O teste do Amor

O meu miúdo está, novamente (e quando é que isto acaba, pelo amor da Santa??), numa fase de teste. É o que chamo a isto: parece que tirou os dias para me levar ao limite, massacra-me a paciência e desafia-me de todas as formas e mais alguma. Confesso que há vezes em que cedo, porque estou de facto no limite e porque, em última análise, não me sinto com forças para o embate das consequências. É que, em face da recusa de cedência, ele castiga-me com as típicas tiradas do “não gosto mais da mãe”, “quero ir para casa do pai”, “nunca mais quero voltar para esta casa”, etc por aí fora, e acompanha com birra e disparate.

Vocifera estas coisas um bocado, ou choraminga quando tem de ouvir mesmo um raspanete mais duro ou quando fica de castigo, e depois passa a birra, lá negoceia uma aproximação qualquer, conversa comigo meio no desprezo, meio na vergonha, meio na culpa (está bem, são terços), lá sai um pedido de desculpas mais ou menos sentido conforme os dias, e no fim adormece-me no colo todas as noites. E, no último dia da semana comigo, diz-me em jeito de desculpa que gosta muito de estar comigo e vai ter saudades, e à despedida, juntamente com uns desavergonhados olhinhos de carneiro mal morto e um sorriso envergonhado a contrabalançar (a sua muito própria expressão de ternura), deixa no ar um “gosto muito da mãe”.

E eu – eu também vocifero por dentro que o raio do miúdo dá-me cabo dos nervos, contorço-me toda para não lhe dar uns berros, mordo-me toda para me controlar e fazer um discurso construtivo e racional de desmontagem dos comportamentos que tem comigo e do que está por trás. Depois racionalizo as mágoas que me ficam das palavras que oiço dele e digiro as minhas próprias culpas, e no fim perdoo-lhe tudo e derreto-me com ele a dormir no colo todas as noites. E no último dia da semana com ele, em jeito de desculpa, que também sinto a culpa, digo-lhe que também vou ter muitas saudades, e em face daquela cara linda num sorriso de ternura, apesar da expressão de santinho do pau oco, devolvo-lhe que gosto muito dele também.

E no fim, isto basta-nos para sabermos ambos que nos amamos.

Sei que é um processo normal e comum, ainda mais de crianças com pais separados, mas faz-me matutar ver aqui um padrão de comportamento, ou uma dinâmica, que me é familiar. Não há como o amor para irmos aos limites, mas perversamente, também testamos os limites do outro. E se há amor assim daquele irrenunciável, tudo se perdoa, nunca se chega ao limite, e o que interessa é que, no fim, dizemos um ao outro a mesmíssima coisa, e sentimos ambos a mesmíssima falta. E depois, qual é a mulher, mesmo zangada, que é capaz de resistir a uma ternura, um sorriso (apesar de envergonhado) a acompanhar um “gosto de ti” vindo de um homem que se ama? E o meu miúdo é um homem, ainda que em pequenino. E eu sou mulher, antes de ser mãe. Podia fazer aqui muitos outros paralelos, podia, mas hoje não estou para aí virada. Tenho saudades do meu pequeno homem.

2 comentários:

jacklyn disse...

Também ouvi dessas, tanto do mais velho como do mais novo:

"Em casa do pai é que é fixe" E eu respondia, em casa do pai portam-se assim mal?

"Quando tiver dezasseis anos vou viver com o pai" E eu respondia, e podes ir, mas até lá levas comigo e fazes o que eu te mando percebeste?

Entretanto desistiram.

Mas não é fácil, e mesmo fazendo-me de forte, ai não que não dói...

CB disse...

Jacklyn,
Não é nada fácil, dói mesmo. "O pai é que sabe tudo o que eu gosto" (porque não comer comer a sopa) e "Aqui come-se sopa que eu quero gente saudável cá em casa". "A Mãe nem pediu se faz favor! O pai deixa-me sempre fazer o que eu quero!" (porque eu castigo por algum incumprimento) e "Não estou a pedir, estou a mandar, é sem se faz favor e é para cumprir". Etc e tal por aí fora... E depois as lágrimas das ameaças que nunca mais volta e um dia perguntei-lhe se tinha a certeza, assim mesmo-mesmo, porque se me ligava na semana do pai com saudades, com quantas saudades é que ele achava que ia ficar se não me visse nunca mais. Por uns tempos, foi remédio santo... :)