Vendaval

É uma tormenta que me assola, de tal ordem que nem escrevo há dias. Chego à conclusão que não sei escrever sobre raiva, sobre zanga. De outros sofrimentos é mais fácil por qualquer razão estranha. Estou zangada, sim. Tenho raiva, sim. Não sei escrever porque não sei dizer. Não gosto de gritos, de murros na mesa, de portas a bater. Não gosto de lágrimas de desespero, de lamentos audíveis, da voz a tremer. Aprendi a enterrar estas coisas para não admitir derrota. Afinal sou orgulhosa. Que coisa tão feia sou afinal. Que coisa abjecta que não quero sentir e não quero ser. O que fazer com esta fúria, com estas ganas de gritar? O que fazer com esta ventania de coisas que me desorganiza, que me desequilibra, que me dá um frio que não consigo aquecer?

Finalmente hoje gritei. Comigo, no espelho, com o murro no peito e minha própria porta a bater, na corrente de ar que me gela e despenteia. A maior zanga é comigo mesma. A raiva é com a minha culpa. Fiz das lágrimas estas linhas, silenciosas e mesmo assim a tremer. Apetece-me abandonar-me num choro, num lamento profundo e audível, mas não o consigo fazer. Apetece-me voar com a ventania e aterrar do outro lado de um tornado, num mundo em que nada faça sentido e onde, ainda assim, não me sinta perdida, por ser tão sem sentido como o resto dessa realidade insana. Rodopio com o vento, num emaranhado de mim, de roupagens rasgadas a expôr o que tento esconder. Sou trapos, hoje sou farrapos, e não sei coser.

Estou à deriva no vento da ira.

4 comentários:

mf disse...

Pois então zanga-te. Sente essa zanga, grita, chora, parte coisas, rebenta. Não és feia por isso, estás é a pôr tudo o que de feio te aconteceu para fora. E precisa de sair de dentro de ti toda a porcaria que te entope os caminhos e não te deixa andar. De que adiantou, até agora, guardares tudo aí dentro?

Procura um ombro para chorar e chora. O que conseguires. Sabendo que provavelmente te irás zangar ainda mais, outras vezes. Mas sabes... As tempestades passam. E depois da zanga, depois de tirares daí de dentro o que não precisas, terás espaço para um mundo melhor.
Abraço apertado. Como os que tu gostas.
:)

LBJ disse...

Eu sei escrever sobre raiva e mesmo isso às vezes não ajuda, apenas adia, mas faz bem gritar e acreditar que existe um outro lado onde sem sentido fazemos sentido.

Se o vento te devolveu ecos imagina que poderão não ser estes o reflexo dos teus gritos.

CB disse...

Obrigada pelo abraço, mf. Acredita que chegou aqui. Sei que tens razão, mas esta catarse está difícil. Ainda mal me tinha recuperado de um tombo e já estou a pagar por outro... Foi tudo demais e claro que tenho de ter a humildade e aceitar que também tenho um limite para a "porcaria" que posso guardar... Tenho o ombro da minha Mana, mas esta tenho de conseguir chorar sozinha.

CB disse...

LBJ, percebo que escrever só por si não resolve nada, mas para mim tem sido o caminho para encontrar soluções. Este é mais difícil porque sinto que não tenho as ferramentas para construir esse caminho.
"Outro lado onde sem sentido fazemos sentido" - pois aí apanhaste, e já vi o teu post que alude à Alice no País das Maravilhas... ;)
A última frase, confesso, deixa-me perplexa.