Retratos

Não entendo grandemente de psicologia, mas sei que nem tudo o que vemos de nós corresponde ao que os outros vêm de nós. Vamo-nos apercebendo da imagem que passamos, por vezes deliberadamente (e, por isso, sem surpresa), outras vezes sem percebermos porquê (o que pode ser chocante e nos deixa com uma sensação de injustiça). Há percepções de mim que sempre julguei erros crassos de avaliação, porque não me sinto assim; mas acabo de comprovar, da forma mais improvável, que é mesmo o que projecto. Curiosamente, divertiu-me o retrato que vi fazerem-me, com alguns traços de óbvia fantasia, mas outros que transmitem, precisamente, essa percepção que já antes tiveram de mim, e eu achei absurda. Neste retrato a preto e branco, a minha pose, ainda que não deliberada, mostra-me como me mostro sem saber. Mas diverte-me porque, ainda assim, não mostra o mais importante que julgo ser, e faz-me perceber que o resto é mesmo como sou, e não vale a pena esconder. E depois, a vida é filme, a cores, fotograma atrás de fotograma, um mesmo sorriso com centenas de cambiantes, olhares e vozes que se tingem dos dias e das noites que correm. E quem entra no meu filme saberá, ao fim de uns metros de película, que eu posso não ficar sempre bem na fotografia, mas sou muito mais do que o instante que a máquina do preconceito suspende no tempo.

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