Lá onde doi



Há uma expressão da BD da Mafalda que sempre me foi especial, porque acho que retrata tão bem o que às vezes sentimos: “uma pedrinha na alma”. Serve para aqueles momentos em que qualquer coisa toca uma nota especial na nossa alma, nos entristece e nos comove, fazendo sentir um pequeno peso no peito.

Outras vezes, o que nos invade é tão maior, o que nos faz sentir de dentro e o peso que lhe sentimos é tão grande, que nem substituindo “pedrinha” por “pedregulho” faz a expressão alcançar essa realidade. Para mim, a viver uma dessas outras vezes, é tão avassalador que chego a sentir que me matou a alma e secou o coração.

Cheia de zanga e de raiva, não quero deixar-me sentir a dor. Não quero derramar lágrimas para não dar a ninguém essa “satisfação”. No fundo, não quero dar parte de fraca. Racionalizo as coisas por forma a que chame outros nomes ao que sinto e não quero admitir. Fiz isso assim, tal e qual, num instinto de sobrevivência. Ou enlouquecia. Mas cresceu dentro de mim uma vaga imensa de dor. De tanto querer fugir-lhe e negar-lhe a existência, deixei-a crescer. E de repente, uma pequena coisa, que põe ao que não queria admitir sentir o nome que lhe compete, que me desarma pela forma improvável como acontece, rebenta o dique que pensei indestrutível, e por momentos, penosos momentos, verti essa dor violentamente, sacudindo-me o corpo e implodindo-me a alma. E só depois a escrevi.

Não há como medir uma dor de dentro, tal como não há como medir o Amor. Porque não cabem na alma, são muito maiores que nós. E levam tudo de nós, levaram-me a mim para lá, dentro, lá onde doi.

9 comentários:

Apple disse...

Não há como medir, é verdade... mas, quem já sentiu ambas, a dor e o amor, sabe como é e, na impossibilidade de te poupar a este transe, pode pelo menos estender-te a mão e dizer "estou aqui..."

CB disse...

Minha querida Apple,
Sei que sim... Obrigada.

mf disse...

Pois... Eu aprendi da pior forma que não se pode ignorar a dor ou fingir que ela não existe.
Guardar dentro de nós só piora as coisas, porque tal como um balão não aguenta todo o ar que lhe insuflamos, um dia o nosso coração também não aguenta a porcaria que guardámos, fingindo que não existia.
Derramar lágrimas, exteriorizar a dor, falá-la, não é fazer o outro ganhar. Muito pelo contrário. É ganharmo-nos a nós próprias, cuidarmos do bem mais precioso que carregamos dentro.
A verdadeira fortaleza reconhece-se naqueles que assumem a sua verdade de dentro, boa ou má, doa muito ou pouco. A isso chama-se coragem...
Por isso, coragem, minha querida. Tu tens muita, agarra-te a ela.

CB disse...

Obrigada, minha querida mf.
Tens razão que não adianta fugirmos de nós, pelo menos não para sempre. A coragem às vezes é instinto. De sobrevivência...

Pulha Garcia disse...

"Não há como medir uma dor de dentro, tal como não há como medir o Amor. Porque não cabem na alma, são muito maiores que nós. E levam tudo de nós, levaram-me a mim para lá, dentro, lá onde doi." é exactamente como me sinto por dentro. É como se não sobrasse nada de nós para continuar. A verdade contudo é que sempre sobra. Basta sermos honestos, realistas e olharmos para a nossa volta. E pensar assim ainda é o que me vai trazendo alento.

1REZ3 disse...

Por vezes penso que seria mesmo essa a melhor solução para muita coisa pois tenho por exemplos concretos - de pessoas que me são próximas - que de facto exteriorizar/desabafar certas dores e direccioná-las contribuiram para um certo alívio da dor, permitindo inclusive transcender esses momentos mais penosos.

1REZ3 disse...

Sei que acabei, de certa forma, por ir contra aquilo que disse e defendi ontem, mas aí referia-me à minha forma de estar e não vi para além disso. Talvez não tenha optado pelas melhores estratégias, mas foi esta a minha educação e é-me dificil fugir dessa linha de conduta (às tantas, infelizmente...).
Espero sinceramente que sejas - serás - capaz de ultrapassar estas "complicações" de forma a poderes desfrutar os arco-íris que se deparam a cada esquina.
Tudo de bom!

CB disse...

Caro Pulha,
Lamento que haja mais quem saiba o que as minhas palavras tentam traduzir. Isto é algo que nem uma só pessoa devia poder perceber. E tens razão - "é como se não sobrasse nada de nós para continuar". Na realidade, não sobra mesmo, não no momento, e não aquela pessoa que fomos até aí.
O que te dá alento é acertado, mas permite-me discordar do "basta". Há uma variável que não nos pertence na equação da vida, e sobretudo no complexo algorítmo do Amor. Mas haja esperança, sempre, claro.

CB disse...

13,
Só exteriozando, seja de que forma fôr, é que podemos tomar verdadeiramente "contacto" com a dor, e assim depois de a chorar pelo que é, podermos entendê-la e arrumá-la, de preferência no lixo.
Quanto à contradição, percebo o que dizes, mas também percebo o que escreveste ontem. Cada um tem uma forma muito própria de sofrer. E de ser.
Obrigada.