A (Nossa) Natureza


Por norma, detesto fazer coisas sozinha. A não ser que seja ir às compras, gosto de programas com companhia. Talvez seja mais deformidade da vida que feitio, não sei, porque prezo muito os meus momentos de silêncio eremita. Mas, de facto, desde os meus 18 anos que não sabia o que era “estar sozinha”, desde essa altura que sempre tive “um par”, relações estáveis e duradouras, casamentos que se pensaram para a vida, de que fugia de tempos a tempos para um pouco de solidão de respiro, apenas quando sentia essa necessidade. Estranhamente, esses momentos a sós agora tanto são de conforto e liberdade como são de angústia de solidão. E ando numa guerra para combater isto, desde há 1 ano, tentando preencher os meus tempos e espaços com animação e companhia, apenas ocasionalmente me permitindo uma solidão de sossego.

Esta semana, pela primeira vez, enchi um dia inteiro fora de casa, sozinha sem me sentir só. Foi o meu último dia de férias e passeio-o na praia, sem o meu filho e com um bom livro por companhia. Soube-me tão bem. Nessas horas de praia li o livro do princípio ao fim, enquanto durante duas semanas de férias com o miúdo não consegui sequer acabar o primeiro que levei. Tempo bom e silêncio de palavras não pronunciadas que me sossegou. Liberdade que soube bem. Que prezei acima de tudo no momento em que uma onda desgovernada avançou intrépida pelo areal sem que eu a visse, a não ser quando estava na eminência de ser rodeada por ela. Tinha tudo na toalha, Blackberry, carteira, chaves, roupa e sapatos. Levantei-me de um salto e salvei... o livro. Foi só no que pensei... O meu Blackberry foi para as urtigas – so what? Tudo ficou encharcado – so what? Tive uns 5 segundos de stress, sim. Depois decidi que nada me estragava o dia. Mudei de poiso, pus tudo a secar, sentei-me no canto menos encharcado da toalha, e terminei o meu livro enquanto esperava por uma amiga que não chegou. Depois rumei ao escritório para me substituirem o Blackberry, daí liguei à amiga que afinal também não ía lá ter de qualquer forma, e a vida seguiu, eu segui com ela, novamente contactável, e com a sabedoria de mais um livro inteiro por dentro, a fazer-me companhia. Não me falhei.

Mas sei que estes dias e esta leveza, esta satisfação, é sol de pouca dura. Sei que em breve terei outro dia em que me vou sentir só, em que vou desperdiçar as horas fechada em casa sentindo-me a perder o mundo lá fora e sem coragem de o enfrentar sozinha. Sei que estou ainda em guerra e esta é a pior das guerras – uma guerra que perco e ganho cada dia, em que sou inimiga de mim própria, em que mino o caminho dos meus passos, e em que também me condecoro com medalhas e prémios em dias bons, para depois me bombardear no dia seguinte. Pode ser que venha uma onda que avance pelo areal de mim adentro e de repente me obrigue a salvar apenas o que interessa. Fiquei a pensar no que seria, pois se pensasse para trás teria julgado que sensatamente salvaria o Blackberry, e no momento da verdade salvei o livro.

Fico a pensar porque carregamos tudo o que levamos connosco, de nós, pela vida fora. Porque guardamos as coisas, porque lhes damos valor, porque as incorporamos em nós sem que pesem na balança mas pesando tanto na alma. Fico a pensar que preciso de um pequeno tsunami privado que me faça perceber o que é realmente essencial, me faça agarrar essa essência e largar tudo o resto para que se dissipe na espuma do mar, sem stress e sem culpa. E já agora, um tornadosito a seguir, que eu gosto de voar bem leve.

10 comentários:

1REZ3 disse...

Join the club. Pois que tenhas mais sorte nessa espera pelo tornado.

E já reparaste no que "salvaste" perante a onda?
Aquilo que te estava mais próximo (e provavelmente o menos importante) - o livro - foi priorizado relativamente à tua vida real (presumo) - o blackberry.

Tenho para mim que na tua balança a emoção acaba por ter mais peso que a razão :) Interessante...

(Acho que não consegui transmitir o sentimento ao finalizar a leitura do texto. Na altura soou melhor)

Pronúncia disse...

Eu sou uma pessoa sociável por natureza, gosto de ter companhia e de estar rodeada de pessoas, mas prezo imenso os meus momentos a sós... não me aborreço de mim! Preciso deles! E gosto deles!

Qual tsunami qual quê?! Qual tornado Qual quê?! Só tens que aceitar que os momentos piores fazem parte da vida e do que nós somos... e são eles que dão valor aos bons ;)

Bom fim de semana :)

bird of prey disse...

Má opção. Deverias ter-te deixado levar pela onda. Quem sabe até onde ela te poderia transportar. Sem racionalizares que poderias ficar a meio da travessia para a outra margem. Pelo seguro e para não correres riscos, convêm levares sempre a prancha de surf:)

CB disse...

13,

Exactamente por me espantar com o que salvei é que surgiu este post. Exactamente por isso escrevi que o que prezei acima de tudo foi a liberdade de poder o meu livro. Por isso queria o tsunami a obrigar-me a perceber o que vale a pena a salvar, que obviamente, no fundo, não é tanto o que manda a minha cabeça mas o que manda o coração. Grande amiga que me destilou, ela sim, e me disse que sou "uma mulher de coração com a ilusão de o temperar com a razão"...

CB disse...

Pronúncia,

O tsunami era para levar o supérfluo. O tornado... cof, cof...

Eu também preciso dos meus silêncios, mas quando me são impostos fazem-me mal, e sobretudo não aprendi ainda a viver esse moentos a sós sem sentir a solidão (só às vezes o consigo).

Bom fim de semana para ti também e obrigada. :)

CB disse...

eu,

E eu que sempre quiz apender a surfar... Mas tenho demasiado medo do mar. :)

LBJ disse...

Pensa que se calhar concretizaste a ambição de muitos de poder trocar um telemóvel por um bom livro :)

Beijo

CB disse...

LBJ,
Talvez. A dúvida é: quantos desses muitos assumem que o livro seria mais importante naquele milisegundo instintivo de decisão? Eu não teria pensado que era o que faria, mas foi o que fiz.
Beijo

Anónimo disse...

Sabes mana, há espaços que depois de vencidos ao medo e desconforto, tornam-se nossos, fazem-nos mais fortes, superamo-nos às esquinas e avançamos em passinhos mais seguros. É o princípio de agarrar o dia e beber da nossa taça mais cheia. Brindo com a minha, à tua!

CB disse...

Tchin, tchin mana. :)