Vivo No Sonho

E volto às minhas próprias palavras para tentar andar para a frente, apenas para esbarrar com a impossibilidade de me libertar. Desculpem-me, é maior que eu. A lógica não seca o amor. Escrevi há dias na resposta a um comentário: "Antes a luta contra todos os muros e barreiras, e a dor da impossibilidade do caminho. Também custa, claro. Mas pelo menos pode-se lutar e pode-se gritar de revolta contra algo tangível. Eu, neste momento, não sei nada. Nem por onde quero ir, nem se posso, nem se luto, nem se esqueço, nem se aguento, nem se morro de amor, nem se me matou já a dor."

E de repente, percebi que não estou a viver uma história de amor, ou desamor. Ele e o que sinto, e o que vivo em volta dele, são apenas construções mentais. Não são reais. Não têm existência, porque não há substância. São sonhos. O que existe é apenas meu: o amor que sinto e alimento com essas construções mentais, que por isso não é nada. E não vale a pena morrer por algo que não é. E assim, devia conseguir desconstruir na mente o suporte que alimenta o sentimento. Mas não consigo.

O amor só pode "ser" quando se alimenta de amor. Não quando se alimenta de futuros que não existem, ou de ilusões - mesmo que muitíssimo bem articuladas na lógica da mente, ou mesmo que muito vívidos os sonhos, real e físico o cheiro de um ausente que me invade pelo nariz. Será realmente amor aquilo que sinto? Tem de ser menos, muito menos. Talvez seja apenas uma semente, cuja angústia é não ter onde beber para "ser" o que podia germinar. E a minha luta é encontrar razões para esquecer a semente enterrada na terra, e deixar de espreitar todos os dias pelo rebento verde a subir acima do nível do chão. E deixar de a regar com aquilo que nunca poderá fazê-la germinar. Só a chuva que não controlo, que é dele, e que teima em não cair ali, pode, eventualmente, fazer a semente germinar. E se não chover, a semente há de apodrecer, secar enterrada na terra fértil. Um desperdício, sim. Mas a terra continua fértil, e não pode deixar de chover um dia. E a semente que receber essa chuva há-de germinar para "ser". E então eu não a deixo secar.

Queria poder escrever apenas adeus. E dizer-lhe: adeus meu amor ou minha dor, adeus ilusão. Não és nada, não existes, a não ser nas minhas lágrimas. Lágrimas que vão da minha alma aos meus olhos. Mas dos olhos teimam em não escorrer. Lágrimas que não quero, não consigo chorar. Para não secar, não gritar a despedida. Porque posso construir todas as lógicas de desconstrução, posso escrever todas as palavras de adeus, mas não te posso tirar de mim, não consigo deixar-te ir, não consigo não sonhar, não consigo não te cheirar. Não consigo chorar nem deixar de te chamar meu amor. Sou fraca, ou muito burra, e muito triste. Não posso gritar contigo, que me largues, que te vás. Porque não estás aqui, mas estás em mim, de onde não te consigo arrancar. E não te esqueço, nem aguento, morro mesmo de amor, mata-me um dia essa dor. E só assim morrerás também - comigo.

Mas não quero morrer. Por isso, fecho a porta devagarinho, deixo-me deslizar pelos lençóis, fecho os olhos com vontade de te encontrar em mim, de te cheirar de novo, a cada noite antes de adormecer e nos sonhos que acalento. E só te consigo dizer: até amanhã meu amor. E cada despertar desses sonhos, que custa na tua ausência, dói precisamente no sítio onde estás – dói em mim. És de mim e não me posso libertar, porque morria se te tentasse matar. E assim, sonho.


PS: Encontrei o que melhor descreve o que são estes sonhos para mim aqui, num blog de que sou completamente viciada, onde releio muitos textos, e este especialmente. A "estranheza" aí referida é tal e qual, misturada com a doçura. Foi também uma "estranheza", de outro género, que me matou assim, e de que hei de poder falar um dia.

8 comentários:

LBJ disse...

Eu não me lembro da ultima vez que sonhei de olhos fechados e hoje bati no fundo mas um bocadinho antes de me afogar consegui gritar e senti que me libertei , à noite vou sonhar, amanhã será o meu primeiro novo dia de glória, cedo-te um bocadinho do meu querer, have a cigar…:)

CB disse...

LBJ, mais uma vez em poucos minutos, não sei bem que te diga. Hoje tens mesmo o token da Fénix... Bons sonhos e bom acordar para a glória do novo dia que te deste. E obrigada pela "cedência" de um bocadinho de querer. :)

Apple disse...

Senti-me "esmagada" depois de ler...

CB disse...

Apple, também não sei que te diga. É "esmagador" mesmo... É uma boa síntese.

Ana GG disse...

Mais uma vez me senti aqui nas tuas palavras. Só retiro um ponto e acrescento outro ao conto, o meu sofrer é sem lágrimas, chega a ter sorrisos.

Vai passar...tem de passar!
Um beijo, ou dois

CB disse...

Ana, as minhas lágrimas também não são físicamente choradas - quase nunca o são. Mas ardem-me nos olhos, na alma. Sei que lá estão e até às vezes desejava mesmo largá-las. E vou sorrindo também, sempre, mesmo nos dias de quase loucura. Às vezes a escrever, outras vezes a ler... Ou nos abraços do meu filho. :)

Anónimo disse...

Um dia inspirei um fio, respirei um mesmo ar. Um sopro de vida. Ele entrou-me no sangue, correu-me na pele, latejou-me nas veias, sulcou-me o rosto e desenhou-me corpo a quente e frio, deu-me uma paleta única à alma. Leio-te querida e sei o quão única é essa bolha que se torna tão avassaladora que temos de a deixar ir, se para poder por fim oxigenar, respirar e sobreviver.

CB disse...

Anónino, sei que sabes, sim... Mas um dia passa. Assim quase de repente, quase sem se dar por isso.