Desabafo de mãe

Das coisas mais difíceis que tive de encarar ao longo do meu processo de catarse, foi a constatação de que os meus dois maridos me levaram 15 anos de vida, quase metade da minha existência, quase a totalidade da minha vida adulta. De formas diferentes, ambos me fizeram perder de mim. O erro do meu segundo casamento começou com o primeiro. Foi uma fuga para a frente. Quiz fugir para o mais longe de tudo o que era o primeiro, e achei que podia construir com a razão o que me tinha sido negado construir com amor.

O meu filho podia ser a luz da minha vida, mas não é sempre. Porque às vezes pensava “não lhe chego”, achava que não sabia ser mãe para ele, a mãe que queria ser. Amo o meu filho, muito, muito, mas temo o mal que lhe posso fazer. Foi sempre nele que pensei de cada vez que adiei a decisão do divórcio, e foi sempre nele que pensei primeiro quando tomei decisões e preparei o futuro. Mas fica sempre aquela amargura de não saber, não poder saber, se essas foram as “melhores” decisões, os tempos “certos”. E foi por ser só para ele que me anulei em tudo mais até ter acordado de repente para mim e para a vida num grito de Ipiranga.

Um dia perguntou-me se eu ía morrer. Passados uns tempos, voltou com a mesma conversa. Não sei de onde veio aquilo e confesso que me perturbou. Da primeira vez tentei desvalorizar a coisa, desta segunda disse-lhe que não ía morrer (“a little white lie”, porque os miúdos nesta idade não sabem o que é o tempo), e disse-lhe que estava sempre com ele no coração, mesmo quando estou longe. Ele ficou a olhar-me nos olhos, aninhado em mim, como que à procura do sentido daquilo, ou talvez a confirmar a sinceridade das minhas palavras, não sei.

Fiquei a pensar até que ponto ele pressente que eu não estou “feliz”, e até que ponto ele vê os dias em que os fantasmas e assombrações horríveis, que me consomem, e me atormentam, me têm morta a respirar. Eu queria realmente ser “feliz”, mas ainda nem sempre vislumbro o caminho e ainda não me vejo totalmente nítida no espelho. Às vezes acho que a felicidade é apenas uma miragem, outras vezes acredito que lá chegarei. Mas, de facto, tenho medo do risco. Não posso sofrer mais, não tenho mais lágrimas, não tenho mais espaço, não tenho mais nenhum bocadinho de mim inteiro para estilhaçar. E temo passar pela vida, deixar que ela me passe, para me ir um dia num desvanecimento que não vai deixar ninguém a invocar a minha memória num sorriso de ternura, com lágrimas de saudade.

Se me desvanecer um desses dias, queria só que alguém que me tenha um pouco de um amor qualquer, lembrasse ao meu filho que o amei antes de ele ser, que o amei sempre mesmo na tristeza e na profunda solidão da minha alma, mesmo no meio do sentimento de incompetência e da angústia da prisão que o senti também, e que tenho pena, tanta pena, de não ter sabido caminhar mais com ele pela mão. Que quero o melhor do mundo para ele, que sei que ele é lindo e que gostava que ele nunca deixasse de sonhar. E que se lembre do meu sorriso dos dias bons sempre que precisar de um conforto no coração.

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