Presentes Especiais


A amizade é um afecto estranho, que se matiza de mil e uma tonalidades. Tem vários graus de intensidade, várias formas e feitios. Por isso temos amigos que pouco mais são que conhecidos por quem temos uma simpatia, mas também temos amigos que se tornam parte de nós. Temos amigos presentes e ausentes. Temos amigos que na ausência se tornam apenas conhecidos e outros que, apesar da ausência, não perdem o estatuto e reentram as nossas vidas com toda a naturalidade a cada reencontro.

Os amigos às vezes desiludem-nos. Podemos não ser reciprocados no grau da amizade que sentimos por alguns, por vezes para mais, outras vezes para menos. E também podemos às vezes magoar um amigo, seja por não lhe dispensarmos a atenção ou o carinho que esperavam de nós, seja porque não o compreendemos e fazemos ou dizemos alguma coisa que o incomoda ou fere.

Na amizade verdadeira e de maior grau de intimidade, confiança e conhecimento mútuo, quase tudo é ultrapassável mas, ao mesmo tempo, custa muito mais. Porque se a ofensa parte de uma não compreensão de nós, de uma qualquer insensibilidade aos nossos sentimentos, necessidades ou forma de ser, por mais que involuntária, deixa-nos a pensar que aquele amigo afinal não nos conhece assim tão bem, não nos compreende, não nos lê correctamente. E tem de ser isso, porque a alternativa é que realmente não se importa. Mas doi da mesma maneira.

Claro que é normal que os amigos não conheçam absolutamente tudo de nós - nem nós próprios conhecemos. Temos às vezes reacções, sentimentos e pensamentos que nos surpreendem também. Mas quanto mais avançado o grau de amizade melhor percebemos o que não sabemos. Aprendemos a reconhecer as zonas cinzentas onde não podemos entrar sem convite, aprendemos a evitar certas temáticas, aprendemos os tempos e os caminhos, sabemos quando temos de estar lá e não falhar, mesmo sem que nos peçam. E aceitamos a forma de ser do amigo, e ajustamos a forma como nos relacionamos com ele, para que não se sinta invadido ou ofendido, desde que isso também não ofenda os nossos princípios fundamentais. Na verdadeira amizade, mesmo quando não compreendemos tudo, somos capazes de dizer “I stand by you”.

Mas a amizade constroi-se, tal como qualquer relacionamento, por isso esperamos o mesmo esforço de volta. O segredo do sucesso de qualquer relacionamento, seja de amizade, amoroso ou até profissional, é a reciprocidade equilibrada de sentimentos e esforços, o que é um permanente reajuste de equilíbrios que exige atenção e dedicação. Talvez por isso se torna tão poderoso quando, de repente, se sente alguém que nem era uma amizade profunda activamente empenhado em nos apoiar, a sair do seu caminho, claramente a dizer “I stand by you”. Claro que um presente destes, tanta generosidade, é para reciprocar com toda a genuidade, e sem dúvida um excelente construto para uma amizade que se torna agora muito mais especial. Eu agradeço este presente. E digo a mais alguém "I stand by you". Sabe muito bem.

12 comentários:

LBJ disse...

A amizade é como uma planta, esta seca por ausência de água e de luz, a amizade seca por ausência de nós.

É verdade que existem plantas tão fortes que mesmo depois de muita ausência de água e de luz, basta umas gotas de chuva ou um raio de Sol para renascerem, mas essas são tão raras.

Não sei porquê depois de ler este teu post, apeteceu-me ler citações de Confúcio, encontrei muitas apropriadas para aqui citar, mas não me considerei eu merecedor de as citar :)

É bom sentirmos que somos capazes de querer preservar uma amizade importante, como é bom sentirmos que somos merecedores de que nos queiram como amigos.

Um Beijo

CB disse...

LBJ,
Podias ter citado Confúcio, sim senhor. Ía muito bem aqui. :)
A amizade pode secar por outras coisas para além da ausência de nós. Mas é, de facto, uma planta, um ser vivo, que precisa de nutrição e cuidados. Sabe bem dar e receber, ver a planta crescer.
Um beijo

Pronúncia disse...

Gostei da tua descrição sobre a amizade.

A relação de amizade, para mim, é uma das mais importantes que existem. Os amigos acabam mesmo por ser a família que escolhemos.

É sempre doloroso quando um amigo nos trai, mas é sempre uma enorme alegria quando descobrimos que afinal "o conhecido" pode até ser "um amigo"... adoro quando isso acontece, talvez por esses momentos serem muito, mas mesmo muito raros, eu lhes dou tanto valor!

CB disse...

Pronúncia,
Sem dúvida, em toda a linha. São a família que escolhemos e que também nos escolhe a nós. E quando acontece esta surpresa, que é mesmo muito rara, sabe tão bem. :)

Anónimo disse...

Sabes Mana, para mim, na essência é o mais sublime dos afectos.
Entendo a Amizade na excelência, no principal constructo de mim. Feliz e grata sou pelos que me complementam, de quem recebo e devolvo amor "em barda" e que me elevam a ser maior, encontrar novas franjas de mim, recuperar o primordial, lavrar-me de daninhos, de ecos e ruídos e vaidades.
Entendo a amizade com despojo, quando imensa, celebramos as glórias e polimo-nos nas fraquezas. Para mim, a nobreza desse Amor é clonado na dádiva genuína. A construção não é na expectativa de retorno, mas no desafio de ser maior, de nos superarmos na liberdade da entrega.
Oiço do meu maior amigo, “Tu estás em mim”. Respondo-lhe num Hino “Sim, Indelével, perene e benfazejo”

Beijo os meus amigos com as duas mãos em taça - como um beijo deve ser.
Um grande para ti a emoldurar-te em copa.

CB disse...

Mana,
O crescer da Amizade faz-nos crescer sim, e vice-versa. Mas a Amizade, tal como o Amor, não cresce sozinha nem só com um lado a dar. Dá-se genuinamente, porque queremos dar, e sem esperar retorno no gesto - concordo. Mas tem de haver um retorno, à maneira de cada um, claro, ou nunca se chega a esse estádio de sermos parte de alguém que também é parte de nós. Só se chega a esse tipo de amizade tão profunda que é já uma forma de Amor quando há reciprocidade - de sentimentos, entenda-se.

Daqui vai um desse beijos com duas mãos em copa e um abraço apertado, de mim para ti.

Anónimo disse...

Sim, eu entendo o que dizes nos gradientes e pantones dessas temperaturas, mas escrevo-te hoje na Ode. Aqui, sinto, dá-se no arquétipo, na origem e criação. Dá-se quando se reconhece e elege um outro, um par, como puro e se faz a argamassa. Dá-se no ajuste ao molde e sim sem dúvida, por fim, quando alguém é vaso que o transborda, recebe-se e é alquímico e arcano.
É então que se faz história até se ser muito antigo.

CB disse...

Sei que entendes e percebo a Ode que cantas - e podes cantá-la. Mas olha que é uma forma estranha para muita gente que nuca chegará a entendê-la, nunca fará história e nunca será antigo. :)

Anónimo disse...

Eu sei mana, por isso é que é bom e tu vais ser velha e ranzinza e eu caturra e surda e vamos brindar com potes de chá sabendo que temos protecção fashion em stock para a eneurese nocturna :-)hehehee.

CB disse...

Ahahahah! Olha que duas! A das fraldas mata-me sempre... :D
Mas sim, mantem-se a promessa, mas que sejam sempre fashion! :)

Apple disse...

Gostei muito desta reflexão e concordo, na essência, com tudo, sobretudo no que respeita à construção e à reciprocidade. Nesta vida não podemos tomar nada nem ninguém como garantido...

CB disse...

Apple, construção e reciprocidade, exactamente. :)

Não há mesmo garantias nesta vida...