Dá Perfeitamente

O meu filho é teimoso. Muito teimoso. E perfeccionista. Muito perfeccionista.

Mas... no outro dia queria, porque queria, usar uma peça de lego dum jogo na construção que fez com outro. Como são de formatos diferentes, as peças não encaixam na perfeição. E eu explico-lhe que as peças não são do mesmo jogo, são diferentes, em tamanho e na forma de encaixar, por isso não dá para misturar, não se podia usar aquela peça ali. E ele insiste, equilibrando a peça da melhor maneira que conseguiu, a morder a língua de lado, e a tirar as mãozitas muito devagarinho para que não caísse. Não caiu. E diz-me com enorme tranquilidade: "Vê mãe? Dá perfeitamente!".

Ou seja, foi capaz do compromisso, de aceitar que não é um encaixe perfeito, mas serve porque o equilíbrio parco é compensado pela satisfação de ter a peça que queria incluída na sua construção. Mais que isso - dá "perfeitamente". Tem 3 anos. Nós, com mais de 30, queremos apenas o encaixe perfeito, sem compromisso. E não aceitamos ignorar qualquer pequeno desajuste. E afinal somos todos peças de lego, apenas com o poder adicional de escolher em que construção entramos, a que outras peças nos juntamos, com que peças nos construímos. Dá que pensar, não?

10 comentários:

LBJ disse...

O teu filho vai descobrir rapidamente ao primeiro piparote que a construção que fez não é sólida, vai descobrir que o perfeitamente não é assim tão perfeito.

Não existe o encaixe perfeito, mas a vida em constante compromisso ou se consome em esquecimento ou se consome em arrependimento.

CB disse...

Não LBJ, não quero acreditar que assim seja. Quero antes acreditar que o desafio é aprender a viver com o equilíbrio parco, a tirar as mãos devagarinho, a recolocar a peça com vontade a cada piparote, e fazer tanto sentido, e saber tão bem, ter ali aquela peça, que vale sempre a pena o esforço de a manter lá, toda torta e a caír. E ainda dizer com orgulho que dá "perfeitamente". Porque "perfeito" é ter a peça na construção, e não a forma como encaixa... E este compromisso é feliz e realizador, e não se esquece, e não traz arrependimento. Tem de ser possível...

mf disse...

Dá, sim. As crianças têm toda uma lógica de simplicidade que para nós é difícil compreender. Mas ele tem razão: não há encaixes perfeitos, há é vontades. Vontades de encontrar formas de manter o equilíbrio. E, sim, isso é possível...

CB disse...

mf, entendeste bem! Quero acreditar que sim, que é possível. :) So não é um exercício fácil e exige muita, muita vontade.

Anónimo disse...

O poder de uma criança é esse: a perfeição não está no encaixe perfeito, mas antes na força da vontade. A peça não era dali porque existem umas regras que dizem que só se podem encaixar aquelas e nenhumas outras. Quem não ousa desafiar o estabelecido, nunca soferá desilusões, mas também nunca provará o gosto de um sonho alcançado. "Dá perfeitamente" é a expressão dos que acreditam...

CB disse...

Imaculada, não o podia ter dito melhor! É a "expressão dos que acreditam" e eu vou passar a usá-la. E um dia, mais sofrimento, menos sofrimento, alcançar o sonho. Estou sempre a aprender com o meu filho, às vezes até com as "lições" que lhe tento ensinar e que de repente realizo que sei na teoria e não estou a aplicar...

LBJ disse...

Querida princesa, não me interpretes mal, nestas coisas não há linearidades, eu passei a minha vida a acreditar no compromisso do encaixe e por muito tempo esqueci-me que não era perfeito, fiz por esquecer e um dia acordei para o arrependimento, não tem que ser assim, esta não é uma verdade universal e tu se acreditas, se tens mesmo a certeza do que desejas, sim deves lutar por isso:)

CB disse...

LBJ, desculpa se te interpretei mal. Eu sei que é realista a tua visão desse encaixe, e que traz sofrimento quando, por mais que te esforces, não encaixa mesmo. Sei isso muito bem. Mas acredito que deve fazer-se o esforço, se há realmente vontade. E se não conseguirmos, porque às vezes não conseguimos mesmo, que não fique arrependimento nunca, que não se esqueça nunca. O meu poema preferido termina assim, e é tudo o que eu quero um dia encontrar no Amor:

E assim, quando mais tarde me procure
quem sabe a morte, angústia de quem vive
quem sabe a solidão, o fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure

De Vinicius, e encontras completo neste post: http://o-destilado.blogspot.com/2009/03/musica-para-lavar-alma.html

Mas chama queima, dói. E enquanto é infinito, correspondido ou não, leva-nos tudo... E acho que é por acreditar mesmo, que aqui ando consumida.

LBJ disse...

Conheço muito bem esse poema e adoro Vinicius, mesmo não sendo Sabado e o poeta adorava dizer porque hoje é sábado, manana domingo.

Eu confundi encaixes com outra coisa e sim arrependo-me, mas como te disse a minha verdade não é universal, não tem que ser a tua…

CB disse...

LBJ, pois só podias gostar de Vinicius... todos os dias da semana ! :)
Se me permites um conselho, não te arrependas. Aprende, sofre, chora, consome-te em qualquer outra coisa, mas não te arrependas de ter amado alguém. É o acto de maior generosidade de que um ser humano é capaz. E devemos orguhar-nos de sermos capazes de o fazer. Nem todos são...