Regresso futuro

Desde que me conheço que me sinto na sombra, no escuro de um legado de abandono e rejeição, que mora no passado mas se faz presente a toda a hora, e me envenena o futuro. E sinto que a minha vida é uma repetição, uma repetição tortuosa e cruel, reedição da memória, que me leva de sombra em sombra, sempre à vista do sol. Já não sei se alimento as sombras se permito que a vida mas alimente, ou talvez seja eu própria a alimentá-las também assim, fruto das más decisões que vou fazendo – na sombra. É preciso combater, mas há sombras que nunca se irão desvanecer. Tenho é de aprender a viver com elas, sem as impor aos outros. Só que às vezes é difícil, tão difícil.

Tenho dificuldade em acreditar que um dia não há sombra. Como nestes dias em que sinto a minha vida estéril. Já antes a senti parada, já a senti vazia, agora é estéril. São dias de me sentir insignificante no mundo, como só uma vez senti há muitos, muitos anos atrás. Depois, tem havido sempre qualquer coisa que me sustenta e me dá consistência. Neste momento, não há nada. Só quero uns dias de não estar triste por dentro, sem tristes escondidos, mascarados ou encapsulados, por baixo dos sorrisos. Uns dias de poder ver apenas o sol, de me sentir aquecida e não ensombrada, ou assombrada, mesmo que saiba que não será para sempre. Uns dias de me sentir chegada - chegada porque não tenho hoje onde regressar, e chegada porque assim passaria a ter onde querer voltar. Não sei que volta dar na minha vida, mas sei que precisa de uma volta. É como estar vendada numa encruzilhada onde não posso andar para trás e para a frente não sei que passo dar. Mas sei que enquanto puder acreditar que posso chegar, percorro o caminho para esse dia em que não haverá sombra. E assim vou passando por elas, e elas por mim, e o tempo passa. No fim do tempo, talvez possa tão somente ter uma casa para onde possa querer voltar.

6 comentários:

Bípede Falante disse...

Não adianta a gente lutar. A sensação de desamparo é do ser humano. Temos de aprender a confortá-la porque sem não conseguimos existir.
beijos

jacklyn disse...

Há alturas assim, a engrenagem parece que encrava e não se vislumbra sequer o propósito de a desencravar. As gotinhas de óleo aparecem quando menos se espera, e umas gotinhas apenas são suficientes para pôr tudo a funcionar novamente. Respira fundo, levanta a cabeça e sorri. O mundo visto de frente é muito mais bonito do que visto de baixo ;-)
Beijo grande

CB disse...

Bípede,
Obrigada pelas suas palavras.
Bjs

CB disse...

Jacklyn,
Obrigada também. Vou tentar outras "perspectivas", sim. ;)
Bjo grande

Êne de Nuno disse...

Lê o "rosto" que usas aqui - Princesa (Des)encantada.

A primeira palavra é aquela que te define. A primeira palavra é aquela que escolheste como definição de ti - Princesa.

A segunda (Desencantada) e terceira palavras (Encantada) são aquelas que definem como tu estás.

Por favor, lembra-te disso e não provoques em ti a confusão do ser com o estar. És e sempre serás Princesa, poderás estar desencantada ou encantada.

(A sombra faz sempre parte de nós e só desaparece quando não existe sol ou luz. A sombra é sinal de que há luz em nós.)

Um beijo

CB disse...

Êne,
Por isso nunca me livrei dos parêntesis, nem do "des". Mas gostava de ser apenas Princesa, sem mais, e somos sempre a soma de tudo o que vamos "estando", e "sendo". Do jogo da sombra e da luz, o que dizes faz sentido, mas nem sempre percebemos de onde vem a nossa luz.
Um beijo e muito obrigada