Lição do momento

Se a vida não servir para alguma coisa, deixa de ter sentido. E há poucas coisas piores do que cruzar os dias do calendário sem razão, sem sentido. Por isso, e também porque em geral torna mais fácil progredir, procuram-se razões. Procuram-se, quanto mais não seja, tirar lições de vida. Quando alguma coisa corre mal, sobretudo, é preciso justificar tamanha aberração, como se a vida fosse suposto ser um percurso tranquilo e nós fossemos (porque temos de ser) merecedores apenas de coisas boas. E então justifica-se o desvio com vários chavões, desde o que declara que tudo tem uma razão de ser (como se algum desígnio superior nos controlasse a vida e, ainda, soubesse bem  o que anda a fazer), ao que advoga que as dificuldades e o sofrimento nos tornam mais fortes (enorme alarvidade, e não sou só eu que digo, diz também Sándor Márai: "Não é verdade que o sofrimento nos purifica, nos faz melhores, mais sábios e compreensivos. Nós nos tornamos frios, iniciados e indiferentes."), até ao que prenuncia que quando se fecha uma porta se abre uma janela (só esquecendo que, às vezes, essa janela pode não dar mais do que direito a um tombo de um 18º andar). 

Já não acredito na obrigatoriedade da felicidade, não acredito que o que vivemos faça parte de um plano maquiavélico (para não dizer diabólico) sobre o qual não temos controlo mas que nos encaminha, imperceptivelmente, para um final feliz. Acredito na citação do Conrad que já aqui algures para trás usei: "tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que, normalmente, chega demasiado tarde".      

Mas quando atravesso momentos desses em que não vejo sentido para o que estou a viver, em que me sinto injustiçada pelo destino porque me considero merecedora de melhor sorte, não consigo deixar de me render a um outro chavão: vivendo e aprendendo. Irrita-me cair eu própria nessas lógicas de que a vida tem de fazer sentido mas, realmente, é o que tento retirar de momentos destes - lições. E eu que sou pessoa de tragar o tempo, de não gostar de desconhecer o futuro, quase obsessiva nos planos e métodos em antecipação desse futuro, que gosto de estar preparada para tudo e saber bem por onde vou, porque me recuso admitir que não controlo o meu destino, tenho agora uma difícil lição para aprender à força, já que até esta idade não fui capaz de a aprender de maneira mais suave: um dia de cada vez, não adianta fazer grandes planos, entrega os pontos Princesa. E tenho de dar razão a Sándor Márai, pelo que sinto hoje em face disto, e no seguimento da citação acima que assim continua: "Quando compreendemos, pela primeira vez na vida, o destino, nos tornamos quase serenos. Serenos e solitários no mundo, de um modo singular e assustador." E isso porque o que se compreende do destino é que pode mesmo não nos reservar a sorte que queríamos; e a vida pode não fazer sentido nenhum, para além de justificar nos calendários a contagem dos dias em meses e estações, deixando cabelos brancos e rugas na pele em nós.

6 comentários:

Anónimo disse...

"Se a vida não servir para alguma coisa, deixa de ter sentido."

nada a acrescentar. tudo a subtrair...

CB disse...

Caro Anónimo,
Pois - perspectivas, ângulos, pontos de vista, e de fuga...

Anónimo disse...

... uma visão invertida. uma tela onde passa a nossa não existência. um mundo ao contrário. uma perspectiva vista do meridiano oposto...

CB disse...

Anónimo,
Tudo tem um avesso e um oposto, até essa tela vazia que, no entanto, nunca é completamente branca registando uma não-existência. É antes, por vezes, por dentro e pelo avesso, impossivelmente negra.

1REZ3 disse...

Fazer sentido ou não já nem me afecta por aí além, o problema é que há muita gente à minha volta que não posso permitir que fiquem "mal"...

CB disse...

Noya,
És demasiado generoso, ou talvez eu seja demasiado egoísta, pois a mim fazia-me falta o sentido e não gosto de estar mal. Resta, mesmo, essa serenidade solitária.