Confiança rima com perdão



Muito se fala sobre confiança nos outros, sobre a sua importância num relacionamento e sobre a forma como se gere o processo. Nos extremos, há quem confie cegamente e quem seja incapaz de confiar. Pelo meio, combinações infinitas de fórmulas próprias, umas mais bem sucedidas que outras. Penso que em geral todos concordam que ambos os extremos são caminhos quase certos de sofrimento. A diferença é que quando se é capaz de confiar, sempre há a hipótese de um dia acertar em alguém que não nos decepcione e não nos torne miseravelmente infelizes. Desconfiar sempre não traz tantas lágrimas e desilusões pelo caminho, é mais "seguro", mas nunca abrirá a porta à surpresa da felicidade, o que acaba por ser um sofrimento morno, mas perpétuo.

E no meio? Como chegar a uma das tais combinações? Confiança é mais do que um processo mental, é também um processo emotivo. Nada mais explosivo que a articulação de razão e emoção, por isso tantas fórmulas pelo meio causam enorme devastação. Do que não há dúvida, penso eu, é que é um “processo”. E do que não tenho dúvida agora é que o “processo” de confiar nos outros começa com a confiança em nós mesmos.

É diferente no amor e na amizade. Eu sou patologicamente desconfiada mas, quase bipolar como sou, há certas pessoas que conseguem rebentar-me com os muros e defesas, e nessas confio mesmo, construindo o processo na emoção. Mas também com elas aprendo depois, seja pela desilusão seja pelo retorno positivo, a construir com a razão. Assim se aprende, por exemplo, a voltar atrás, a ir buscar alguém que nos é especial de volta. No fundo, aprende-se a perdoar, porque se confia que aquela pessoa é, no seu todo, maior do que a pequenez dos seus erros. É da nossa condição humana errar, e quando gostamos de alguém que erra, de certa forma sentimo-nos traídos, e custa perdoar. Mas tal como a confiança, o perdão só se consegue dar aos outros quando o sabemos dar a nós próprios. Perdoar é renovar a confiança. Estende-se a mão das duas maneiras, e só depois se pode continuar de mão na mão, ou separar caminhos, mas sempre verdadeiramente em paz.

Os amigos em quem confio são pouquísimos, mas existem. E acarinho-os porque me fazem tão bem, porque me fazem sentir humana, me ensinam a confiar em mim própria e a perdoar os meus próprios erros, e porque me desafiam a preserverar nessa luta de acreditar que às vezes vale a pena – tanto o impulso emotivo como a consciente e racional escolha de confiar e perdoar. Essas amizades são talvez o que me levará, um dia, a arriscar outra vez a confiar com Amor.

10 comentários:

Anónimo disse...

Mana,
brindemos à nossa!

1REZ3 disse...

Só tocas em pontos sensiveis mesmo :)
Seria bom que voltar a confiar nos outros (não naqueles que sabem tudo de nós e vão até ao fim do mundo por nós - os amigos) fosse somente uma questão de nos perdoarmos...
Pessoas há que apenas esperam esse perdão e a (re)confiança que daí advém para voltarem a fazer o mesmo.
Mas aí lá está, como muitas vezes digo, a culpa não é deles, é de quem o permite, nós próprios... Se bem que essas em particular não estão aqui representadas, certo?

PS: E esse risotto, que tal saiu?

Paulo Lontro disse...

Confia, há muitas, muitas pessoas boas neste mundo!
:)

Apple disse...

Minha querida,
adorei este texto.Cada linha está plena de confiança e perdão, um caminho paralelo que tento trilhar comigo e com aqueles que amo. Confiar é sempre um risco mas creio que mais arriscado é não arriscar a confiança, isso isolar-nos-ia irremediavelmente e roubaria até o perdão que devemos a nós e aos outros. É fácil? não...sobretudo quando o acumular de desilusões é grande mas, quem é digno de confiança sabe que tem de dar de si também e só quem sabe perdoar pode, receber o perdão.
Talvez esteja confuso este meu intricado, mas faz-me algum sentido, desculpa :)

Tudo isto para dizer que adorei este "poema".

Bjs

Anónimo disse...

E como é que se perdoa a quem não nos perdoa? Acho que perdoar acabará sempre por nos libertar, por mais difícil que isso seja...

CB disse...

Mana,
Tchin-tchin! :)

CB disse...

13,
As minhas desculpas... :)
Confiar não é "somente" perdoar. E dizes bem que deixar que alguém repita eternamente os mesmos erros de traição à nossa confiança e ao nosso perdão é, em última instância, algo que temos de assumir nós próprios. Mas pra avançar no nosso caminho, temos mesmo de perdoar-nos, confiar em nós e na capacidade de continuar o nosso caminho, e perdoar o outro para o deixar seguir o seu caminho. O perdão não pressupõe necessariamente que se permita o perpetuar de ciclos de confiança/traição/perdão. Por isso digo que se pode seguir mão na mão ou cada um pelo seu caminho. Por isso, está aqui tudo representado sim, mesmo esses casos...

PS: Não estava nada mau o risotto... :)

CB disse...

Paulo,
Vou confiando em mim, e em que as encontro se procurar e souber andar para a frente pacificamente. :)

CB disse...

Querida Apple,
Obrigada pelas tuas palavras. Não acho nada confuso e penso que sintetizas muito bem ao escrever "quem é digno de confiança sabe que tem de dar de si também e só quem sabe perdoar pode receber o perdão". Isto é que é mesmo "poético". :)
Bjs

CB disse...

Imaculada,
Muito difícil responder à tua pergunta, mas penso que o essencial é compreender que não podemos fazer os caminhos dos outros - o nosso já custa tanto... O perdão liberta, sim, faz-nos largar pesos que assim evitamos ter de carregar pela vida fora.