Passado repetido

Passa-se o tempo, passa por nós. Olhamos para trás e cada memória traz um sabor, um cheiro, uma cor. É aquilo que predomina, na selectividade inconsciente da memória que ficou. Depois pensamos: mas houve qualquer coisa. Talvez uma zanga, uma desilusão, uma mentira. Qualquer coisa haverá para que se culpe a distância que o tempo medido, nestes momentos, apenas comprova. Quando tudo falha, culpa-se a vida, essa malvada que sempre se põe a jeito para carregar com as culpas que não queremos (porque não há distância de vida que nos separe daqueles que amamos, incluindo os amigos). Olhando para trás, num esforço, acaba por se chegar lá. Lembro-me do que foi - foi assim, ou assado. Vagas cronologias de nebulosos acontecimentos. E o sabor, o cheiro e a cor, de repente ganham os travos, notas e nuances que nos sossegam a consciência - ou não. Mas afinal não é culpa da vida. Atribui-se a culpa e pronto, agora já se pode continuar. Pena é que, quando a vida proporciona um reencontro, alguns se mantenham presos nos acres do anterior fim, e não se foquem no doce da primeira instintiva, ainda que selectiva, memória, fazendo do antigo o novo, num recomeço. Triste perder amigos duas vezes. 

4 comentários:

Apple disse...

Minha querida,
tão tristes, mas muito verdadeiras, as tuas palavras. É triste quando em nome do bom que foi e dos laços fortes que uniram duas vidas, se tenta uma reaproximação e se percebe que afinal já não havia sequer porque tentar.
Há relacionamentos que se perpetuam apenas em nome de um qualquer passado e isso não basta para manter viva a comunhão.

Bjs

CB disse...

Apple,
É verdade que o passado não basta. Mas também é verdade que, às vezes, devíamos dar um basta aos ressentimentos e dar hipótese ao futuro. Mas são tristes estas palavras, sim. E mea culpa, que também nem sempre sei ter esta mesma generosidade.

Terráqueo disse...

Conheço bem esses sentimentos. Seria tão bom se pudessemos zerar e começar de novo sem os ressentimentos. Mas isso é tão difícil. Tenho muito medo dessas reaproximações, pois costumam ser devastadoras, pelo menos para o meu coração destroçado.

CB disse...

Terráqueo,
Era bom poder "zerar" muitas coisas na vida! Eu não sou apologista de reaproximações, mas acho que certas coisas valem uma nova hipótese, não do mesmo, mas de uma coisa qualquer. Só que, isso só é possível se não houver os tais ressentimentos dos dois lados. O que é mais triste é constatar que o outro não largou o ressentimento, quando nós já fomos capazes de o fazer.