3 de Outubro



Este é, verdadeiramente, o primeiro dia do resto da minha vida. Marca-se hoje o último dia de um ano de vida, e o primeiro de mais outro. Devia ser um dia de vitória. Um dia de dizer que ao longo deste último ano somei mais isto e mais aquilo à minha vida. Que cresci mais estes centímetros, mas já não de corpo. Que andei mais estes metros ou aqueles quilómetros. O balanço, neste dia, quer-se positivo. E querem-se promessas de novos centímetros, metros e quilómetros, com a confiança de que estamos mais perto do que estávamos um ano antes.

Mas hoje chego a este dia, que sempre foi para mim um dia que não gosto de festejar, a fazer um balanço ingrato. Não me vou pôr a listar tudo o que perdi, tudo o que não alcancei, tudo o que me fugiu, ou tudo o que chorei. Estou já suficientemente deprimida pela simples constatação de ter a partir de hoje um ano mais – e um ano menos. Pesa-me que seja um ano a mais de tempo vivido, tal como me angustia que seja um ano a menos do tempo que tenho para viver.

Também não me vou pôr a listar tudo o que somei, que claro que somei. Porque o que ganhei, e conquistei, e encontrei, e todos os sorrisos e gargalhadas que dei e recebi, não apagam a memória das coisas más, não as diminuem nem, sobretudo, mascaram o sabor azedo que se impõe a este ano que chega ao fim.

Não me apetece celebrar a vitória de ter sobrevivido, porque chego aqui, a este momento, demasiado cansada, demasiado desiludida e demasiado mutilada, ao mesmo tempo que entendo que lutei por chegar a uma meta que afinal é uma nova linha de partida, em todos os sentidos. Foge-me o tempo e foge-me a vontade. Sinto que me foge a vida.

Não quero parabéns. Não faz mesmo sentido nenhum. Não fiz mais que sobreviver, do que andar simplesmente, mecanicamente, pondo um pé à frente do outro. Não tenho mérito especial por me ter desviado de uns ocasionais golpes de pancada e encaixado outros que suportei, enquanto os hematomas passavam de negros e lilazes a sombras amareladas. Não tenho orgulho dos momentos de fraqueza em que quase desisti. Também não tenho orgulho dos rompantes de força e determinação que me fizeram levantar do chão e continuar. É apenas instinto.

Hoje queria apenas enrolar-me num colo. Encharcar um outro ombro com o carpir de todas as mágoas e desgostos, sem recriminações. Hoje não me apetece o esforço de mostrar ser mais forte. Queria apenas uma mão pela cabeça e em segredo uma promessa de que vai correr tudo bem. Hoje acho que tenho o direito de ser menina pequena. Hoje é o único dia em que posso chorar. Tento fazer o luto. Enterrar este ano numa cova funda, num canto esquecido do cemitério das memórias. E tem de ser rápido, porque o tempo não pára e a nova etapa já começou, quer eu queira quer não. E tenho de sobreviver a mais uma. Não posso parar. Amanhã sou mais crescida. Agora, vou ver o mar.

10 comentários:

rosebud disse...

Há muito tempo que aqui venho,sem contudo,deixar marca.
Tocam-me os textos e encanta-me a solidariedade de quem comenta.
E um abraço,pode ser?

CB disse...

Rosebud,
Então bem vinda. Deixas uma primeira marca tão bonita. Um abraço é a melhor coisa do mundo. Obrigada.

Demóstenes disse...

Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.[...]


Miguel Torga,excerto de Sísifo

Pronúncia disse...

Princesa, cá vai outro abraço... eu sei que gostas de abraços :)

CB disse...

Demóstenes,
Sejas também bem vindo. E obrigada.

CB disse...

Pronúncia,
Obrigada. Gosto sim, gosto muito.

Ana GG disse...

Princesa

E para outro abraço, ainda se arranja um espacinho?

Muitos parabéns!
Desejo-te um bom recomeço e espero ler-te "encantada", muito brevemente.

CB disse...

Ana GG,
Cabe sempe mais um abraço. Obrigada.

1REZ3 disse...

Parabéns atrasados (sorry).

Não vou destoar e fico-me também por um abraço e um :)

PS: Vai tudo corer bem.

CB disse...

13,
Obrigada (ora essa). Obrigada e :).
PS: mais um obrigada...