Trânsito sentimental



Todos os dias sentimos um monte de coisas. Experimentamos uma panóplia vasta de emoções, muitas das quais nem percebemos, não ligamos, porque são coisas menores, sem importância, que sentimos tanta vez que já não marca, ou a que nos habituamos a não dar valor. Mas há dias em que sentimos coisas especiais, mais intensas e mais vivas, talvez por serem pouco usuais. No fim, são essas as coisas que marcam o dia, e por isso há tantos dias que não nos marcam. Apenas passam.

Se fôssemos a assentar numa lista tudo o que sentimos a cada momento de um dia, não só nos surpreenderia o tamanho da lista como a velocidade com que passamos de sentimento para sentimento. Podemos irritar-nos no trânsito, vociferar uns impropérios contra um qualquer idiota desconhecido, e a seguir sentirmos paz com a música que toca no rádio. Podemos sentir alegria com um abraço de um amigo, e a seguir sentir inveja pelo que nos conta. Podemos sentir satisfação por uma coisa qualquer que acabamos, e a seguir sentir tristeza com uma notícia má. Podemos sentir ao longo do dia, geralmente em pequenas doses quase inofensivas, quase todos os sentimentos que existem. Felizmente, não é comum ser assim. Felizmente, há em geral um sentimento dominante, que no meu caso tende a acordar comigo e raramente se corrompe por completo à medida que tudo o resto passa. E esse sentimento domina porque damos a quase tudo luz vermelha, e apenas a certas coisas luz verde. No fundo, regulamo-nos inconscientemente, num complicado sistema de semáforos e prioridades, que supostamente põe ordem no nossa mapa rodoviário interno.

Hoje senti duas coisas fortes, uma a seguir à outra, e não consigo decidir a qual dar luz verde para se estender para lá deste dia, a qual dar a prioridade. Aaaah, o poder das revelações... Aquele milisegundo em que coisas que nos atormentaram, que nos contorcemos em incríveis ginásticas mentais para entender sempre nos fugindo o sentido, se tornam claras, límpidas, transparentes. Pode ser bom, sentido como uma vitória, uma conquista, uma pacificação. Mas às vezes é duro e frio o sentir destas revelações. Não é à toa que se diz “a verdade nua e crua”. Para mim foi uma revolução, e um enorme engarrafamento cresceu-me no coração.

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