Equilíbrios



Há alturas em que me sinto em guerra comigo própria. Sinto que sou prisma colorido de muitas faces e muitos brilhos, e que o conjunto não é uma forma harmoniosa, mas antes um obtuso objecto que quer rolar mas tropeça nas arestas e nos vértices, nunca se fixando numa côr definida. Sinto que tenho de escolher quais as faces do prisma que se podem ver, que podem brilhar, e que há sempre umas quantas que terão de ficar ocultas, porque o objecto tem de assentar em algum dos lados.

Senti muito isto em relação à minha dicotomia mulher/mãe aqui há um ano e pouco atrás. Foi um dos meus maiores desafios dos últimos tempos, arranjar um equilíbrio para o prisma de forma a que, tanto a face da mulher como a face da mãe, pudessem brilhar e ver a luz do sol, criando no conjunto uma paleta de côres harmoniosas. E agora, por força das circunstâncias, sinto de novo esse equilíbrio perigado, lutando entre uma enorme vontade de partir pelo mundo fora e uma inegociável necessidade de caminhar com o meu filho.

Queria fazer a mala e levantar amarras, partir à aventura, recomeçar a vida toda num outro lugar, encontrar o meu lugar. Mas ele prende-me aqui e não consigo sequer articular a hipótese de partir sem ele. Isso seria enterrar no chão uma das faces mais importantes do meu prisma e sei que seria desvirtuar-me, no sentido em que seria tornar-me incompleta, seria tornar mais pobre a paleta de côres que o meu prisma produz. Sei que não seria capaz, como uma amigdalite me faz claramente recordar, ao embalá-lo no colo uma noite inteira, sofrendo a agonia de o ver sofrer, correndo com ele para o pediatra com a instintiva mas inquestionável certeza de que ele estava mesmo doente. E estava.

Nas noites sobressaltadas a seguir, noites de ausência dele que ficou com o pai, mesmo sabendo-o medicado e a melhorar, sofro a distância e sinto o prisma desiquilibrado. Como poderia ir para mais longe ainda, e por muito mais tempo do que os 4 dias ou uma semana no máximo que ele passa com o pai a cada quinze dias?...

Não posso. Mas queria. Queria ir. E esse ímpeto de movimento negado ao prisma, desiquilibra-o perigosamente, e escurece assustadoramente a luz que me atravessa.

10 comentários:

1REZ3 disse...

Não o podeno fazer, aproveita os dias que está contigo e parte, ainda que para voltares pouco após, incutindo-o ao mesmo tempo o espírito de viagem e aventura. É das coisa que mais tenho pena de (felizmente ainda a tempo) de só há pouco ter começado a "explorar".

É perfeitamente perceptível o tal desequilibrio, a divisão da personalidade - e é de louvar o peso pender para o piqueno - mas as mudanças também levam o seu tempo. O importante, creio, é não se perder esse espírito.
E como dizia uma amiga minha, pode ser que até esteja algo por detrás desse "impedimento". Nunca se sabe... :)

CB disse...

13,
Também é difícil fazê-lo com ele, que apesar de ser tão pequenino já tem rotinas que são importantes para ele.
As mudanºas levam muito tempo, mas o pior é sentir que não podemos mudar para o que sentimos vontade de seguir. É sentir amarras que não se podem levantar. O "pender" a que te referes não é de louvar porque é simplesmente inegociável. Mas pode ser que haja de facto um desígnio maior para que aqui esteja presa.

1REZ3 disse...

(Isto da moderação de comentários é tramada porque por norma não leio o que escrevo e quando confirmo já não há como corrigir. Há aqui cada construção frásica... :s)

Sim, claro, já não parece ser criança de colo (e a parte do louvar é num outro sentido - a culpa aqui é minha mesmo, não é a tua má interpretação).Referi-me no sentido de quando lhe fosse permitido.
Claro, é complicado querer - e no caso ter capacidade para fazer - e não poder. É complicado ficar-se preso a um local que se identifica com tanta coisa que se pretende para trás das costas.
Mas há sempre os lugares comuns (mágicos). Há sempre os gelados, a cozinha ou os livros. Haverá sempre um espelho, olhos nos olhos. Claro que haverá também sempre a conssciência que nos surpreende nos momentos mais incovenientes, mas que acima de tudo é mais um espelho de virtudes e qualidades do que o próprio espelho que reflecte a nossa imagem. E acho que já me desviei do tema. Deve ser do sono... :)

CB disse...

13,

Desculpa lá a moderação, mas foi um recurso que, infelizmente, tive de passar a usar.

Apesar do desvio do tema, gostei de ler o que escreveste. Boa noite. :)

1REZ3 disse...

Por vezes acontece sair algo nteressante, para aí 1 num milhão :) Acho que vou passar a dormir 5h por dia... :D

CB disse...

13, tanto também não aconselho! És capaz de acabar a não te perceber a ti próprio! :D

catwoman disse...

Eu, tal como tu, também me culpabilizo por sentir a necessidade de partir à deriva, de deixá-lo e sentir-me livre outra vez. Mas a verdade é que nunca seria capaz de fazê-lo, tal como dizes o prisma ficaria desiquilibrado. Depois raciocino e desculpo-me um bocadinho: por vezes o cansaço vence-nos e queremos desistir, apagar o que ficou para trás o que nos fez perder tempo e nos traiu, mas depois, no meu caso, basta ir aconchegá-lo antes de me deitar, e um mundo ganha uma nova dimensão e a vontade de fazer a caminhada a seu lado, enquanto ele me deixar, vence tudo. O teu vai para o pai,tenta viver esses bocadinhos para ti, provavelmente quando ele voltar o teu prisma ficará bem mais equilibrado e iluminado(mas compreendo bem a tua preocupação de o saberes doente e não estares com ele, mãe galinha entende-se.)No fundo penso que amarras vamos ter sempre,por isto ou aquilo, elas existem. Temos que tentar é que não nos prendam demasiado (já é tarde,a noite passada não dormi pois estive doente, por isso o meu discurso já está a ficar confuso, assim retiro-me).
Bjs.

Anónimo disse...

Não vás Princesa. Segura-te. Se fores, leva-o contigo. Tu és o único lugar do mundo onde ele quer estar. Fica... que é aqui o caminho.

CB disse...

Catwoman,
Não tenho dúvidas que quero, preciso, de caminhar com ele. Se pudesse levá-lo, ía sem pensar duas vezes. Mas ele não me "pertence", ele próprio tem amarras aqui que eu não tenho o direito de cortar. As minhas, cortava facilmente, desde que ele fosse comigo.
Está de volta desde ontem. Os breves momentos em que o aconchego, os momentos em que se aproxima de mim de mansinho para se encostar para uns segundos de mimo, e a maneira como olha para mim nesses ataques de ternura que lhe dão, dão-me um sentimento único e indescritível que me preenche. E de que não quero nunca prescindir. Mas a minha vida não é só ele, mesmo quando estamos os dois confinados às 4 paredes da nossa casa porque ele ainda não pode saír, e tens razão que é de tudo o resto que eu queria distância, que queria deixar para trás, para poder realmente recomeçar do zero.
As melhoras para ti!
Beijinho

CB disse...

Imaculada,
Não sei por onde é o meu caminho, sei apenas por onde gostava de ir e sei que não posso ir por aí, porque não quero, nem posso, ir sozinha. Como escrevi acima, ele também tem amarras que o prendem aqui, e eu não posso cortá-las.
Sei que para ele, o lugar no mundo não interessa desde que eu esteja com ele, como bem escreves. Mas para mim... queria o melhor de dois mundos, eu sei... Queria outro lugar, comigo e com ele.