Fora de Jogo

Já me tinham dito que assusto os homens, afasto-os. Acho que é verdade, na maioria dos casos. O pior é que, ironicamente, os poucos que não assusto, assustam-me a mim.

É o quê? O jogo do poder?!

Talvez, sim. É um “jogo”, termos de escolher comportamentos sabendo que a relação custo/benefício não é fixa, nem líquida, e depende da escolha de outros. Sabemos que a soma do jogo pode ser diferente de zero e é isso que ambicionamos. Mas embora saibamos que ambos podem ganhar, sabemos que podem ambos perder. E sabemos ainda que, pelo meio, a generalidade é que há um que perde ou ganha mais que o outro, e às vezes um que ganha tudo e outro que perde tudo. Porque não se sabe o que quer o outro ganhar, não se sabe como vai jogar, e não se pode ter a certeza nem de que o outro joga limpo, nem de que seguimos uma estratégia vencedora. Eu habituei-me a não acreditar que do outro lado haja intenção de jogo limpo. Acho sempre que querem tomar alguma coisa de mim, por isso parto de pé atrás, não sou “amável” – e eles fogem. Se eles não fogem, fujo eu, porque se eles não têm medo de mim é porque não sentem o perigo de perder.

Ou seja, teoricamente, isto devia ser um jogo de cooperação a tender para o equilíbrio. Enquanto cada um retira uma vantagem, em equilíbrio, a relação permanece, ambos ganham. Um comportamento positivo encoraja outro comportamento positivo. Mas se um traír o outro ou não cooperar, vai ser castigado na ronda seguinte. É o chamado “tit for tat” e, se pensarmos bem, é assim que funcionamos: um não ligou, o outro também não liga; um convidou para almoçar, agora convida o outro; mas se um aceitou o convite e o outro não aceita o seguinte, então um já não liga nem convida mais. O outro faz o mesmo, nunca mais se vêem. Empatam-se e saiem os dois a perder. Game over.

Ou seja, o “tit for tat” gera ciclos viciosos, positivos ou negativos, e pode degenerar em impasses. Cada um fica à espera que o outro dê mais para avançar e nenhum se move. A única forma de desempatar é... perdoar. É o que pode permitir recuperar uma relação, não alimentando o ciclo de comportamentos negativos, antes dando estímulo para uma retribuição positiva. Não é o perdão cego, nem infindável. É o que eu chamo o perdão exponencialmente reduzido (sim, sou um bocado retorcida - haverá certamente formas mais lineares de traduzir isto). O que quero dizer é que é o tipo de perdão que se torna mais difícil, de menor probabilidade, à medida que aumentam as situações que o exigem. É perdoar à primeira sem questões, com castigo à segunda, com gelo à terceira, e não dar perdão à quarta. Alguns têm ginástica para meter umas quantas mais parcelas na equação. Eu nem por isso, confesso. Já joguei no perdão sem fim, e dei-me muito mal.

Agora, fujo para não perder. Para não ter de jogar na retaliação e na desconfiança de que não gosto, mas que são só do que sou capaz. Porque sei que se me apaixono tenho maior hipótese de perder, e perder mais. Porque sei que o amor não se impõe nem obriga a retorno. E sei o que dói dá-lo sem receber. Fujo, porque sei que percebo as regras do jogo, mas não sei, nem quero jogar.

6 comentários:

1REZ3 disse...

Assustas ou afugentas? É que há diferenças...

Esqueceste-te aí do um convida de mais e o outro começa a desconfiar ou a fartar-se, não correndo atrás...
O problema da generalidade é a falta de comunicação juntamente (em muitos casos) com a falta de confiança em si próprios (para a eventualidade de não ser bem aceite) e/ou a falta de confiança no "ouvinte".

Um aparte (se puderes responder, claro), é verdade que as mulheres, na generalidade, preferem os mais "problemáticos" por no íntimo acreditarem que os podem mudar?

CB disse...

13,
Boa pergunta. Acho que é um pouco das duas coisas.
O problema não é tanto a "falta" da comunicação, mas sim o que se discorre por trás, e antes da comunicação. Aquilo que se comunica já é resultado desse jogo que se faz mentalmente, tentando advinhar qual a reacção que o outro terá, e condicionado pelas que teve antes. A parte da confiança sim, sem dúvida que influi.

Quanto ao "à parte", não sei se te posso responder. Acho que um homem mais "difícil" às vezes é mais estimulante no sentido em que é um desafio maior para conquistar. Mas tudo tem um limite e, em última instância, acho que na generalidade as mulheres preferem ser conquistadas. É verdade que algumas têm uma certa vocação para Madre Teresa de Calcutá. Mas "problemático" mesmo, acho que é ir longe demais... Não creio que seja uma preferência, mas há quem tenha a tendência (ou má sorte!).

Pulha Garcia disse...

Gostar de alguém é sempre por definição arriscar. Mas é um risco que vale a pena. A vida não saberia bem de qualquer outra forma.

Concordo com o 13 "O problema da generalidade é a falta de comunicação". Daí que o ideal é a sinceridade. Demasiados "jogos" cheira a disparatado. Na minha opinião, claro.

CB disse...

Pulha,
Quanto ao risco, sabes o que se diz: "gato escaldado, de água fria tem medo".
Quanto à comunicação, o problema é como escrevi antes, o jogo mental que se faz. É da condição humana e ninguém realmente lhe foge. É disparatado quando se torna um jogo puro. Mas aqui utilizo o termo no espírito da famosa teoria dos jogos. Só quando há já um nível de confiança elevado é que se consegue comunicar mais espontaneamente, com a tal sinceridade que referes. E só assim vale a pena arriscar. O problema é chegar a esse patamar.

1REZ3 disse...

Mas não deixa de ser engraçado que, num tempo em que tudo é desafio, em que quase se "luta" todos os dias pela vida, em que - dizem - não há tempo parar nada, em que tantas pessoas se queixam ou ressentem da falta de um complemento ou metade, ainda lutem contra si próprios numa libertação de sentimentos e demorem tanto a incluirem a outra metade em na equação...
Engraçado no cômputo geral, não no sentido em que tudo é fácil, pois sei o que são experiências e o caminho a que elas nos levam.

CB disse...

13,
É pertinente, mas eu acho que é mais um dos paradoxos dos nossos tempos. Quer-se essa tal outra metade, mas isso representa também um enorme investimento. Até de tempo, mas sobretudo de nós próprios. E a certa altura da vida, já se carregam desilusões e frustrações, do caminho e das experiências como dizes, que montaram à nossa volta estratégias de sobrevivência que passam, geralmente, por essa dificuldade de abertura. Quando a vida já nos absorve quase tudo, anseia-se por algo que "compense", mas sobra pouca capacidade/disponibilidade para investir nessa procura e, sobretudo, não se quer adicionar mais um problema ao rol daqueles de que não podemos fugir.