Sinais de esperança

O desencantamento que a vida, inevitavelmente nos traz, é também uma certa lucidez. É reconhecer que as coisas não são como sonhamos, como idealizamos, que a realidade do ser humano e da vida que levamos não se faz de argumentos bem montados e fluídos, nem tão pouco garante finais felizes.

O desencantamento leva a uma certa tristeza, como triste é o fim de cada sonho que se desfaz. Leva também, por vezes, a uma certa acidez, revolta pelo engano em que sentimos que vivemos antes. Leva quase sempre à desconfiança, porque não se quer ser enganado outra vez e, finalmente, à descrença, ao desalento, porque em algum ponto do caminho se perde a esperança.

E há momentos em que não sabemos já se os desconfiados, descrentes e desalentados que nos tornamos são o princípio ou o fim, causa ou consequência. Certo é que nos lançamos, a nós próprios, em círculos viciosos de que é difícil sair, quando nos proclamos esses epítetos. Mas de nada adianta perder tempo a tentar decifrar as causas de sermos o que somos. É como a velha discussão sobre o que veio primeiro – o ovo ou a galinha? Sejamos práticos: se o que temos na mão é o ovo, o que interessa é decidir como o cozinhamos. Se temos a galinha, interessa decidir se a comemos ou se tiramos dela um ovo por dia.

A lucidez do desencantamento devia abrir-nos a porta a um total redesenhar do mundo. Se o que vivemos não serviu para nos fazer felizes, há que encontrar outras formas de viver. Há que procurar alternativas, sem o estigma dos primeiros sonhos. Abandonar esses sonhos, ou ideais, realmente significa procurar sem querer o que antes se estipulou como necessário, mas também não é procurar o oposto. Talvez seja antes procurar a surpresa, mas, sobretudo, deixar que ela aconteça.

Vejo ao meu lado o desenrolar de um relacionamento que, no preconceito do que é amor e felicidade, não julgaria feliz. E estranho, confesso, que se possa amar alguém mas só estar apaixonado por esse alguém a dias, de vez em quando, em certos momentos. Mas quem sou eu para julgar? Certo é que quem vive esse relacionamento assim se sente bem, se sente em paz, e só tenho de admirar e aplaudir. Porque esse alguém, no fundo, fez exactamento o que queria ser eu própria capaz de fazer: aceitou um relacionamento que não é ideal, e fê-lo perfeito. Porque um ideal é só um abstracto direitinho, uma lógica, um raciocínio consequente. Perfeito é o que funciona. E desejo-lhes toda a felicidade do mundo.

7 comentários:

1REZ3 disse...

Acredito que o importante numa relação é avisar ao que se vai, sem rodeios nem receios. E depois, aceitando essas condições, lutar dia a dia por fortalecê-la. E que haja muito respeito entre si também. A partir daí...

CB disse...

Noya,
Estive aqui a pensar como te responder em poucas palavras. Embora o que dizs faça sentido, e tenha sido o meu apanágio até hoje, acho agora que, talvez, não posamos, nem devemos, dizer "ao que vamos". Não se deve enganar o outro, sobretudo se não há seriedade de compromisso. Mas, limitarmo-nos, e limitarmos a relação, à partida com a premissa daquilo que achamos que devemos procurar, talvez nos impeça de encontrar algo diferente, que afinal pode fazer os dois felizes. A luta do dia a dia talvez não seja tanto o fazer a relação funcionar como sempre se pensou que devia funcionar, mas antes descobrir o que a faz funcionar e, simplesmente, dar-nos a hipótese de ser feliz assim.

Bípede Falante disse...

Eu tenho a impressão que uma relação de verdade é sempre dinâmica, que não há um contrato definitivo sobre como ela deve ser. As pessoas vão se ajustando conforme o que necessitam e suportam dentro do que a realidade oferece, porque sempre há interferências estranhas a ela, às vezes, há muitas. Sei lá. Seguindo o raciocínio do Caetano Veloso, que canta que cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, cada um sabe também a dor e a delícia da relação em que vive.
bjs.

CB disse...

As minhas desculpas pelas letras em falta! "dizes" e "possamos"...

CB disse...

Bípde,
Concordo totalmente. Mas acho que, às vezes, as pessoas não sobrevivem a esse ajuste "conforme o que necessitam e suportam", porque limitaram demasiado à partida o modelo que consideram ideal e perfeito. E por isso é tão difícil aceitar o que foge ao modelo, não se tolera, não se suporta, que aquilo não seja o ideal sonhado. Há que fazer esse ajuste permanente sim mas acho que, sobretudo, ao nosso próprio ideal.

1REZ3 disse...

Princesa,
a minha perspectiva (e crença) é que a relação evolua a partir desse ponto ou patamar. É de facto uma visão demasiado optimista e irrealista dado os tempos que correm e a mutabilidade da personalidade de cada um, mas não deixa de ser assim que penso. Erradamente ou não, acarretarei ou não as consenquências.
Ou isso ou sou um romântico (ainda que adormecido) irremediável.

CB disse...

Noya,
Não sei se é demasiado optimista ou romântica. É a tua perspectiva - e isso é que importa. A minha está em estranha mutação.