferentes da vida.

Quase ninguém o define da mesma forma. Provavelmente porque quase ninguém o sente da mesma forma. E por isso, quase ninguém o dá da mesma forma. No entanto, quase todos querem receber de volta exactamente aquilo que dão.

Haverá, assim, tantas formas de amar quantas as pessoas no mundo capazes de o fazer. E todas as formas são legítimas, se forem efectivamente Amor, na sua expressão pura, no entendimento, na alma, de quem ama. Mas não são sempre compreensíveis para os outros, até porque sendo conceitos diferentes para cada um, são expressões diferentes de cada um. São como línguas diferentes, às vezes mais próximas e por isso como que dialectos vizinhos que se “apanham” com facilidade, outras vezes tão estrangeiras que não podemos, realmente, entender.

Deste modo, por vezes damos o nosso Amor sem que o outro sinta que o amamos. Não o vê, não o entende, não pode recebê-lo. E por isso, por vezes um outro ama-nos sem que nos sintamos amados. Não vêmos lá o que é para nós Amor, por isso não o sentimos, e não o recebemos. Se amamos esse outro, na nossa legítima forma própria, não nos sentimos correspondidos. E sofremos.

Pergunto-me se uns versos de Manoel Bandeira que li em tempos em estado de choque, porque me pareceram de uma crueza e de uma iverosimilidade totais, afinal não acertam mais do que queremos acreditar. “As almas são incomunicáveis./ Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo./ Porque os corpos se entendem, mas as almas não.”.

É de uma enorme crueldade, mas se duas almas não amam da mesma maneira, nunca conseguirão corresponder-se, nunca poderão comunicar, nunca poderão entender-se. E vão sentir-se desamadas, até rejeitadas, por uma alma que também ama sem se ver.

E a dúvida, agora, é saber se cada desamor que sofremos é realmente falta de amor, ou se é apenas não o sabermos ver. Mas, no fim, que importa se falta ou se não vêmos? O resultado é o mesmo – não nos chega. E sofremos.

Não querendo aceitar as palavras deste poeta, resta a esperança de encontrar, um dia, uma alma comunicante para amar. Que tenha por nós Amor que possamos ver e receber. E que lhe chegue o que temos para dar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Mana, quanto ao título estou convencida que no amor embaçado, há uma relação directa entre o ser miope e o Gatacão. No primeiro, o “cristalino” e o remoto e “desfocado” objecto não se encontam numa mesma fracção de tempo e luz e a imagem é tão selectiva quanto aquela que queremos aproximar do nosso nariz ... O nosso ponto focal é interpretado de modo precoce e então vemos ao perto como não conseguimos ao longe. Num outro paralelo, lembra-me aquele ser mítico que te descrevi produto da tentação, sempre malograda, de recriar um gato (um eu) e um cão (um ele/a) num mesma mesma identidade. Eis pois que com lentes se faça o sorilégio e que cada um se veja tal qual é. (E tomara que as dioptrias não sejam muitas e a intolerância às gelatinosas de contacto não nos firam a córnea...)

CB disse...

Mana, acusaste-me tu há dias no outro blog de ser escatológica por causa de uma frase tão bonita... agora transformas isto numa "questão oftalmológica"!
Pois sim, pois sim, isso das distâncias e focagens é muito certo. Mas há coisas que não se podem filtrar artificialmente, por melhores que sejam as lentes. Ou voltando à minha terminologia do post, se as almas falam línguas mutuamente incompreensíveis, não há dicionário nem curso que resolva o problema, porque a alma não aprende línguas.
Não sei se é possível juntar o gato e o cão. O meu "eu-gato" acha melhor procurar um outro felino qualquer, mesmo que seja um leão, e mesmo correndo o risco de ser devorada (pelo menos há-de avisar numa línguagem compreensível).

Anónimo disse...

Grrraaaauuuu !!!! Mana que assim seja!