Só Palavras

Juro que vejo alguma coisa brilhar nos olhos dele quando os nossos se encontram. Juro que vejo nele uma profundidade de inteligência e sensibilidade pouco usuais. Juro que sinto um elo de destino e de predestinação. E juro que as despedidas têm sempre qualquer coisa de especial. Não, não me peçam para explicar, que não encontro as palavras. Sempre que sei que o vou ver, não consigo comer, fico numa agitação, doi-me o estômago, borboletas na barriga. Quando o vejo dá-me um tremor por dentro que me gela. Fogem-me as palavras que imaginei que ía dizer-lhe. Por isso tenho pavor dos silêncios que antecipo para a "próxima", e que não sei como vou encher. Absorvo tudo o que diz e comento na minha cabeça sem coragem de abrir a boca. Não consigo soltar uma gargalhada, cristalizo um sorriso indefinido. Fujo dos olhos dele, escondo os meus, sempre sentindo onde queima cada olhar que poisa em mim e nele. Vivi com ele uma coisa especial e única, mas sinto-o um estranho que me conhece demais. Sinto-me vulnerável, frágil, exposta. Mostro-me forte, displicente e distante. Ainda que mal nos toquemos, fico com o cheiro dele preso no nariz. Se nos tocamos, se dançamos, explode o desejo e, por uns momentos, não sei por onde ando a pairar. Depois despenho-me. Anseio pela despedida que não quero, para respirar fundo, já passou, sobrevivi. E depois consumo-me numa noite de insónia, de tristeza, de ausência, de revolta e angústia que me vira o estômago do avesso. Vou ficar com uma úlcera em breve. Acordo a maldizer a minha sorte, o meu destino. Zango-me com ele, mando-o embora dos meus pensamentos. Racionalizo, congelo. Anuncio que acabou, que não penso mais nele, que não quero mais nada. E logo a seguir estou a vê-lo a materializar-se em todo o lado e a pensar quando será que volto a encontrá-lo, e o que irei ver naqueles olhos, e se ouvirei finalmente a palavra, e se ele me estende a mão. E depois sei a data e começa tudo de novo...

O que é isto, realmente? Sabe a amor, tem o travo da paixão. Não faz sentido, não tem lógica. Mais uma prova... Leva-me onde? De data em data, de encontro em encontro, de olhar em olhar, de vôo em vôo. De esperança em esperança, de desgosto em desgosto, de fuga em fuga. Tem-me presa num limbo estúpido e atira comigo ao chão. Enlouquece-me, enfurece-me, desalenta-me. Mas alimenta-me. O amor é a maior loucura e a maior crueldade que podemos fazer ao nosso coração. Faz-nos tão loucos que queremos sofrer porque não o queremos perder. Isto era para tentar encontrar o caminho. Que comboio ou avião apanhar. Não chego lá, não decifro. Ou já embarquei. Outro dia se verá.

10 comentários:

Apple disse...

E tu, que tens consciência de ser uma mulher inteligente, atraente, divertida, que te movimentas com graça e és admirada no geral,ages como uma pateta demente perante o homem que te desarma, que desejas e repeles ao mesmo tempo. E, por mais que ambos neguem, vês qualquer coisa para além do risivel e sabes bem que nenhum é indiferente, mas nada muda e o turbilhão permanece...

É por aqui não é? I'm there...é nos aviões que me baralho...

E o cheiro? o cheiro que te acorda a meio da noite,mas olhas para o lado e não está ninguém...

mf disse...

Ui... Eu já andei assim... E é tão, mas tão terrível o sentimento... A sensação de estarmos presas a uma gaiola invisível que nos toma como reféns e não nos deixa retomar o caminho da vida...
Sabes do que precisas? De alguém que te mostre como ele é. Palavras nuas, cruas e verdadeiras que te ajudem, por muito que doa, a começares a desmontar a imagem idealizada que tens dele.
De alguém que te dê uma perspectiva diferente da que tu vês, que o devolva ao homem banal que ele é. Porque ele é um homem banal. Não é Deus, nem um anjo, nem um príncipe. É um homem. Que, se te amasse, não te tinha presa num limbo. Quem ama, liberta, não prende.

CB disse...

Apple, é por aí mesmo, mesmo... Tão absurdo. Como o cheiro que se sente de um ausente. Reli o teu comentário uma dezena de vezes. Parece que me conheces de facto. Mas não conhecendo, sinto que entendes, de facto.
Os aviões têm a ver com o post mais antigo "Quero asas". Têm a ver com vôos, sem asas próprias, a única forma que os reles humanos têm de acreditar que podem voar. Faz sentido?

CB disse...

mf, pois tu sabes bem, eu sei... E tens razão que seria mais fácil de eu pudesse vê-lo como esse "homem banal". Ninguém mo mostra e eu não vejo, se calhar não quero ver. Não posso - é a "gaiola invísivel", tal e qual.
A crueldade do amor é que quem ama prende-se, enjaula-se, e só o amor do outro liberta e abre a jaula, ou a gaiola. Ele não ama. Tens razão. E agora não sei da chave para me soltar. E sei que só me liberto rebentando com a porta e encontrando novas asas, asas de liberdade. Por isso a música do post seguinte...

mf disse...

"Só o amor do outro liberta e abre a jaula, ou a gaiola"

Nope...
Só o amor por ti própria o vai conseguir. No dia em que o reduzires àquilo que ele é e perceberes que vales muitíssimo mais do que qualquer coisa que ele te possa oferecer, vais libertar-te.

CB disse...

mf, és capaz de ter razão. Mas isso para mim não abrir com chave - é rebentar com a jaula. Eu sei que estou um bocado baralhada (daí a tag...).
Gosto que me dês nomes às coisas, sabes? ;)

Apple disse...

Entendo, de facto, porque também me sinto assim.Quanto aos aviões, sou eu, eu é que me perco neles, um dia explico ;)

Mas, sabes, acredito que um dia, próximo, tudo isto fará sentido ou então deixará sequer de ser importante e então, seremos livres.

CB disse...

Apple, cá espero essa revelação dos aviões! ;)
Também é o que espero - que se materialize de facto ou desvaneça. Que faça sentido ou deixe de importar. Hé que ter esperança.

Unknown disse...

http://icanread.tumblr.com/post/101996531/via-stayherewithme

;)

CB disse...

M, obrigada. É isso mesmo... :)