Hipotéticas Dialéticas

Se te apaixonares por um homem, que aos teus olhos é, naquele momento, o homem perfeito, é o homem com quem queres viver o resto dos teus dias, e depois namoras, e depois casas, e depois são uns anos de maus tratos, e depois um dia aquilo escala e tu temes pela tua vida, e então foges, e depois divorcias-te, isso faz e ti o mesmo que ele é?

Aos meus olhos, não faz. Não faz o mesmo nem no momento em que te apaixonas, no momento em que  escolhes casar, no momento em que suportas tudo, nem no momento em que finalmente desistes.  Não escolhemos os outros, sempre, à nossa imagem, e humanos que somos, temos direito (e estamos mesmo condenados) ao erro. Uma escolha errada poderá dizer de nós uma ingenuidade, ou uma fragilidade intelectual, ou emocional, ou um simples azar, mas não desculpa o erro que os outros podem fazer connosco, nem equivale o erro de um ao erro do outro. Além disso, as pessoas mudam, por vezes revelam-se diferentes do que julgamos conhecer-lhes, todos cometemos erros na vida e temos ocasionalmente comportamentos ou reacções surpreendentes, até para nós próprios.

Se um dia tiveste um marido que te tratou mal, que te enganou, que te gritou e agrediu, e um dia queres reconstruir a tua vida ao lado de outra pessoa, não será legítimo que lhe expliques de onde vêm  as marcas que trazes, o porquê de fugires de discussões ou ficares alterada se ele te levanta ligeiramente a voz, o porquê de seres desconfiada e evitares determinadas situações?

Do meu ponto de vista, se consegues, é legítimo. E mais: é importante. O que nos fica do passado e faz parte de nós tem de ser integrado nos relacionamentos seguintes com verdade. É importante que se conheçam as marcas um do outro, as razões que explicam o que mais ninguém entenderá, as áreas sensíveis onde é preciso pisar com pés de lã. Se consegues, claro. Mas há é uma fronteira no que se deve partilhar, porque o que se passa no âmbito de um relacionamento não nos é exclusivo, mesmo que acabe parte de nós.

Se ao mundo em geral à tua volta não revelas porque é que o teu casamento acabou, te recusas a falar do assunto deixando inclusivé alguns amigos e familiares a atribuir-te culpas, se o confidencias apenas a quem te é especial e que queres que te compreenda a fundo, e se ainda assim deixas os detalhes da intimidade do outro de fora, poderão acusar-te de maldicência?

De onde me sento, digo que não, não podem.  Desde que, como digo acima, o façamos com respeito pelo dever que considero que temos perpétuo de não expor a intimidade que outra pessoa partilhou connosco. Confidências do nosso passado não são necesariamente maldicências, até porque todos temos momentos em que somos ou estamos menos bem, mas não falar desses momentos não os desculpa nem os faz desaparecer, muito menos às consequências que deixaram.  Falar dos erros de outros que resultam em marcas nossas não é assumi-los como erros próprios, não é diminuir-nos, nem é equiparar-nos aos outros que um dia escolhemos - erradamente. 

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