Mais uma - a Parte 7

(...)

Pedro andou pelas ruas, com a imagem dela na cabeça ao mesmo tempo que ecoavam as perguntas dos jornalistas, fazendo o percurso inverso ao que tinha feito nessa tarde com Sofia. Parou frente à esplanada onde se tinham sentado e relembrou fragmentos da conversa que lhe vinham à memória sem qualquer sequência de tempo ou de lógica. Num turbilhão. De repente, lembrou-se que sabia em que cidade ela morava e olhou para o panfleto com o horário dos combóios que lhe tinham dado no hotel. O último combóio era um Inter-Cidades, que partia às 21:39. Tinha 18 minutos para chegar à estação.

Meteu-se no primeiro táxi que passou e prometeu uma generosa gorjeta para chegar a horas. O taxista pisou o acelerador com um pé pesado e um sorriso de satisfação. Pedro perguntou-se por instantes se teria tido sorte ou azar, porque não percebia bem se o sorriso do motorista era apenas de gozo se de loucura. O certo é que aquele carro voava baixinho pelas estradas e Pedro sabia que cada minuto e cada quilómetro devorado naquela corrida eram vitais para si. O nome dela explodia-lhe na cabeça e no peito. “Sofia.” Tinha de alcançá-la, e um semáforo vermelho. “Sofia.” Tinha que agarrá-la, parar-lhe a fuga, e passava mais um minuto. “Sofia.” Tinha de chegar a tempo, precisava dela para se salvar, e o taxímetro contava. “Sofia. Sofia. Não vás. Não me deixes!”. Num nervoso intenso que se via na expressão contorcida e no semblante transpirado, as mão furiosamente a esfregar-lhe a cara à lembrança dela, do nome, do olhar, do toque, do som das palavras e do beijo. E, de repente, a estação a recortar-se no horizonte. Cruzamentos e rotundas que nunca pareceram tão despropositados, os segundos a correr. “Sofia, por favor, espera por mim.”

Ao chegar à estação correu à procura da plataforma certa. Os 4 minutos que lhe tinham sobrado chegaram apenas para assomar à superfície onde viu o combóio prestes a partir. Já não havia gente no cais de embarque e apenas a cabeça do revisor assomava de uma porta. O revisor olhou para ele, na expectativa de ser um último passageiro a querer embarcar, e Pedro ecoava um monstruoso “não” na sua cabeça, “não me rendo, não desisto”, enquanto corria pela plataforma a tentar olhar para dentro do combóio, em busca dela. O sinal de partida ecoou nos altifalantes e ele não conseguiu reprimir um grito de desespero com o nome dela a voar pela noite, lancinante, vindo do mais fundo de si, perdendo-se no vazio do ar e esvaziando-lhe a alma simultaneamente.

- Sofia!!!!

O revisor recolheu-se e o combóio pôs-se em marcha, partindo, lentamente, e deixando no cais de embarque um homem e sombras. Luzes pardas dos candeeiros da estação, destinos escritos em placards electrónicos, bancos de espera vazios, ecos de passos que se foram e do trepidar do combóio que partia.

Lá dentro, ela seguia de volta a casa, com o olhar perdido no infinito, a tentar conter as emoções que queriam transbordar. Não se queria mexer, porque se controlava à força de conter o corpo, numa tensão louca, como que a reprimir a passagem do tumulto que lhe ía dentro. Sabia que se mexesse um músculo, um só, se desconjuntaria e não conseguiria conter a torrente. Aquele homem ficava para trás. Não interessava saber porquê, por que crueldade o destino os tinha feito cruzar caminhos. Não pensaria nunca mais naquele olhar, naquele cheiro, naquele toque ou naquele beijo. Não recordaria nunca mais aqueles breves instantes. Não se permitiria chorar. Não por ele. Sentia nojo de si, dele, repulsa incontrolável. Fechou os olhos e tentou dormir, para calar o que lhe ía na alma. Para tentar calar-lhe a voz, o grito, do nome dela, que ecoara na noite da cidade de onde partia e que não queria ouvir na sua cabeça quando respirasse o ar da noite da cidade onde havia de chegar.

(continua)

2 comentários:

bird of prey disse...

uuufffff. comecei na parte 7 e de repente vi-me envolvido numa corrente de palavras esculpidas por umas mãos e uma mente simplesmente brilhantes. sinto que fui principescamente agraciado por ter chegado ao teu blog. parabéns, estás nos meus favoritos. acabei de ler as primeiras 6 e fico à espera da 8ª. e mais se o permitires. obrigado

CB disse...

Caro "eu",
Bem vindo em bem hajas por tudo o que escreveste. Deixaste-me a mim sem palavras.