Divagação – O Tempo

As crianças não sabem medir o tempo. “Amanhã” é apenas um futuro qualquer, e “ontem”, quando lá chegam, é qualquer coisa lá atrás, sem data. O meu filho já começa a perceber melhor a cadência dos dias, dos fins de semana, e até já tem alguma noção do que são “minutos”. Às vezes, quando está à espera de alguma coisa, pergunta-me se ainda vai levar “muitos minutos”. E por vezes vejo claramente que essa incerteza de não ter um relógio, ou um calendário, o angustia. Então pergunta-me o que vamos fazer, o que vai acontecer, ao longo desses minutos ou dias da espera. Eu vou respondendo e ele ele vai perguntando “e depois?”, até chegar ao momento em que lhe digo que vai acontecer aquilo por que anseia.

Há uns tempos, comprei-lhe a máscara para o Carnaval. Deu para querer ser um tigre (apesar do tema do colégio ser a Astronomia...), mas o mais parecido que consegui foi uma máscara de leopardo. Lá vendi a ideia e ele todo entusiasmado queria logo vestir a máscara. Tive que lhe explicar que era só para 6ª feira e ele a insistir que ía usar “amanhã”. E eu a explicar que não – que “amanhã” era 5ª feira, e só no dia seguinte é que era 6ª feira. E ele, coitadinho, com um ar um bocado perdido a olhar para mim, muito sério, remata num tom de “matter of fact”: “Amanhã é quinta feira”...

Olhar para o calendário e contar dias, funciona bem para coisas práticas, ajuda-nos a gerir as angústias da espera, ou a enfrentar com maior facilidade tarefas que temos pela frente, dá-nos metas concretas. Mas quantas vezes “perdemos noção do tempo”? Quantas vezes olhamos para uma semana, um mês, um ano, e nos chocamos ora com a “rapidez” com que passou, ora com a “lentidão” que lhe sentimos? Todas as semanas têm os mesmos 7 dias, todas as horas os mesmos 60 minutos, todos os minutos os mesmos 60 segundos. E no entanto, há momentos de segundos que parecem durar uma eternidade, e horas ou dias que parece que simplesmente desapareceram no pó que levantaram, de tão rápido que correram por nós.

O tempo cronológico, ou físico, não é o que vivemos. Nos últimos meses, para mim, o tempo passou a correr. O “momento” que marca essa alteração de ritmo no meu tempo está-me ainda tão próximo, tão presente.

Pergunto-me porquê, porque é que fiquei outra vez presa lá atrás. E sei porquê. Porque ainda não tive o “amanhã” desse dia, porque revivo aquele tempo a toda a hora numa expectativa do “e depois?”, como o meu filho. E por mais que vá acrescentando perguntas de “e depois?”, não tenho resposta, não tenho ideia do que está a seguir, ou de onde está o que queria a seguir, aquilo de que estou à espera e que queria saber “quantos minutos” faltam para chegar. Não fechei o tempo. E não só.

Por mais lógicas e razões que vá destilando, por mais que vá verbalizando e tentando interiorizar que o tempo físico fechou em si mesmo o que queria encontrar, no fundo, no fundo, continua lá qualquer coisa dentro a gritar que não é verdade, não é possível, que ainda há tempo. E que há Destino. E alguns desenvolvimentos vão acontecendo, de tempos a tempos, para me manter ali. E então lá vou eu passear pelas minhas memórias, pelo meu tempo ido, a recordar os meus mortos e os meus fantasmas, se calhar de maneira a que não tenha de acordar para hoje, de maneira a que consiga permanecer ali, naquele momento em que tudo ainda é possível, em que ainda não se sabe o que traz o amanhã. Que não sei se já passou.

Como tudo mais, o tempo é uma questão de perspectiva... E de teimosia.

Sem comentários: